Heloisa Borges, diretora na EPE, elenca quatro desafios para o aumento da concorrência no setor de combustíveis brasileiro

A ex-Assessora Técnica na Coordenadoria de Defesa da Concorrência da ANP também explica os benefícios de um mercado de combustíveis competitivo para a economia e a sociedade brasileira

Vanessa Petuco
Aprix Journal

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Doutora e mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Heloisa Borges reúne mais de 20 anos de experiência na área de Petróleo e seus derivados, Gás Natural e Biocombustíveis. Após finalizar sua especialização em Direito do Estado com ênfase em Direito do Petróleo, a economista atuou como pesquisadora visitante na University of Virginia Law School e como bolsista do Columbia Women’s Leadership Program, da Columbia University, nos Estados Unidos.

A economia da energia, bem como a regulação e defesa da concorrência compreenderam a temática de diversos artigos científicos e capítulos de livros escritos por Heloisa durante sua carreira. Atualmente a economista é Diretora de Estudos de Petróleo, Gás Natural na Empresa de Pesquisa Energética (EPE), porém, antes de ocupar tal posto, Heloisa foi Assessora Técnica na Coordenadoria de Defesa da Concorrência e Assessora de Superintendência, Superintendente-Adjunta e Superintendente de Promoção de Licitações na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Em entrevista exclusiva ao Aprix Journal, Heloisa Borges dialoga sobre questões relacionadas ao aumento da competitividade no mercado de combustíveis brasileiro e elenca quatro principais desafios do setor. Confira:

Aprix Journal — O que significa um mercado competitivo no caso do setor de combustíveis?

Heloisa Borges — O significado de mercado competitivo é, no cotidiano, um ambiente em que as trocas ocorrem de forma livre e mediante a contestabilidade dos agentes econômicos. No setor de combustíveis, frequentemente se vincula o tema com diversidade de agentes, arcabouço regulatório bem definido e condições adequadas de infraestrutura, que permitam um aumento de eficiência das empresas e reflexos positivos para o consumidor final.

Cumpre ressaltar que o sistema brasileiro de defesa da concorrência possui órgãos competentes capazes de indicar com propriedade a sinalização de competitividade em determinado segmento ou setor da economia. Em particular, o Cade vem participando ativamente de diversos estudos relativos ao setor de combustíveis, protocolando o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com vínculo de desinvestimentos da Petrobras em oito unidades de refino, que terá reflexo em toda a dinâmica concorrencial do mercado brasileiro de combustíveis.

A EPE entende o papel do planejamento governamental como fator de indução dos investimentos necessários para promover a competitividade no mercado de combustíveis líquidos. Neste sentido, ela atua na disseminação e melhoria no fluxo de informações confiáveis de forma ampla e irrestrita a todos os agentes, contribuindo para a redução das assimetrias de informação e na promoção de maior confiança para decisões relacionadas à energia.

Aprix Journal — Quais os benefícios de um mercado de combustíveis competitivo para a economia brasileira e para o consumidor?

Heloisa Borges — Em condições de mercado competitivo, os estímulos para a melhor alocação dos recursos têm a oportunidade de gerar a sinalização de preços mais alinhada ao equilíbrio entre oferta e demanda, com redução das ineficiências ao longo da cadeia, desenvolvimento do setor de combustíveis como novos modelos de negócio. Tais sinalizações, por sua vez, podem reduzir o custo Brasil e reduzir desigualdades sociais, como a geração de empregos e renda, além da possibilidade de, com menor custo logístico, promover mudanças na balança comercial brasileira, aspectos que favorecem a economia.

Aprix Journal — Considerando a conjuntura atual, quão competitivo o mercado de combustíveis brasileiro se encontra?

Heloisa Borges — O mercado doméstico de combustíveis possui uma gama significativa de agentes, especialmente à medida em que se avança nos elos da cadeia. A ANP mapeia em seu Anuário Estatístico e indica que são 20 unidades de refino, 159 distribuidores autorizados e mais de 40 mil postos revendedores de combustíveis. Em cada elo desses, e em cada mercado relevante (termo técnico que define um locus em termos de produto e delimitação geográfica onde um ou mais produtos competem), é necessário avaliar cautelosamente o índice de concentração e a contestabilidade do mercado. Sem uma análise técnica específica dos aspectos concorrenciais, não é possível mensurar na conjuntura atual o quão competitivo está o mercado de combustíveis brasileiro.

Aprix Journal — Ao seu ver, a política de precificação de combustíveis atual tem favorecido ou impedido o aumento de competitividade do mercado de combustíveis?

Heloisa Borges — Vigora, no Brasil, desde 2002, o regime de liberdade de preços ao longo da cadeia de combustíveis. Segundo a teoria econômica, os períodos de variação de preços tendem a elevar o grau de competitividade dos segmentos, dada a maior dificuldade e custo de gerenciar estruturas ilícitas de coordenação. Quando se estabelece que o preço de determinado combustível deva ser estabilizado por algum mecanismo, esse processo reduz a contestabilidade de outros potenciais concorrentes. Neste sentido, o regime de liberdade de preços é mais favorável ao aumento da competitividade no mercado de combustíveis.

Para mais informações, recomendo uma série de estudos desenvolvidos pela EPE sobre a formação de preços dos combustíveis que podem ser acessados clicando aqui.

Aprix Journal — Como você avalia a concentração, a eficiência e a estrutura em si da cadeia de combustíveis brasileira atualmente? De que forma cada fator acaba atuando no nível de competitividade do setor?

Heloisa Borges — Essa é uma pergunta a ser respondida após uma análise criteriosa dos aspectos concorrenciais, sendo inclusive, em alguns casos, necessária análise específica para determinado combustível. E a competência legal para este tipo de análise não é da EPE. No caso do refino, por exemplo, que está em processo de desconcentração, esta pode favorecer a entrada de novos agentes, com ampliação da contestação de mercado. O aumento da eficiência do setor é importante para resultados positivos no longo prazo, com reflexos para a sociedade, em especial para o consumidor final de combustíveis.

Aprix Journal — Quais políticas que têm sido adotadas pelo setor contribuem efetivamente para torná-lo mais competitivo?

Heloisa Borges — Desde a Lei do Petróleo em 1997, que tem como um de seus objetivos a promoção da livre concorrência, e, em especial, a partir do anúncio do reposicionamento da Petrobras, no final de 2016, diversas ações têm sido realizadas no âmbito governamental com o objetivo de tornar o mercado de combustíveis mais competitivo. O aspecto da competitividade no mercado de combustíveis líquidos sempre esteve presente nas diversas análises e estudos realizados pela EPE ou como participante de diversos grupos de trabalho.

Dentre as diversas políticas/iniciativas pode-se citar as iniciativas Combustível Brasil (2017–2019) e Abastece Brasil (2019-atual). Por meio dos diversos estudos realizados nos âmbitos destes programas, revisões e mudanças foram sugeridas. Cabe citar as Resoluções do CNPE (RCNPE) que estabeleceram diretrizes para a promoção da livre concorrência, em destaque as Resoluções CNPE nº 9 e nº 12 de 2019, que estabelecem as diretrizes para a promoção da livre concorrência na atividade de refino e no abastecimento de combustíveis, demais derivados de petróleo e biocombustíveis no País. Cita-se também a RCNPE nº 17/2019 que pôs fim a prática de preços diferenciados para o gás liquefeito de petróleo — GLP destinado ao uso doméstico (13kg). A partir destas resoluções, a ANP realizou revisões no arcabouço normativo, com um novo marco regulatório sobre o comércio exterior, a transparência nos preços de comercialização de derivados e a revisão das regras para o uso, de terceiros, dos terminais aquaviários. Cabe citar outros programas como o BR do Mar, que contribui para aumento da eficiência do setor por meio do incentivo à cabotagem de combustíveis e do Renovabio, que promove a diversificação de agentes no setor de combustíveis e modifica a dinâmica deste mercado.

Aprix Journal — Por fim, quais são os principais desafios para o aumento da competitividade no mercado de combustíveis brasileiro?

Heloisa Borges — Identificamos quatro principais desafios para o aumento da competitividade no mercado de combustíveis brasileiro: a redução da complexidade tributária; a atração de investimentos para desenvolvimento/ampliação da infraestrutura; o avanço na regulação do acesso às infraestruturas essenciais; e o desenvolvimento de arcabouço transitório relacionado ao abastecimento no país com a saída da Petrobras do mercado de refino e questões relacionadas ao GLP.

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