A caminhada de Yves Klein ao imaterial

Por Erica Duarte

Erica Duarte
Araetá
6 min readMay 31, 2020

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É belíssimo quando as vivências e ideais de um artista dialogam diretamente com sua obra, pois acredito que os vínculos emocionais e subjetivos fortalecem e imprimem melhor nela suas intenções. É claro que, sem dúvidas, todo e qualquer artista é influenciado por suas experiências pessoais. Contudo, há obras que mostram isso com mais evidência do que outras, o que é o caso de Yves Klein. Klein é um artista plástico conceitualista do Novo Realismo, nascido em 1928, em Nice — França. As influências artísticas se fazem presentes em sua vida desde muito cedo, por meio de seus pais, Fred Klein e Marie Raymond, pintores dos ramos figurativo e abstrato, respectivamente. Hoje, é possível estudar a obra do artista por meio de uma plataforma digital bem completa que reúne desde sua biografia até uma galeria com reproduções digitais fotográficas de seus quadros, esculturas e de suas próprias anotações sobre seu trabalho. Sua trajetória é longa, o que resultou em uma extensa obra. Por esse motivo, este texto tratará sobre aquelas obras que mais me tocaram ou que acredito que, de alguma forma, mais representam a essência de sua arte.

Pode gerar certo estranhamento por parte de quem lê, num primeiro momento, mas se havia algo quase tão importante quanto a arte para Klein, essa coisa era o judô e, para ele, ambos estavam intimamente conectados. Foi só quando entendi tal aspecto da vida do artista que pude começar a compreender sua obra. O judô foi sua primeira experiência com um espaço espiritual — e é esse contato que regeu todo o ideal e a produção artística de Yves Klein. Desde o início de sua carreira tal ideal era muito claro. Em 1948, com apenas 20 anos, ele compôs a “Monotone-Silence Symphony”, uma sinfonia de 40 minutos dividida em duas partes: a primeira, composta por um único som contínuo, e a segunda, pelo mesmo tempo de silêncio. Yves expõe, através dessa peça, que é a equivalência musical a suas pinturas monocromáticas, a relação entre o material e o imaterial. Para ele, a beleza está em tudo, mas num estado invisível e ele tenta, através da arte, captá-la e traduzi-la para o visível. É possível sentir essa infinitude sublime ao contemplar uma de suas obras. É quase como palpar o impalpável.

Yves viveu em 6 países diferentes e essa vivência só aumentou sua vontade de compartilhar o mundo, ao olhar para seus diferentes lugares e tentar extrair aquilo que eles têm em comum — o essencial: o céu e sua imensidão. Foi nessa época que ele pintou seus primeiros Monochromes — pinturas de uma só cor, que eram uma forma de libertar a cor da prisão que ele considerava ser a linha. Ele desenvolveu por muitos anos sua própria cor, a “International Klein Blue” (IKB), que seria utilizada na tentativa de tornar o absoluto visível em seus quadros monocromáticos. Esses quadros causam um impacto ao fazer o observador encarar a imaterialidade do infinito intrínseca ao azul, que remete instantaneamente a uma grandeza etérea presente no céu e no mar. É assim que a arte não figurativa começa em Klein, na tentativa de representar a verdade invisível que rege um mundo concreto. Contudo, ainda não é o suficiente para o artista. Suas técnicas continuam evoluindo e caminhando cada vez mais para o sublime.

Untitled Blue Monochrome (IKB 100), 1956. Dry pigment and synthetic resin on gauze mounted on panel. 31 x 22 inch. © The Estate of Yves Klein c/o ADAGP, Paris

Para Klein, a arte está em todo lugar onde o artista vai, basta a ele, concebe-la. Logo, ele se afasta das pinceladas tradicionais para aproximar-se do uso de elementos orgânicos, como o ouro, por exemplo, material que significa para o artista um símbolo de espiritualidade comum a todas as eras e culturas. Na busca pelo sublime, ele procura elementos cada vez mais naturais para utilizar na feitura de seus quadros, como esponjas, água de rios, plantas e até o próprio corpo humano. Anthropometries é um de seus conjuntos de obras mais famoso, em que corpos nus eram usados como pincéis vivos para pintar a tela com a IKB e, algumas vezes, compunha uma performance em que Klein pintava na frente de um público, guiando as modelos-pincéis ao som de sua sinfonia monotônica. Os quadros da coleção já são o suficiente para me fazer aproximar dessa natureza por ele proposta — esse conceito imaterial que rege o material. As curvas ali deixadas imprimem uma essência primitiva do corpo humano que se estende por todos os tempos, deixada pela força vital de pincéis humanos. Admito que me peguei imaginando qual seria o impacto sobre mim se eu pudesse ter presenciado uma dessas performances, em que não só o sentido visual, mas também o auditivo e o espacial corroboravam para entender uma obra que tenta tratar de uma percepção que transcende as barreiras corpóreas.

Untitled Monogold (MG 11), 1961. Gold leaves on panel. 30 x 24 inch. Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, Germany. © The Estate of Yves Klein c/o ADAGP, Paris.
Untitled Anthropometry (ANT 150), 1960. Dry pigment and synthetic resin on paper. 36 1/2 x 14 inch. Stiftung Museum Kunstpalast, Düsseldorf, Germany. Photo : © Museum Kunstpalast — ARTOTHEK. © The Estate of Yves Klein c/o ADAGP, Paris.

Na “era pneumática”, Yves se dedica à construção daquilo que vai chamar de uma sensibilidade pictórica imaterial. Ele diz perceber que suas pinturas são apenas as cinzas de sua arte, de modo que a verdadeira qualidade do quadro está naquilo que vai além do visível. Ele cria uma obra que sintetiza de certa forma esse pensamento: Empty room, um cômodo totalmente desocupado, pintado por ele de branco, ou seja, um espaço vazio, símbolo dessa imaterialidade. Klein acreditava que se o processo criativo fosse bem-sucedido, esse estado pictórico imaterial poderia agir sobre os sentidos daqueles que visitam a obra até mais intensamente do que agiria uma obra visível. É impossível experienciar o que Yves propõe aqui apenas através de fotografias de sua obra, visto que requer uma presença física e sensorial por parte do observador. Contudo, me parece importante compreender sua proposta a fim de atar as pontas de sua arte.

“Empty room” dedicated to the “Immaterial Pictorial Sensibility”, Museum Haus Lange, Krefeld, January 1961. 173 1/2 x 63 x 114 1/2 inch. Kaiser Wilhelm Museum, Krefeld, Germany. Photo : © Kunstmuseen Krefeld, Volker Döhne. © The Estate of Yves Klein c/o ADAGP, Paris

Yves Klein tinha a vontade de conceber sua vida como uma obra de arte, o que é exposto de maneira clara por sua trajetória como artista. Sua vontade de materializar aquilo que é imaterial pode causar dúvidas e críticas por parte de quem estuda seu trabalho, que carrega um forte quê metafísico. Teria ele conseguido, afinal?

Acredito que ele mesmo percebeu e expôs em seu próprio trabalho imaterial da era pneumática: o material e o imaterial são coisas distintas e não podem trocar de lugar um com o outro, contudo, podem, de certa forma, se permear. Não só podem, mas o fazem, através dos sentidos. E, assim sendo, a resposta depende daquele que sente. Mesmo que eu não pude presenciar espacialmente suas obras, elas, como um conjunto, conseguiram me tocar. Pude sentir nelas o infinito, o sublime, o invisível. E acho que é isso que Yves buscava alcançar. Não é algo possível de ser traduzido corretamente para palavras, mas um imaterial que se traduz mais como sentimento. Há aqueles que podem contemplar o trabalho de Klein e nada a partir dele sentir. E não há porque contestá-los. O sentir — ou o não sentir — é um tanto particular. Entretanto, a partir de minha experiência singular e pessoal, acredito que valha a pena conhecer o trabalho do artista e, quem sabe, permitir-se sentir.

Onde encontrar? Toda a obra e biografia de Yves Klein está disponível na plataforma online

Quanto custa? O acesso é gratuito!

Quando? Quando quiser. A plataforma está disponível a qualquer hora por tempo indefinido.

Saiba mais! Dentro da própria plataforma há um segmento em que há textos selecionados do próprio Yves Klein interessantes de serem lidos:

Eu, Erica.

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