100 anos de Athos Bulcão

Gabriela Cavalcante
Araetá
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6 min readOct 8, 2018

Gabriela Cavalcante Lisbôa da Costa

Athos Bulcão em frente ao painel de azulejos que planejou para a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima em 1957 (Brasília, DF).

A exposição “100 anos de Athos Bulcão” em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) até 15 de outubro, apresenta mais de 300 obras do artista brasileiro Athos Bulcão em diferentes períodos de sua vida. A curadoria da exposição é de Marília Panitz e André Severo, as obras selecionadas nos dão um parâmetro da trajetória do artista no Brasil e exterior, há azulejos de inspiração portuguesa, os aprendizados de cores com o artista brasileiro Cândido Portinari até as suas parcerias na arquitetura com Niemeyer.

O que eu mais amo das exposições que ocorrem no CCBB é a forma como eles a planejam e organizam, geralmente a exposição se dá nos quatro andares do prédio e em cada andar eles reservam para um momento da vida do artista, desta vez com Athos Bulcão não foi diferente. Logo no primeiro andar você é inserido de maneira superficial a vida dele, em vista que eles colocam diversos elementos de períodos diferentes para que ao longo da sua experiência você vá conhecendo e compreendendo mais o artista.

Estudo para lenços de seda, Paris, França — 1971 (48x48 cm)

Este lenço de seda estava no primeiro andar juntamente com um painel de acrílico feito por Athos, ambos muito divergentes. Algo que acho precisa ser dito é que eu fui à exposição sem saber quem foi Athos Bulcão para a arte brasileira, não conhecia nada de sua história ou das obras que ele havia produzido.

Ainda no primeiro andar da exposição há uma sala repleta de quadros pequenos com máscaras todas postas uma ao lado da outra, ou seja, uma complementando a outra, quase como se contassem uma história linear. Esses rostos dentro dos quadros para Athos eram considerados fetos e a moldura que os prendiam eram o útero, a sua proposta era primeiro causar um estranhamento com a quantidade de máscaras e depois nos propor uma reflexão a cerca da origem biológica.

Esta sala foi uma das que eu mais gostei, pois fiquei muito tempo nela tentando pensar e entender o que ele queria me dizer com aquela grande quantidade de rostos uma ao lado da outra me encarando, e cada uma feita de um material diferente que eu queria saber de onde veio e porque estava ali, justamente ali. Uma experiência empírica e reflexiva muito legal.

Esta fase das máscaras ocorreu no ano de 2000, o artista morreu em 2008, logo, já entendemos que a passagem por elas foi bem recente e um dos últimos trabalhos que ele produziu.

Algumas máscaras da série, cada uma com cerca de 30x30cm.
“Máscara Bizantina” —Athos Bulcão (2000) 34x34x8 cm

Ao chegar no segundo andar da exposição somos inseridos no momento que eu chamo de Athos, canetinha e as cores, o artista no final de sua vida foi acometido pela doença de Parkinson, e a canetinha por ser fácil de ser utilizada, o artista a utilizou muito para produzir seus últimos trabalhos (só possuo essa informação porque no dia em que fui à exposição havia uma professora de artes com um grupo de crianças). As cores vibrantes vêm do apreço de Bulcão pelo carnaval brasileiro, ele gostava de desenhar as festas, objetos e roupas carnavalescas.

Este gosto pelas cores e artefatos do carnaval sempre esteve presente na arte de Athos Bulcão, em 1948 o artista já produzia quadros que representavam a festa. Os seus trabalhos possuem cores tão vibrantes que parecem possuir um ritmo musical próprio, quase como se fossem obras visuais e musicais. Neste andar da exposição nós descobrimos que Athos foi aprendiz de Cândido Portinari, que o ensinou a analisar os quadros de arte européia e como escolher as cores que irá utilizar “Eu, antes de fazer um quadro, escolho as cores que vou usar, raramente ponho mais uma. A coisa é toda previamente pintada.” — Athos Bulcão.

“Sem título” grafite e caneta hidrográfica sobre papel — 1998 (20x39 cm)
“Sem título, série Carnaval” óleo sobre tela — 1962 (35x100 cm)
“Sem título, série Carnaval” aquarela e nanquim sobre papel — 1948 (30x49 cm)

O terceiro e quarto andar são dedicados a fase mais reconhecida da vida de Bulcão, seus conhecidos azulejos coloridos, inclusive logo no piso térreo do prédio há vários azulejos de Athos Bulcão e outros inspirados em sua arte para compor jogos interativos para o público. Quando cheguei nesta parte, devo dizer que fiz um julgamento prévio dos trabalhos de Athos a respeito da forma com a qual ele posicionava estes azulejos, porque todos são postos de maneira aparentemente aleatória e para minha surpresa descobri que na realidade ele planeja o posicionamento de cada pecinha, em uma das paredes havia uma foto de Athos com alguns trabalhadores de obra em uma construção de um de seus painéis os orientam em qual lugar colocar o azulejo, foi aí que minha ficha caiu e entendi que a arquitetura de Bulcão possui um conceito, possui uma intenção, não é meramente um mural de azulejos colocados de qualquer maneira, há um estudo sobre.

“Projeto para painel em azulejos da Disbrave” em Brasília, DF — nanquim sobre papel vegetal — 1975 (80x137 cm)
“Painel em azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima” em Brasília, DF (aquela da foto inicial que o Athos está em frente) — 1957 (200x100 cm)

Ao longo de toda a exposição fui aprendendo não só sobre a vida do artista, que até então eu não entendia a relevância, como fui abrindo minha mente para a arquitetura como forma total de arte.

Fiquei tão intrigada de nunca ter ouvido falar de Athos Bulcão e ele ter feito tanto pelo Brasil que tratei de ir pesquisar informações sobre ele e suas obras, descobri que em São Paulo no Memorial da América Latina há um azulejo dele feito em 1988, o curioso é que eu moro há 7 minutos de lá, já fui uma vez, devo ter passado na frente desse painel e não tinha ideia da quantidade de história que há intrínseco nele e em quem o fez. Ao pesquisar mais ainda percebi que é comum isso entre os brasileiros, nós não ouvimos falar sobre ele, mas ao nosso redor há muito painel de azulejos e obras dele e nós não fazemos ideia. Por isso, acredito que ir a essa exposição seja algo necessário se você aprecia a arte brasileira e os seus artistas. Vá conhecer Athos Bulcão.

Crítica de Gabriela Cavalcante

Onde: Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), Rua Álvares Penteado, 122 — Centro, SP (Próximo a estação São Bento).

Quando: De quarta a segunda, das 9h às 21h.

Quanto: Entrada gratuita, os ingressos são gerados na hora por ordem de chegada.

Até quando: 15.10.2018

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