Precificação em tempos instáveis

Conheça os principais impactos gerados no processo de precificação em decorrência da pandemia de coronavírus

Vanessa Petuco
Aprix Journal
6 min readMay 12, 2021

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Foto: Bruno Taveira

Além do axiomático abalo de ordem biomédico e epidemiológico ocorrido em escala global, gerando o adoecimento e a morte de milhões de pessoas em todo o mundo, a pandemia de Covid-19 produziu enormes impactos sociais, econômicos, políticos e culturais. No Brasil, os dados divulgados em março deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) servem de referência para compreender o nível da repercussão na economia brasileira. O país encerrou o ano de 2020 com um recuou 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB). Entre os setores mais atingidos estão o de serviços com uma queda de 4,5%; a indústria, 3,5%; e o comércio, 3,1%.

Em meio à necessidade de conter a mobilização social, configurou-se no Brasil um cenário de instabilidade econômica. Já no primeiro semestre de 2020, 1,6 milhão de trabalhadores com carteira assinada perderam seus empregos. Em agosto, o índice de desemprego bateu um recorde histórico ao atingir uma taxa de 14,4%. Uma das formas de tentar controlar o impacto da pandemia na economia brasileira foi por meio do pagamento de um auxílio emergencial pelo Governo. Entre outros efeitos, a conjuntura que se desenhou em 2020 acabou contribuindo para a constituição de um novo comportamento de consumo dos brasileiros. Ao mesmo tempo que os consumidores passaram a ter mais receio em realizar alguma aquisição, as compras realizadas através de plataformas de e-commerce cresceram 47%, conforme o relatório divulgado pela plataforma de opinião de consumidores Ebit | Nielsen.

Foto: AP Photo

Nesse contexto de inconsistência na economia e de mudança nos hábitos de consumo dos brasileiros, os desafios do processo de precificação se amplificaram. “Equacionar os efeitos da volatilidade de custos, margens, demanda e preço ao consumidor sempre foi um desafio, mas durante a pandemia acabou tomando dimensões maiores”, relata João Vitor Yazawa Gueretta, gerente de Pricing e Revenue Management na The Hershey Company. Além da mudança no perfil de canais de compra, um dos efeitos mais importantes da pandemia de coronavírus, na análise de João Vitor, foi o aumento no valor do dólar e de commodities. No dia 25 de fevereiro, um dia antes do primeiro caso de coronavírus no Brasil, o dólar registrava em média um valor de R$4,38. Um mês depois, a moeda estadunidense passou a custar R$5. Ao final de 2020, foi registrada uma alta acumulada de 29,36%. Estes fatores fizeram com que o setor de precificação da companhia fabricante de chocolates ampliasse seu olhar sobre o mercado, conforme relata João Vitor: “Gerou a necessidade de acompanhar de maneira mais constante os movimentos não apenas da concorrência direta, mas também do varejo de modo geral”.

Foto: Eye Em

Um dos setores mais afetados em nível mundial pela pandemia de coronavírus foi o de aviação. Segundo Renato Mendonça Bellomo, diretor de Pricing e Revenue Management na Gol Linhas Aérea, entre os meses de abril e maio, a companhia chegou a operar apenas 50 voos por dia, o que representa uma queda de mais de 90% em relação à operação normal da empresa. “Esse contexto fez com que toda a lógica estatística de definição de preços fosse invalidada, pois a demanda histórica não era mais uma amostra representativa do momento presente que passamos a viver”, explica. Frente a este novo cenário, o diretor relata que foi necessário adaptar a lógica de precificação da companhia, passando a ter, então, uma característica mais reativa. Assim, “em vez de se ter os últimos 12 meses como base do perfil da demanda futura, por exemplo, o perfil de vendas das últimas duas semanas era o dado mais aderente à realidade que podíamos ter”, descreve. Outra mudança que a pandemia de coronavírus gerou no processo de precificação da Gol Linhas Aéreas, conforme relata Renato, esteve relacionada à oferta disponível, isto é, o número de voos e assentos. “Para se ter preços equilibrados é importante não haver excesso de oferta e, em um contexto no qual a redução da demanda foi drástica, o equilíbrio da variável é muito relevante. Por isso, passamos a monitorar esse indicador com mais intensidade para entender as possibilidades na dinâmica de preços”, explica. Juntamente com o monitoramento da oferta disponível, Renato menciona que acompanhar o próprio decurso da pandemia foi fundamental para o processo de precificação da companhia aérea, visto que a procura por voos acabou sendo balizada conforme a curva de casos e óbitos.

Apesar dos grandes desafios enfrentados durante este período, na análise de Alisson Lourenço, analista de Pricing na BRF, a pandemia de coronavírus trouxe notoriedade e visibilidade ao trabalho de precificação. “O que se observa é que as companhias que têm um time de Pricing mais robusto e qualificado estão conseguindo enfrentar esse momento com mais tranquilidade”, analisa. Complementando a avaliação do setor feita por Alisson, Lucas Ribeiro, analista de Pricing e Revenue Management na Moove, opina que diante de um cenário macroeconômico instável, a assertividade se torna cada vez mais importante no processo de precificação. “É muito difícil projetar qual será o preço de um determinado produto daqui há alguns meses. Por isso, a área de Pricing precisa ser mais assertiva do que nunca na hora de precificar para evitar grandes impactos negativos sobre a demanda”, afirma e complementa: “A tecnologia pode nos ajudar com isso, ao reunir o maior número de dados e informações possíveis para melhorar a acuracidade do preço definido”.

Nesse sentido, os impactos econômicos globais provocados pela pandemia de Covid-19 colocaram a lógica de precificação e as estratégias de preço à prova. Não obstante, as tecnologias de software surgem como grandes aliadas no enfrentamento dos grandes desafios que essa nova dinâmica econômica e social trouxe às áreas de Pricing e Revenue Management. Por meio da conjugação de soluções de Inteligência Artificial, Aprendizado de Máquina e Big Data a ferramentas de analytics e visualização profissionais de precificação conseguem aceder a um nível de análise que até então seria impossível ser realizado, tais como dados estruturados e semiestruturados, simulações de precificação, posicionamentos de competidores. Além disso, o uso inteligente de dados permite agregar à decisão de preços uma visão segmentada, considerando indicadores como região, canal de venda, perfil de cliente, modelo de produto, entre outros. Em alguns casos, inclusive, é possível treinar algoritmos para realizar a análise de todas essas informações e automatizar sugestões de preço. Dessa forma, softwares de Inteligência Artificial aliados aos processos de precificação conferem às equipes de Pricing mais agilidade para testar diferentes estratégias e prever com precisão o impacto que cada estratégia gerará à receita e à margem. De acordo com Frederico Maciel, fundador da Aprix, apesar dessas soluções tecnológicas não garantirem estabilidade ou previsibilidade ao processo de precificação, elas oferecem mais assertividade ao trabalho. “É discutível o quanto realmente conseguimos prever dos movimentos macroeconômicos. No entanto, é garantido que se ganha em agilidade e em inteligência nas decisões de preço a serem tomadas ”, esclarece e conclui: “Esses são ganhos essenciais para cumprir com os objetivos dos negócios nos mais diversos cenários, em especial durante períodos de instabilidade econômica”.

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