O ‘orgulho americano’ venceu

Rodrigo Borges
Aqui fora
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5 min readJul 11, 2015

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Jogadoras da seleção de futebol dos EUA fazem desfile histórico em Nova York, mas poucos dos que gritaram “U-S-A” sabiam a importância

Por Rodrigo Borges [texto e fotos]
De Nova York

“Você sabe quem é Carol Heiss?” Faço a pergunta repetidas vezes. Ninguém sabe exatamente a resposta, embora o nome não pareça soar estranho a muitas pessoas. Todos ali têm outra preocupação: ver a passagem da seleção feminina de futebol dos Estados Unidos, tricampeã mundial. Ou, na verdade, exaltar o orgulho de ser americano e vencer o resto do planeta.

Elas receberam uma carta da Carol Heiss (Foto: Rodrigo Borges)

Elas são as primeiras atletas homenageadas no Canyon of Heroes, em Nova York, desde que Carol Heiss foi celebrada por sua medalha de ouro na patinação artística nos Jogos Olímpicos de inverno de 1960 — já havia conquistado a prata em 1956. Desde então, nos últimos 55 anos, apenas homens desfilaram sob chuva de papel picado pelo famoso trecho da avenida Broadway. A importância fez com que a ex-atleta, 75 anos, escrevesse uma carta às tricampeãs. “Eu não tinha ideia de que tinha sido a última atleta que recebeu esta honra até ser questionada pelos repórteres.”

“Carol Heiss? Hum… É uma das garotas?”, pergunta Marcel, 41 anos, que aguarda a passagem das jogadoras com o filho de 9 anos, que não para de agitar a bandeira americana que tem na mão direita. “Vim com ele porque viu todo o campeonato. Eu estou feliz pelo time, mas não gosto muito de futebol”, diz. Agradeço e, assim que encerro a conversa o pai começa a estimular o filho a gritar com a massa: “U-S-A! U-S-A!”

Um trocadilho com a famosa canção do The Cure para se declarar à atacante Christen Press (Foto: Rodrigo Borges)
Papel picado pelas janelas é uma marca dos desfiles pelo Canyon of Heroes (Foto: Rodrigo Borges)

Até sexta-feira, 10 de julho de 2015, nunca uma equipe feminina havia desfilado naquele espaço. O último time a passar por ali havia sido o New York Giants, campeão do Super Bowl em 2012. É um momento importante para as mulheres, mas que não está na ordem do dia das milhares de pessoas que carregam bandeiras, cartazes, faixas e papel picado por todo o trajeto do Battery Park, no extremo sul da ilha de Manhattan, até City Hall, a sede da prefeitura. Um trajeto de cerca de 1,1 quilômetro. “Então é um momento ainda mais importante para estas meninas e para o team USA. Ótimo!”, diz uma mulher já perto dos 70 anos que espera em pé na porta de um prédio, com pouca chance de enxergar muita coisa.

Carros de bombeiros, garis e todo tipo de gente ligada à organização do evento passam pela avenida antes das jogadoras e estimulam, com a voz ou com a buzina dos carros, que todos gritem “U-S-A! U-S-A!”. A importância daquele desfile ser de um grupo de mulheres, não homens, não passa pela cabeça de quem se aglomera perto das grades. E o orgulho americano é maior que o ainda pouco conhecimento sobre soccer.

A festa era mais do orgulho americano que do futebol (Foto: Rodrigo Borges)

Um observador atento, porém, identifica que as crianças já foram conquistadas pelo “outro” futebol. NBC e ESPN transmitem o evento ao vivo, CNN e outras emissoras mostram flashes da avenida tomada. E os pequenos, ao microfones dos repórteres, fazem declarações de amor a Hope Solo, Alex Morgan e Carli Lloyd, autora de três dos cinco gols da final, contra o Japão.

Ainda que para a maioria a não seja uma festa ligada ao futebol ou ao feminismo, mas ao orgulho patriótico — às vezes, é verdade, quase patológico — , o soccer é cada vez mais real para os americanos, como já havia mostrado o envolvimento durante a Copa do Mundo de 2014.

As crianças, sim, gostam de futebol. Os pais, nem tanto (Foto: Rodrigo Borges)

“O futebol não é mais uma excentricidade para este país. A parada das campeãs no Canyon of Heroes mostra que este esporte é real e cada vez maior”, diz um repórter que grava na calçada observado por um senhor negro, alto e de cabelos grisalhos que tenta fazer algum dinheiro com bandeiras. “Estas oportunidades não acontecem todos os dias. Espero voltar para casa sem bandeiras nas mãos, filho”, ele me conta. “E agradeço a estas garotas [as jogadoras] por isso”, diz com sua voz grave o vendedor, morador do Harlem. Ele pergunta de onde eu sou e, quando digo que sou brasileiro, fala que eu sei melhor que ele o que estava acontecendo ali”, e dá uma risada generosa antes de seguir.

A meia Megan Rapinoe exibe a taça das tricampeãs (Foto: Rodrigo Borges)

A parada começa, as jogadoras divididas em vários carros abertos, intercaladas por integrantes de bandas marciais e outros ônibus e carros que levam outras pessoas. Para confusão do público. Alguns confundem pessoas comuns nos veículos com jogadoras. “As jogadoras são as que estão com as medalhas”, aponta uma garota que veste a camisa da seleção, mas parece pouco entrosada com o time e com o esporte. O barulho é intenso, como a chuva de papel picado. Mas as crianças são as que genuinamente celebram uma conquista do futebol. E são elas, obviamente, quem determinarão a popularidade do jogo no futuro. A julgar pelo que se viu em Nova York, o futebol ainda será muito grande nos Estados Unidos.

O vídeo do ótimo canal KickTV mostra mais do desfile das campeãs

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Rodrigo Borges
Aqui fora

Um jornalista brasileiro se encontrando em Nova York