Livro: Acupuntura Urbana de Jaime Lerner

Lucas Marchesini
Aprendi com o livro
4 min readAug 31, 2017

Nas minhas leituras urbanísticas, quando se trata de Brasil, um nome e uma cidade aparecem frequentemente: Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba. Eu não passei mais de algumas horas em Curitiba (e foi esperando um voo que deveria ter saído de Joinville), mas o que me vem a cabeça deve ser o mesmo que vem na sua: chuva, frio e um transporte público de qualidade (além de menes de qualidade também, claro). Jaime é o responsável por isso (apesar de um amigo curitibano me garantir que já foi melhor e que hoje a cidade vive mais de fama do que de fato). Em Acupunturas Urbanas, ele fala sobre a sua gestão à frente da capital paranaense, mas não só. O livro é um misto de diário de viagem e carta de amor à vida na cidade. Um passeio.

Leve, o livro vai flanando por ruas, praças, beiras de rio, bares, avenidas e parques. Os textos são curtos, como as agulhadas que ele propõe para melhorar a vida nas cidades. Mas o que são essas agulhadas? Você pode ouvir dele ou seguir por aqui. Jaime propõe ações certeiras que trazemc de volta a vida aos centros nervosos atingidos. Ele dá exemplos de sua cidade, como a Ópera de Arame, um espaço cultural construído no lugar de uma antiga pedreira. Esse foi um exemplo grandioso. Vamos a outro: a ocupação de terrenos baldios. “Muito dos grandes problemas urbanos ocorrem por falta de continuidade. O vazio de uma região sem atividade ou sem moradia pode se somar ao vazio dos terrenos baldios. Preenchê-los seria boa acupuntura”, aponta Jaime. A agulhada pode ser burocrática, no planejamento: “é importante também incluir a função que falta a determinada região. Se só existe a atividade econômica e falta gente, é essencial incentivar a moradia. Se o que ocorre é a falta de atividade, o importante é incentivar os serviços”.

Esse ponto me leva a falar de Brasília, a minha cidade. Ela foi projetada para ser uma cidade-jardim, o que tem seu lado positivo (tem uma cidade com tanto verde assim no Brasil?), mas também cria as grandes distâncias com todos os seus pontos negativos. O visitante se espanta com a divisão da capital (a quadra das farmácias nunca falha em divertir o turista). Cada coisa tem seu lugar. Só um lugar. Como resultado, a cidade é, à primeira vista, um deserto. Aparentemente, não há pessoas nas ruas. Porém, como um deserto, a cidade tem seus oásis (e são muitos). A rodoviária do Plano Piloto está quase sempre cheia, assim como a Esplanada e as quadras comerciais. Quando a noite cai, o movimento se desloca para outros lugares. A lei engessa um bocado qualquer chance de mudança significativa na cidade e é aí que entram os brasilienses, de nascimento ou adoção. Diversas iniciativas (exemplos aqui e ali) da sociedade civil buscam preencher essa lacuna.

Os ambulantes fazem isso há muito tempo. Em uma cidade categorizada, eles levam vidas a lugares inabitados vendendo comida, cerveja, churrasquinho de gato ou a bugiganga da moda. Aqui, voltamos ao Jaime: “o vendedor ambulante muitas vezes é caçado pelos fiscais burocráticos. É pena, pois ele não é apenas um comerciante, às vezes, reconheço, atuando de forma ilegal. Mas ele deve ser visto com olhos mais generosos, dada a amplitude de sua atuação”. Ele vai além: esses ambulantes contribuem para a própria identidade da cidade. Peça a um brasiliense a indicação de um cachorro quente de rua e prepare-se para uma análise detalhada de trinta minutos sobre as qualidades e desvantagens de umas dez opções.

Outro exemplo da capital: uma rodovia corta o Plano Piloto, o Eixão. Para cruzar de um lado para o outro, existem as passarelas. Elas são evitadas a noite porque são inseguras. Elas acabaram virando um ótimo local para festas. Outro exemplo é uma outra passagem subterrânea que liga um supermercado a um shopping, passando por debaixo da pista que entra no Lago Norte. Buscar a vida na cidade não é um ideal abstrato. Mais gente é mais segurança, para ficar com um benefício bem direto. Lugares desertos não dão a impressão de segurança. E o que mais atrai gente é gente. Ou você prefere sentar em um bar vazio?

No fim e ao cabo, o que Jaime incentiva é que o cidadão conheça a cidade em que vive, se relacione com ela. De acordo com ele, “uma boa acupuntura urbana seria provocar o conhecimento de cada um sobre a sua cidade” porque, como ele pontua, “dificilmente alguém respeita o que não conhece”. E quantas pessoas conhecem a cidade onde vivem? Uma dica, para concluir: na maioria das vezes, a cidade é aquilo que fica entre um estacionamento e outro.

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