Um espaço seguro para a aprendizagem de inovação — LISS

Transformar e multiplicar transformadores para inovação

Lívia Oliveira
Apple Developer Academy | UFPE
13 min readMar 12, 2021

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Fazemos parte de um projeto de educação que cultiva um novo modelo de aprendizagem, visando formar jovens graduandos para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e demandante na área de desenvolvimento de software mobile. Desde o início, sabíamos que era preciso não apenas preparar esses estudantes para serem mão de obra qualificada, mas também para serem pessoas autônomas e protagonistas das suas trajetórias. O que fazemos na prática é formar inovadores, ou seja, pessoas proativas e ousadas, capazes de transformar com pensamento crítico e criatividade qualquer ambiente onde venham a trabalhar, ou quem sabe, utilizar essas habilidades para a fundação de seu próprio negócio. Esperamos formar estudantes que sejam capazes de encontrar oportunidades de impactar de forma positiva a sociedade, propor soluções inovadoras, engajar outras pessoas nessa iniciativa, comunicar e co-construir estas soluções junto com um time plural e diverso. Nosso propósito é transformar e multiplicar transformadores para inovação.

A formação para a inovação necessita de modelos de aprendizagem que precisam se alinhar ao mundo em que vivemos, cada vez mais dinâmico, colaborativo e transdisciplinar. Imagine se pudéssemos vivenciar um ambiente de aprendizagem seguro onde seus participantes possam aprender a inovar, experimentar desafios e utilizar a tecnologia como ferramenta para mudanças coletivas? É com este intuito que construímos o Learning Innovation Safe Space (LISS). Um ambiente de aprendizagem para inovação que promove segurança emocional e colaboração para que todos possam se sentir confiantes ao enfrentar desafios. Sabemos que não é tão fácil aplicar modelos de educação que desenvolvam habilidades socioemocionais. Por isso, o LISS é um novo ambiente que dá suporte à formação de inovadores, que valoriza a cooperação e o reconhecimento das potências individuais para formar protagonistas que implementam mudanças positivas nos espaços em que estão inseridos.

Um ambiente como este deve estimular o desenvolvimento de habilidades alinhadas aos modelos de educação para o século 21. Esse modelo de aprendizagem envolve pensamento crítico, comunicação e cuidados emocionais que são necessários para se posicionar em um mundo cada vez mais dinâmico, diverso, competitivo e colaborativo. Pensar em uma formação inserida em um contexto de constante mudança, incertezas e novas oportunidades, faz com que a aplicação de métodos e ferramentas não sejam suficientes. Precisamos de um espaço seguro para fomentar novos modelos de educação. Por isso, acreditamos no que Sara Hallerman, Colon Lewis e Brad Dresbach afirmam como compromissos de uma educação para o século 21:

“O papel dos educadores no século XXI deveria ser ajudar cada estudante a aprender a aprender. É inspirador de criatividade, encorajando a colaboração, esperando e recompensando o pensamento crítico, e ensinando às crianças não só como comunicar, mas também o poder de uma comunicação eficaz. Estas são competências que os estudantes precisam de desenvolver para prosperar no local de trabalho dinâmico de hoje e de amanhã.”

Relação entre ambiente de aprendizado e habilidades para o século 21.

Como podemos ver, o aprendizado de habilidades para inovação tem um papel central na educação para o século 21. Juntamente com carreira e vida profissional e domínio de mídia e tecnologia, tudo isso complementando elementos tradicionais da educação como currículo e avaliação. Na nossa visão isto vai ainda mais além, todo o conjunto de aprendizado promove a formação de pessoas mais inovadoras, que estão constantemente aprendendo a aprender, e o ambiente de aprendizado deve abraçar tudo isso. Estas habilidades são fundamentais para a adaptação e crescimento em um ambiente de trabalho moderno. Além disso, o aprendizado orientado à inovação apresenta mudanças importantes para quem está envolvido no ambiente educacional: estudantes, mentores e gestores. A mudança principal é a saída de um paradigma de replicação do que um mentor já sabe para outro de criação, combinação, busca e aplicação de conhecimentos que vão além daqueles dominados pelos mentores.

O aprendizado de inovação é multidimensional, onde profissionais são formados e desenvolvem quatro habilidades principais ou 4Cs. Primeiro a Criatividade para se pensar fora da caixa e criar soluções diferenciadas para necessidades relevantes em projetos e ações; pensamento Crítico para se analisar alternativas, diversificar e evoluir sempre; Comunicação que nos faz escutar ativamente e entender melhor as outras pessoas, e também compartilhar de forma efetiva nossas ideias e impressões; e finalmente, mas não menos importante, Colaboração que permite fortalecer potências, competências e motivações coletivas tão maravilhosas quanto diversas para que juntos aprendamos a impactar positivamente a nossa sociedade. Os 4Cs nos fazem pensar em uma educação holística e transdisciplinar. Ou seja, uma educação que não reduza os estudantes apenas aos conhecimentos técnicos que precisam adquirir para o mercado de trabalho.

4Cs relevantes para o aprendizado de Inovação

É por entender a complexidade de cada indivíduo e o potencial de sua trajetória que cultivamos uma educação transformadora e alinhada com a formação para o século 21. Mas o que queremos dizer com isso? Transformar é inquietar, tirar da zona de conforto. É conduzir os estudantes e todos que compõem o ambiente educacional para serem agentes ativos na construção de seus conhecimentos e se apropriarem desse processo como fruto da colaboração, fomentando a diversidade e cuidado em comunidade. Acreditamos em um ensino baseado em paixões, propósitos e desafios individuais e coletivos. Mas para que isso aconteça é necessário compreender os obstáculos para o desenvolvimento de um ambiente seguro baseado nessas motivações, que ocorrem quando os estudantes se apropriam de seus aprendizados.

Por que nutrir um ambiente seguro para o aprendizado de inovação?

Ao construir uma educação pautada na promoção da ousadia e a constante busca pela superação de desafios, surgem novas necessidades de ambientes de ensino-aprendizagem e com elas novas dificuldades. Dado o propósito de multiplicar transformadores, as aulas e as atividades educativas precisam enxergar o estudante de forma holística, incluindo também um plano para o desenvolvimento de habilidades intra e interpessoais e atitudes como a valorização das suas próprias conquistas pessoais. Atitudes que estão relacionadas aos 4Cs para enfrentar problemas coletivamente. Assim, a proposta de romper com as abordagens tradicionais de educação que possuem uma visão mecanicista da prática educacional e são voltadas para a reprodução do conhecimento, faz com que estudantes e mentores tenham que aprender a exercer um papel mais ativo, se permitindo criar, explorar e construir seu próprio aprendizado.

No entanto, o fomento e a manutenção de um ambiente educacional que promova essa aprendizagem ativa, crítica, criativa e autônoma é repleta de desafios, sendo um dos mais frequentes e importantes o fenômeno do impostor. Uma questão onde as pessoas se sentem inseguras em relação à sua competência, uma vez que atribuem o seu sucesso a outros fatores, como a sorte. Isso impacta fortemente o desenvolvimento do conhecimento dos estudantes.

Na nossa experiência em educação, este fenômeno é ampliado quando existem estudantes de vários cursos trabalhando juntos, pois há pessoas com domínios de conhecimento diversos. Por exemplo, em uma equipe transdisciplinar com designers, programadores e estudantes de outros cursos, como o de cinema, pode haver um aumento de insegurança e comparações, por conta da diversidade de competências e conhecimentos. Esse fenômeno pode impactar negativamente a maneira que a pessoa lida com desafios e situações vivenciadas no ambiente de aprendizagem, uma vez que ela não se sente capaz de realizar as atividades de uma maneira tida como satisfatória para ela que está sempre se comparando com os outros. Essa falta de reconhecimento do seu potencial é prejudicial também para a experimentação e a aprendizagem de coisas novas, dado que o medo de falhar pode lhe paralisar frente a novos desafios e até resultar em autossabotagem. Esse problema atinge não só o estudante como também a sua equipe e mentores, constituindo um obstáculo para a evolução do projeto e para o desenvolvimento de todos.

A falta de reconhecimento e valorização de conquistas pessoais impacta também outros desafios como o desenvolvimento da autonomia. Por um lado, a autonomia faz com que o processo de aprendizagem se alinhe com as curiosidades, paixões e propósitos do estudante, contribuindo para a construção de uma trajetória própria. Por outro lado, há o peso de realizar escolhas e guiar a sua aprendizagem, o que pode ocasionar em um aumento de ansiedade e insegurança, atingindo também os mentores. Como consequência dessa ansiedade e insegurança surgem dúvidas, por exemplo: como desenvolver a autonomia dos estudantes compreendendo o limite de suporte que deve ser ofertado? Como conseguir que os estudantes estabeleçam objetivos de aprendizagem que incluam também seus desejos e não só as necessidades dos projetos? Além disso, como dar suporte para que os estudantes permaneçam fora da zona de conforto, mas ao mesmo tempo seguros e confiantes em se desafiarem?

Todas essas dúvidas e problemas revelam que uma educação voltada para o desenvolvimento de habilidades para o século 21, que propõe uma visão totalizadora, é repleta de desafios que afetam a todos. Isso torna relevante direcionar formação do estudante em seus diversos âmbitos alinhada às necessidades do seu contexto. Como nos mostra Bolzani (2015), a educação holística enxerga o aluno como sujeito autônomo, crítico, participativo e transformador da sociedade. Ele é entendido como um sujeito único, repleto de inteligências, capaz de inovar e de questionar. A complexidade de lidar com os estudantes em sua totalidade faz com que haja a necessidade da construção de ambientes educacionais acolhedores e promotores de colaboração.

Assim, é fundamental que o ambiente de aprendizagem promova suporte material e social, como a segurança emocional e também a confiança para que todos possam ousar sem grandes impactos emocionais. Mas mais do que isso, é preciso sempre mobilizar todos para a busca de forma coletiva da resolução dos seus próprios desafios para ousar e co-criar. É exatamente isso que o LISS se propõe a apoiar, por meio da estruturação de um ambiente que atenda a essas necessidades e anseios.

Como o LISS constrói um Safe Space para o aprendizado de inovação?

A maneira como o LISS é fomentado para transformar pessoas em potenciais inovadores não existiria sem o alicerce de um espaço seguro em que os estudantes possam se desenvolver. Nesse sentido, para pensarmos sobre o LISS é importante discutir sobretudo o que é um Safe Space. Existem várias definições e também cuidados que precisam ser tomados quando se fala de safe spaces. Um safe space é um espaço de construção coletiva. Ele depende fortemente do engajamento das pessoas. Não é algo que basta ser declarado e está construído, ou seja, o Safe Space se concretiza na experiência das pessoas, não podendo ser decretado.

Portanto, ao desenvolver um Safe Space entendemos que é preciso constituir práticas e experimentações constantes que, naturalmente, garantem erros e acertos no processo, visto que a diversidade de ideias e pontos de vista tornam a sensação de pertencimento a um espaço seguro distinta. Entende-se o Safe Space como um ambiente que é nutrido constantemente de práticas que fortalecem a segurança emocional e o bem-estar coletivo dos envolvidos, onde as pessoas são observadoras ativas de suas necessidades e potencialidades. Além disso, estudiosos da área como Holley e Steiner (2005) pontuam que um Safe Space encoraja a participação e o compartilhamento honesto de ideias, bem como gera um clima que permite que os estudantes se sintam seguros o suficiente para tomar riscos, expressar seus pontos de vista e compartilhar e explorar seus conhecimentos, atitudes e comportamentos. Assim, um Safe Space promove um ambiente que estimula o processo de autodescoberta, em outras palavras, o processo de reconhecimento das suas motivações, posicionamentos e desejos. É por meio da reflexão crítica dos estudantes sobre a sua trajetória pessoal que um Safe Space atua no fortalecimento da autonomia dos estudantes.

Safe Space em ambientes de aprendizagem

Mas como falamos anteriormente, o processo de ser mais autônomo, seguindo as suas motivações e necessidades no aprendizado, gera inseguranças que afetam o emocional dos estudantes e mentores. É por isso que um ambiente de aprendizagem para inovação deve também fornecer segurança emocional.

Apesar dos benefícios que um Safe Space pode proporcionar, também há críticas ao modelo. As principais delas são que quando se implementa um Safe Space leva ao cerceamento da liberdade de expressão e um patrulhamento de comportamentos e conversas para prevenir micro agressões. Existe a preocupação de que o Safe Space encoraje a formação de grupos de estudantes que se isolem de discussões sobre questões que podem tirá-los de sua zona de conforto. Contudo, quando se trata de aprendizagem, são envolvidos processos que naturalmente necessitam que estudantes saiam de sua zona de conforto. Lidar com a pluralidade e o desconhecido não é fácil, mas um Safe Space não deve ser entendido como um ambiente no qual não há conflitos e desconfortos como pontuado por Boostrom (1998):

“Se sentir seguro não é o mesmo que se sentir confortável. Para crescer e aprender, estudantes devem com frequência confrontar questões que trazem desconforto e que forçam a enfrentar suas crenças e questionar quem são.”

Assim, em um Safe Space, alunos e mentores devem se orientar a gerenciar conflitos e não proibi-los. Um ambiente seguro deve promover discussões que envolvam a escuta ativa e a reflexão crítica sobre diversos pontos de vista. O Safe Space é e deve ser um espaço de posições divergentes, mas ao mesmo tempo ser um espaço no qual as pessoas sintam-se protegidas para dialogar de maneira respeitosa e aberta, e aplicar de forma colaborativa essas divergências para construir conhecimentos e soluções diferenciadas. É importante o entendimento que estamos sempre em constante aprendizado e que conflitos fazem parte de um processo de autonomia, ousadia e liberdade de expressão na construção do aprendizado. Agora que entendemos o que é um Safe Space vamos conhecer o LISS.

Finalmente, o que é um LISS?

Podemos dizer que o LISS é um ambiente seguro voltado para a aprendizagem à inovação. Mais especificamente, é um ambiente que promove a segurança emocional e autonomia para se auto-descobrir na medida em que se aprende a experimentar, enfrentar desafios e transformar comunidades com colaboração e criatividade. Esse ambiente permite que as pessoas envolvidas recebam apoio e se sintam mais confiantes para traçar a sua própria jornada de aprendizagem. Além disso, é um ambiente que faz com que os ganhos de experimentação e saída da zona de conforto sejam maiores que possíveis desconfortos e impactos negativos, resultando em pessoas mais engajadas em se desenvolver e transformar o seu entorno. Em nossa perspectiva um LISS pode ser retratado assim:

FIGURA 2: Definição formal do LISS

Podemos ir ainda mais além. Para inovar no atual contexto histórico e social é necessário, além do aprendizado de competências técnicas, o ganho de habilidades pessoais e interpessoais, como explicitamos anteriormente. Pensando nisso, o LISS propõe 8 categorias de desenvolvimento individual e coletivo, sendo elas: Autodescoberta, Autodesafio, Pensamento Crítico, Comunicação, Divergir e Colaborar, Cuidados Emocionais, Liberdade de Expressão e Criatividade. Podemos ver de forma mais detalhada o que cada categoria significa na figura abaixo.

Assim, percebemos que estimular a construção de um ambiente para uma comunidade cada vez mais autônoma e engajada em desafios, onde as pessoas se tornem protagonistas do seu aprendizado e busquem ativamente o desenvolvimento pessoal e coletivo é o que constitui um espaço seguro para aprendizado de inovação. Somos responsáveis por um processo de transformação individual e coletiva, de transformações constantes e de aplicação efetiva da educação para inovação. Vemos o Learning Innovation Safe Space como o ambiente para práticas em inovação com o intuito de formar profissionais capazes de exercer impacto positivo no seu entorno e liderança na implementação de mudanças nos espaços em que estão inseridos. Profissionais com consciência da sua trajetória profissional, que valorizam a cooperação, que reconhecem o potencial de se trabalhar em equipe e que valorizem o cuidado com a comunidade e o acolhimento da diversidade.

Dessa forma, nós que construímos o LISS diariamente, sentimos que fazemos parte de uma experiência de educação e de um ambiente comunitário especial. Contudo, tínhamos muita dificuldade em definir esse ambiente. Falávamos muito de Safe Space, mas não sabíamos exatamente o que era isso. Também tínhamos consciência de que fazemos parte de um Safe Space para uma educação diferenciada, um ambiente com um propósito de formar transformadores. Assim, procuramos dar a nossa versão do que é um LISS porque não só acreditamos nesse conceito, como temos a convicção de que, apesar dos desafios, estamos vivenciando algo que caminha na direção de um Learning Innovation Safe Space, um espaço seguro para o aprendizado em inovação. Quando refletimos durante a escrita deste artigo nos identificamos muito com os conceitos que a gente propôs. Passamos horas não só escrevendo mas discutindo e debatendo, e colocando nossas opiniões e visões, muitas vezes divergentes e é claro também se divertindo. Foi uma experiência de auto-descoberta para nós e que queremos compartilhar com vocês. Queremos que esse artigo inspire, gere debates e questionamentos, reflexões e ações para o começo de uma jornada de evolução contínua de um LISS para todos.

Na próxima edição iremos compartilhar a nossa visão de que já fazemos parte de um LISS em desenvolvimento, que constantemente passa por vários desafios para mentores e estudantes enfrentarem. Iremos dar exemplos do que para nós são evidências de que nosso ambiente é tão importante para quem o compõe e o porquê suas práticas se encaminham para o alinhamento das características de um espaço seguro para a aprendizagem de inovação. Queremos ouvir suas contribuições, fomentar reflexões para possamos pensar juntos e transformar o nosso ambiente de aprendizagem.

Vamos nessa evoluir o LISS com a gente?

Artigo escrito em colaboração pelo LISS Research Team: Ravena Amaral, Lívia Oliveira, Cristiano Araujo e Higor Oliveira.

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Lívia Oliveira
Apple Developer Academy | UFPE

Product Designer alumni at Apple Developer Academy | UFPE. Enthusiast in UX/UI design, participatory methodologies and social innovation.