Foto: David McNew (Getty Images)

Fernanda Delgado, assessora estratégica na FGV Energia, debate sobre transição energética na indústria do petróleo

A professora e pesquisadora especialista em Geopolítica do Petróleo comenta sobre a conjuntura atual da transição energética na indústria do petróleo brasileira

Vanessa Petuco
Aprix Journal
Published in
5 min readMay 14, 2021

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Foto: Arquivo pessoal

Doutora em Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Mestrado em Tecnologia da Informação e MBA em Comércio Exterior e Finanças Internacionais, Fernanda Delgado reúne mais de 15 anos de experiência na área de Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Sua trajetória profissional conta com passagens por empresas brasileiras e internacionais de alto prestígio, tais como Petrobras, Deloitte, Vale S.A., Vale Óleo e Gás, Universidade Gama Filho e Agência Marítima Dickinson.

Atualmente, Fernanda atua como professora e assessora estratégica na Fundação Getúlio Vargas (FGV) Energia, onde também coordena o MBA em Gestão no Setor de Óleo e Gás. Além disso, na instituição, a pesquisadora é responsável pelas linhas de pesquisa em petróleo, gás, biocombustíveis e transição energética, com destaque para descomissionamento, downstream, reservatórios de baixa permeabilidade, reservas de gás natural, planejamento energético e geopolítica dos recursos energéticos.

Em decorrência de seu extenso currículo na área, Fernanda Delgado reúne um amplo conhecimento sobre o setor energético, já tendo publicado, inclusive, dois livros sobre Petropolítica. Recentemente, Delgado foi coautora, juntamente com o professor Luiz Augusto Horta Nogueira, do artigo intitulado “O desafio da transição energética na indústria do petróleo”. Publicado na Revista Conjuntura Econômica da FGV — Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), o trabalho aborda a forma como as empresas de petróleo estão lidando com a transição energética e com suas iniciativas descarbonizantes.

Acreditando na relevância do assunto, o Aprix Journal realizou uma entrevista exclusiva com Fernanda Delgado sobre a conjuntura atual da transição energética na indústria do petróleo brasileira. Confira:

Aprix Journal — Qual a situação atual da transição energética no Brasil? E como o cenário brasileiro se encontra em relação ao internacional?

Fernanda Delgado — Por conta da ampla base de recursos naturais renováveis, bem como pela descoberta relativamente tardia de grandes reservas de hidrocarbonetos, o país implantou uma importante capacidade de geração em centrais hidrelétricas, com uma contribuição marginal de termelétricas, e utiliza mandatoriamente biocombustíveis desde 1931, opções intensificadas durante as crises do petróleo nos anos 1970. Nesse sentido, já há algum tempo, nosso país é hoje o que os demais países gostariam de ser.

Ainda assim há espaço para avançar e consolidar melhorias, para manter a liderança. Em geração de energia elétrica, a contribuição da biomassa, das energias solar e eólica, tem amplo potencial e competitividade, que tornam até desafiador encontrar espaços para a energia nuclear e o gás natural. O aspecto mais carente de atenção para a evolução da matriz energética brasileira na direção da sustentabilidade é certamente o fomento à eficiência energética, que necessita ser priorizado com urgência. O governo brasileiro tem um papel fundamental no desenvolvimento de projetos de infraestrutura e no incentivo de políticas públicas fomentadoras que busquem, se não garantir, pelo menos apontar o caminho na direção a uma matriz energética sustentável.

Aprix Journal — A instabilidade econômica instaurada em razão da pandemia de Covid-19 contribuiu ou atrasou essa transição?

Fernanda Delgado — Contribuiu, certamente. As discussões avançaram muito. A pandemia mostrou que a queda da demanda por petróleo deixou os preços do barril muito baixos e logo, mostrou uma indústria muito vulnerável. Com isso, as energias renováveis foram vistas como um espaço de confiança por serem menos voláteis. O mundo percebeu que pode viver com menos combustíveis fósseis e partiu para esses investimentos de forma mais larga e corajosa.

Com isso, ganharam mais fôlego as discussões sobre transição energética, energias de baixo carbono, exigências de padrões de sustentabilidade e equidade de gênero e raça nas empresas. Prosseguir na transição energética traz benefícios socioeconômicos e estratégicos relevantes, como a descentralização, a diversificação e a segurança energética, além de assegurar o protagonismo que confere ao Brasil um espaço privilegiado no mercado de bens e serviços em sistemas energéticos. Em várias tecnologias energéticas inovadoras, o país é um ator respeitado e competitivo, e sua implementação gera empregos e qualidade de vida, como tem sido demonstrado em diversos estudos.

Aprix Journal — Como você avalia a forma que a indústria petrolífera brasileira tem lidado com a iminente necessidade de sua descarbonização?

Fernanda Delgado — Acredito que essa descarbonização não é tão iminente assim. As empresas tem procurado agregar projetos de energias renováveis aos seus portfólios assim como tem procurado produzir petróleo de maneira mais sustentável, evitando emissões. Mas se pararmos para analisar, as petrolíferas que investem em renováveis são as privadas, que representam apenas 10% da produção mundial. O resto dessa produção está nas mãos de empresas estatais que ainda não começaram a pensar nisso. Então, a descarbonização da indústria não é iminente, e é uma análise que tem uma série de vieses e pontos de vista. No Brasil, os esforços estão começando apenas.

Aprix Journal — Em sua percepção, a indústria do petróleo brasileira está preparada para tal mudança na sua dinâmica energética?

Fernanda Delgado — Não sei se é a indústria petrolífera que tem que mudar ou se ela será uma componente de uma indústria de energia maior que transformará a matriz nacional. Novamente, no Brasil, não há uma dependência de óleo e gás na matriz energética. Temos uma matriz muito plural e veremos nos próximos anos, no longo prazo, o aumento da energia eólica, solar, dos diversos usos da biomassa, complementando a matriz brasileira. Costumo dizer que no nosso país temos um problema bom, um problema de abundância de recursos energéticos, administramos a abundância, e não a escassez, como é o costume.

Aprix Journal — A transição energética representa uma ameaça ou uma oportunidade para o mercado de combustíveis?

Fernanda Delgado — Na minha visão não há uma ameaça. Pela teoria dos recursos naturais toda e qualquer economia vai produzir e consumir os recursos naturais mais baratos que tiver, primeiro. O que eu quero dizer com isso é que países com abundância de carvão continuarão usando carvão e essa é a realidade energética e econômica. Essa transição é um processo lento, gradual e é um processo que não é só energético, ele é político, econômico e social também. Ou seja, tem que caber no bolso das pessoas. No bolso do consumidor. Tem que dar retorno aos acionistas.

Dessa forma, transição energética não é uma chave que você vira e se passa a utilizar apenas combustíveis descarbonizados. Se fosse assim, ninguém queimaria mais lenha, que foi a primeira transição da história moderna. Temos que ter a percepção que quando falamos de transição energética não há uma solução única e equânime para todos os países, alguma coisa que seja “one size fits all”. Cada país vai organizar seus sistemas energéticos de acordo com o que tem de expertise em seu território, de acordo com suas vantagens comparativas, e em especial, de acordo com o que sua sociedade pode arcar.

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