Como a aceitação do amadurecimento afeta as relações
‘Red — Crescer é uma Fera’
Fernanda Sousa Farias Silva
Ao reunir uma coletânea de referências à cultura pop adolescente do início dos anos 2000, a animação “Red — Crescer é uma Fera” (2022), de Domee Shi, aborda a fase mais conturbada do desenvolvimento de modo nostálgico e divertido. A história se passa em Toronto, no Canadá, e conta sobre Meilin, uma menina sino-canadense de 13 anos, que tem sua vida repentinamente revirada quando qualquer emoção mais intensa passa a transformá-la em um panda vermelho.
Elementos como tamagotchis, pulseiras da amizade, cd's, expressões de anime e boybands são detalhes que podem parecer irrelevantes, mas indicam o recorte temporal abordado em suas breves aparições na obra. Ao acompanhar o atual retorno de elementos desse período, a produção se beneficiou de tal tendência, aproximando a realidade da trama não só àqueles que viveram suas adolescências na época demonstrada, como aos que a vivem hodiernamente. A obra também se destaca pela expressão de seu ponto de vista majoritariamente feminino, já que todos os cargos da equipe foram liderados por mulheres, o que fortalece a relação das personagens com suas desenvolvedoras e, consequentemente, o mundo real.
Mesmo envolvida por uma narrativa mística e surreal, "Red" trata dos conflitos internos e externos da adolescência de modo muito verdadeiro, desde as transformações físicas representadas pelos pelos e mau cheiro do panda, às paixonites secretas e a mudança na relação entre Mei Mei e sua mãe. O forte sentimento de deslocamento nessa fase da vida de uma garota é evidente pelo dilema entre continuar sendo a filha perfeita ou se permitir libertar o seu lado incontrolável, que acaba sendo tão aceito pelos amigos e colegas.
Tal relação entre o grupo de melhores amigas (Abby, Priya e Miriam) demonstra um suporte mútuo inabalável, cada qual com sua personalidade, apresentando um lado bobo e divertido muitas vezes esquecido em representações de amizade feminina. Esse elo é comprovado pelo fato de que a única extrema vergonha inicial da protagonista frente à sua situação é apaziguada justamente pelas amigas, que aceitam Meilin independentemente da parte que ela tanto se esforça para não deixar existir. Desse modo, ela acaba fazendo daquela uma versão à parte de si, a qual ainda tenta esconder de sua família.
O relacionamento entre mãe e filha se mostra muito presente desde o início da trama, ambas agindo como uma dupla imbatível, até o momento da primeira transformação de Mei. O extremo empenho da mãe superprotetora em ocultar e controlar o espírito "selvagem" da filha afasta as duas personagens gradualmente ao longo do filme, já que protagonista carrega o peso de que para orgulhá-la será necessário abandonar sua completude, seu novo 'eu'.
Assim, a narrativa embarca em uma jornada de auto aceitação, não apenas de Meilin, como de sua mãe e todas as outras mulheres de sua família que trataram seus respectivos pandas vermelhos como algo a ser combatido. A garota, frente à oportunidade de se livrar do que não consegue controlar, segue o caminho oposto, abraçando o incontrolável como parte inerente à sua existência. Dessa forma, demonstra a possibilidade de se conviver com o que foge do controle, independente da proporção que possa ser tomada, visto que, uma vez que tudo faz parte de si, a luta é feita sozinho. Mei decide, portanto, em um ato de amadurecimento, não renunciar a nenhum dos extremos: nem puro controle, nem pura fera incontrolável.
“Red — Crescer é uma Fera” está disponível na plataforma de streaming Disney+, assim como o documentário sobre sua produção "O Abraço do Panda: A Fera Vermelha" (2022), no qual o time de liderança divide suas relações com a obra e seu processo de criação, assim como as dificuldades envolvendo o desenvolvimento durante a pandemia da Covid-19.
