Por trás dos aumentos de preço de insumos médicos e farmacêuticos

Vanessa Petuco
Aprix Journal
Published in
6 min readApr 1, 2021

Entenda a série de fatores que impactam na precificação dos principais produtos utilizados na prevenção e no tratamento de coronavírus

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Desde o início do contágio de coronavírus no Brasil, uma das discussões mais eminentes foi o aumento nos preços de equipamentos de proteção individual (EPIs), insumos hospitalares e farmacêuticos. De acordo com Bruno Oliva, doutor em economia e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ocorreram três fases bem definidas entre a evolução da pandemia e os preços destes produtos. “No primeiro momento, verificou-se no mercado de insumos hospitalares, em particular de medicamentos, um aumento muito grande e rápido da demanda, o que acabou resultando no aumento de preço”, descreve. Um levantamento realizado pela Bionexo — empresa brasileira especialista em soluções digitais para gestão em saúde — no primeiro trimestre de 2020 comprova o encarecimento de produtos como máscaras e álcool em gel. Ao medir a variação de preços dos dois itens mais utilizados na prevenção ao novo coronavírus entre o início de 2019 e o início de 2020, a health tech verificou que o valor médio das máscaras passou de R$ 2,83 para a R$ 12,12, o que representa um aumento de 327,9% entre um ano e outro. Já o litro de álcool em gel passou de R$ 32,30 para R$ 36,29, constituindo um acréscimo de 12,34%.

Com a redução no número de internações e a adaptação das empresas produtoras de equipamentos hospitalares, de proteção individual e IFA, deu-se início à segunda fase. “E agora estamos em uma terceira fase, muito similar à primeira, porém com dois elementos importantes a serem considerados: De um lado a demanda por estes produtos foi mais forte do que se imaginava e, por outro, os ofertantes já se encontram um pouco mais preparados”, descreve. Ainda assim, de acordo com dados recentes da Bionexo, insumos hospitalares como luvas e máscaras quadruplicaram de valor entre janeiro do ano passado a janeiro deste ano.

No decorrer deste um ano de pandemia no Brasil, o Estado recebeu diversas denúncias e pedidos de fiscalização dos preços praticados. A Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (FEHOESP), por exemplo, chegou a encaminhar um ofício ao Ministério da Saúde solicitando uma reação do Governo para conter e coibir os aumentos abusivos. “É urgente a firme ação das autoridades públicas no sentido de apurar e punir aqueles que se aproveitam, pela ganância, de momento de tamanha dificuldade e medo para todo povo brasileiro, ao proceder aumento de preços de forma tão abusiva” declarou Yussif Ali Mere, presidente da Federação. Os consumidores diretos também reagiram por meio de envio de denúncias aos Programas de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON). Em São Paulo, por exemplo, até o dia 6 de abril de 2020 foram registradas 1.706 denúncias relacionadas a aumento no preço de álcool em gel e outros ítens de proteção.

Questionado sobre uma possível definição mercadológica de preço abusivo, o pesquisador da Fipe é objetivo: “Do ponto de vista da economia, o que existe é uma compensação entre oferta e demanda”. O fato é que, muito além do possível abuso ou não na precificação de insumos médicos, farmacêuticos e EPIs, existem uma série de fatores que acabam determinando o aumento no preço destes produtos. Tais como:

O aumento na demanda a nível mundial

De acordo com dados da Bionexo, a venda de máscara e álcool em gel para hospitais no Brasil registrou um aumento de 240% e 216%, respectivamente, em março de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. Além do aumento da demanda ter sido muito rápida e alta, Bruno ressalta que ela ocorreu a nível mundial. “Se a procura por estes produtos acontecesse exclusivamente no Brasil, ficaria mais fácil gerir pois existe a possibilidade de importar, o que resolveria o problema e os preços voltariam rapidamente ao patamar original. Porém essa alternativa não existe, visto que é uma demanda mundial, então não tem muito para onde correr”, explica. Esta disputa internacional por insumos hospitalares e farmacêuticos se deve ao fato de que a China detém 90% da produção mundial de EPIs e um quinto de respiradores, além de representar, juntamente com a Índia, o maior produtor de ingredientes farmacêuticos ativos (IFA).

A desvalorização do Real frente ao Dólar

Em conjunto a esta corrida mundial por insumos hospitalares, farmacêuticos e EPIs, Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (ABIMO) afirma que a desvalorização do Real em relação ao Dólar representou outro fator decisivo na precificação deles. “Essa oscilação da taxa de câmbio ocasionou o aumento de diversas matérias-primas necessárias à produção de dispositivos médicos”, analisa. No dia 25 de fevereiro, um dia antes do primeiro caso de coronavírus no Brasil, o dólar registrava em média um valor de R$4,38. Um mês depois, a moeda estadunidense passou a custar R$ 5. Ao final de 2020, foi registrada uma alta acumulada de 29,36%. Segundo Bruno Oliva, em relação aos insumos farmacêuticos, a desvalorização do Real agiu em conjunto com o aumento da demanda: “O câmbio afeta todos ou quase todos os medicamentos, mas os grupos específicos de medicamentos necessários no tratamento do Covid-19 recebem esse aumento adicional gerado pela grande demanda decorrente da pandemia”.

A eliminação da isenção de ICMS paulista

Em adição, Paulo Henrique Fraccaro afirma que o aumento da alíquota do ICMS de 0% para 18% em São Paulo, em vigor desde 1º de janeiro de 2021, constituiu outro fator na precificação de insumos médicos. Ao longo dos últimos 20 anos, produtos de alto consumo e necessidade, tanto no sistema público como no privado, recebiam a isenção ou redução de ICMS no estado paulista. De acordo com o superintendente da Abimo, ainda que o aumento da alíquota seja a nível estadual, a repercussão se dará em todo Brasil. “A reação em cadeia é uma grave consequência do reajuste, tendo em vista que São Paulo é responsável por 70% do abastecimento de dispositivos médicos do país, um grande fornecedor brasileiro de serviços e insumos médicos”, defende.

A dependência brasileira do mercado internacional

Conforme um levantamento realizado pelo Grupo Farma Brasil (GFB) — entidade que reúne empresas responsáveis por 30% do volume de medicamentos fabricados no país –, entre 80% a 90% dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) consumidos por laboratórios brasileiros são importados. A China representa o maior importador, fornecendo 60% do volume total. O restante advém da Índia, Alemanha e Suíça. No entanto, o Grupo ressalta que esta não é uma realidade exclusiva brasileira, visto que 72% dos IFAs consumidos nos Estados Unidos também são importados.

Em contrapartida, Paulo Henrique Fraccaro garante que a indústria brasileira de artigos e equipamentos médicos foi ágil, eficiente e inovadora na fabricação de diversos produtos, incluindo EPIs e ventiladores pulmonares. “Para se ter uma ideia da nossa eficácia, somente no ano passado, foram desenvolvidos mais de 12 projetos desses equipamentos. Ainda em 2020, a indústria nacional como um todo fez, temporariamente, a maior reconversão industrial de sua história, desde o pós-guerra”, salienta.

Além disso, o superintendente da Abimo pondera que sempre haverá um certo nível de dependência de materiais e produtos entre países. “Nem todos os insumos serão possíveis de serem fabricados em apenas um local ou região. Porém, caso tenhamos uma política industrial funcionando e mais atenção e apoio aos programas de desenvolvimento e inovação do país, com incentivo à produção de itens de segurança nacional, como é o caso do setor de saúde, certamente teríamos mais oportunidades”, reflete.

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