A última noite de David Letterman
Uma tarde na porta do Ed Sullivan Theater, horas antes do programa de despedida do apresentador mais famoso da TV americana
Por Rodrigo Borges [texto e fotos]
De Nova York
“Eu vejo este homem todas as noites. E hoje será a última vez. Eu precisava fazer uma homenagem de alguma forma”. Monique Hawkins foi para a porta do icônico Ed Sullivan Theater, na avenida Broadway, levando um carrinho de madeira onde se lia “Farewell Dave” [despedida de Dave]. Dentro, havia um painel “vestido” com terno e gravata de um lado e, do outro, espaço para que pessoas dessem seu último recado a David Letterman. O mais famoso apresentador da TV americana se aposentará depois do programa desta quarta-feira, encerrando 33 anos à frente de talk shows noturnos.
Monique é uma artista que cria sacolas e cartões para presentes e decora festas de aniversário de crianças. Nunca viu seu ídolo ao vivo, apenas pela TV. “Conseguir uma entrada para a gravação é como uma loteria. Nunca tive a chance. Mas eu não preciso disso para admirar Dave. Quem não é fã de David Letterman? Você também é, não é?”, me pergunta e, antes que eu pense em responder, chama um casal que observa nossa conversa de perto: “Gostariam de deixar um recado de despedida para Dave?”.
Letterman é um raro caso de personalidade mundialmente conhecida e de quem pouco se sabe a respeito. É discreto e reservado mesmo com aqueles com quem convive, como Paul Shaffer, o músico que lidera a banda de seu programa. Alguns falam que é frio. Talvez, ele mesmo diz, pelo fato de ter vindo de uma família de mineradores do Estado de Indiana. O que se sabe é que adora pescar , é casado, tem um filho de 11 anos chamado Harry e torce pelo Indianapolis Colts. Também adora corridas de carros — é sócio de uma equipe na Fórmula Indy.
Em 2009, no entanto, se soube mais a seu respeito. Bem mais. Letterman sobreviveu a um episódio que potencialmente poderia destruir sua carreira em um país que preza atitudes conservadoras. Assumiu publicamente, durante o programa, que teve relacionamentos extraconjugais com mulheres que passaram pela produção do Late Show. Preferiu levar a questão ao público a ceder a um homem que lhe pedia US$ 2 milhões para manter o segredo. “Eles [a CBS] deveriam ter me demitido”.
No último dia de trabalho do apresentador, a porta do Ed Sullivan Theater — palco de histórica apresentação dos Beatles em 1964 — ficou lotada. Aos turistas que sempre aparecem por lá para tirar fotos, somaram-se dezenas de jornalistas, americanos e estrangeiros, curiosos, fãs do apresentador e gente que tentava uma oportunidade de ganhar dinheiro ou mostrar seu trabalho. A cada carro grande e preto que estacionava na porta, era óbvia a expectativa de que de dentro saísse alguém famoso. Ou Letterman.
Mesmo em meio às centenas de pessoas que ali estavam, pelo sorriso era fácil saber quem tinha o ingresso amarelinho para a histórica gravação.
“Eu consegui, e este é um dia especial pra mim. Foi por causa de David que conheci meu marido”, conta Laura. “Estávamos os dois na gravação, 20 anos atrás, e começamos a conversar. Na semana seguinte estávamos namorando e, um ano depois, casados. Paul, o marido (“mas não é o Paul Shaffer” — ok, obrigado por avisar, Laura), não pode ir à gravação porque estava no trabalho, então ela estava sozinha, ansiosa para descobrir como seria a última edição do Late Show with David Letterman. “Me sinto uma criança”.
Letterman, 68 anos, se aposenta como o apresentador de talk show noturno que mais tempo ficou no ar na TV americana. Na CBS, onde chegou em 1993, foram 4.214 programas. No total, contando os tempos de NBC, de onde saiu ao ser preterido por Jay Leno, foram mais de 6 mil. O que fará na manhã de quinta-feira? “Sentirá saudade da TV e vai voltar no próximo ano”, aposta a turista brasileira que fazia selfie com o marido. “Espero que seja feliz como nos fez felizes tantas vezes”, diz a americana Mary, já na fila para entrada no teatro.
David respondeu o que fará em uma boa [e rara] entrevista ao The New York Times: “Estarei com a minha família. No fim deste mês estarei nas 500 Milhas de Indianápolis, mas é a minha família quem finalmente vai decidir o que faremos nas férias de verão”.