Imaculada

A mulher do trem

Natália F. M. Zilio
Aquelas brisas de 5 minutos
3 min readMar 12, 2014

--

A plataforma do trem, como era de se esperar, estava lotada. As pessoas se empurravam e se apertavam, bambeando perigosamente ao avistar a chegada do veículo. Claro, eram todas pessoas cansadas, ansiando para encontrarem um assento vazio e fazerem a viagem de volta para suas casas em paz. Mas ainda sim era triste e revoltante ver senhoras gentis e mulheres com crianças serem empurradas com tal brutalidade para a perigosa borda da plataforma.

O trem finalmente parou e, após um breve momento de espectativa, se abriu. Os futuros passageiros se precipitaram para a entrada, em uníssono, todos tentando entrar ao mesmo tempo. Por sorte, não havia ninguém tentando sair; o trem chegava vazio na plataforma. Em uma correria desenfreada, como se todos tivessem sido obrigados a viver nos vagões para sempre, os indivíduos adentraram o trem, sentando-se e observando em volta com olhares de superioridade e satisfação (ou culpa, caso estivessem erroneamente sentados em algum assento preferencial). Todas pessoas simples, todas lutando e se esforçando para vencer aquele grande desafio que era sobreviver.

Em meio a tantas pessoas vestidas de maneira simplória (porque ninguém se arruma tanto para andar de metrô), uma jovem entrou no vagão. Estava arrumada de maneira esplêndida, mas talvez aquele esplendor não tivesse nada a ver com a blusa e saia pretas que estava vestindo: a própria mulher era esplendorosa. Tinha um corpo delineado, belo, bronzeado, olhos grandes e escuros, sobrancelhas perfeitamente modeladas e uma maquiagem forte, que destacava os lábios fartos com um batom vermelho-sangue.

Como se o universo conspirasse a seu favor, um único lugar estava vago no centro do vagão. Ela sentou-se elegantemente, alisando a saia justa que ia até os joelhos. Levava nos braços uma bolsa de couro preta e uma sacola simples de plástico branco. Ajustou a bolsa no colo para impedir que a mesma caísse, e então voltou-se para o seu outro pacote. Dentro da sacola havia uma caixa de isopor branca e simples. Com um sorriso cobiçoso e olhos brilhando de empolgação, a linda mulher abriu a caixa.

E dentro, jaziam 3 empadinhas.

Empadinhas, aqueles salgados de festa de criança em formato de copinho, que possuem recheio normalmente de palmito e que esfarelam na mão. Dentro da caixa haviam 3, das grandes, quentinhas, o cheiro emanando para fora do recipiente. Com cuidado, utilizando um guardanapo que tinha sido colocado junto dos salgados, ela pegou uma das empadinhas e tentou morder com toda delicadeza do mundo.

Mas empadinhas ainda são empadinhas.

O alimento praticamente explodiu, jorrando farelo para todos os lados. A jovem ficou coberta de migalhas de massa folhada e cheirando a palmito, segurando o que sobrara da empadinha na mão. Piscando, confusa, a mulher analisou brevemente a empadinha e a destruição da sua imagem perfeita, impecável, indestrutível.

E começou a rir.

Riu sozinha, sem ninguém para acompanha-la em suas risadas. Riu enquanto limpava a boca com os dedos, borrando levemente seu batom vermelho. Riu enquanto espanava as roupas e atraía olhares de reprovação dos colegas passageiros ao seu lado. Seu riso não era escandaloso e não chamava atenção: ela ria para si mesma, por ter sido tão desastrada, se sujando enquanto saboreava uma empadinha de palmito.

E por algum motivo, maravilhoso e inimaginável, aquilo a deixou ainda mais bonita. Porque o ser humano, com sua interpretação tão variada das coisas à sua volta, tem a capacidade de ver algo imaculado se desconstruindo e acha-lo ainda mais perfeito, por nota-lo comum, ordinário… Próximo de si.

--

--