A CASA QUE JACK CONSTRUIU

Crítica por Fernando Ruban

Fernando Ruban
Araetá
5 min readMar 28, 2019

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Lars von Trier, diretor e roteirista do filme.

Quais os limites, se é que existem, da produção de arte? Essa é uma pergunta que vem à tona quando se assiste o filme “A Casa que Jack Construiu” (2018), pelo aclamado diretor e roteirista Lars von Trier. A obra de 152 minutos segue do personagem de Jack (Matt Dillon), um psicopata e assassino em série, contando anedotas de sua vida para o misterioso Verge (Bruno Ganz), com o intuito de mostrar seu ponto de vista distorcido de realidade e arte, tentando justificar suas atrocidades. Pelo contexto da história, o filme é apresentado de forma repartida, semelhante a uma antologia, com a conexão sendo a conversa entre Jack e Verge.

Como é de costume entre filmes de Lars von Trier, o personagem principal é escrito de modo que os espectadores não gostem dele. Pelo contrário, na obra em questão o personagem de Jack é escrito de forma que quem assiste passa a odiá-lo cada vez mais enquanto conta as coisas que fez. Porém, a beleza do roteiro desse filme vem dessa informação, pois independente dos sentimentos que eu possa ter sentido pela personagem, a construção do filme te leva a quase concordar com ele, mesmo que não queira.

Em cima do barco, Matt Dillon (esq.) no papel de Jack e Bruno Ganz (dir.) no papel de Verge

A natureza psicopata manipuladora do personagem principal toma controle na narrativa das anedotas que, segundo a lógica do filme, ele mesmo escolheu (embora alegue serem aleatórias). Assim, justifica suas ações como sendo em nome da criação da arte, já que tirava fotos e fazia esculturas com os corpos de suas vítimas. Me vi entendo o ponto de vista de Jack em sua linha de raciocínio quando se falava das obras que criava, embora ainda odiasse ele e as coisas que fez. Isso demonstra a capacidade incrível de von Trier de escrever e dirigir, tornando-se ele mesmo o manipulador do que quem assiste pensará ao logo do filme.

A constante troca de estórias e a personalidade estranhamente hipnotizante de Jack prendem a sua atenção pelas 2 horas e 32 minutos de filme, fazendo-os passar rapidamente e te deixando querendo mais. Como o personagem de Verge, embora muito bem representada por Ganz, mal aparece no filme — com exceção de sua voz — e as outras personagens mudam a cada anedota que Jack conta, Dillon se torna a estrela e principal suporte do filme. Sua representação assustadoramente perturbante e ao mesmo tempo sedutora do louco e niilista Jack foi, em minha opinião, essencial para o filme e uma das mais fortes interpretações de sua carreira.

No teor técnico, as cenas narradas por Jack são filmadas em maior parte com uma câmera “handheld”, dando uma mais forte sensação presencial e pessoal nos momentos da história, facilitando a tensão de quem assiste. Fora isso, grande parte das conversas entre Jack e Verge não são mostradas com cenas gravadas, mas sim coletâneas de imagens pertinente a o que conversam. No geral, embora a fotografia do filme não seja impressionante, sua personalidade está em harmonia com o estilo e clima do filme.

Matt Dillon no set de A Casa Que Jack Construiu

Já a parte técnica de som, o filme tempo utiliza muito bem de momentos de silêncio para tanto construir tensão quanto para mudar o foco de quem assiste para o diálogo ocorrendo em cena. E ao mesmo tempo, a trilha sonora escolhida representa muito bem a vaidade de Jack, e aumenta a sensação de estarmos vendo suas histórias por seus próprios olhos — mesmo que isso signifique uma maior parcialidade na hora de relatar os acontecimentos.

Riley Keough (esq.) e Matt Dillon (dir.) nos papéis de Simple e Jack, respectivamente

Pessoalmente, minha parte favorita do filme foi o “capítulo” que conta da vítima e ex amante de Jack, uma mulher pelo nome de Simple (interpretada por Riley Keough). Esse trecho do filme é um dos mais assustadores, pois mostra o assassino lentamente largando a personalidade falsa que posava enquanto ficava com Simple, deixando aparente sua verdadeira realidade ameaçadora e masoquista. Tudo isso enquanto a personagem de Keough tenta desesperadamente arranjar ajuda, mas em conseguir, enquanto Jack monologa de forma niilista sobre o egoísmo das pessoas. É um dos momentos do filme em que melhor se vê a crueldade e a ideia distorcida de realidade que Jack tem, e que é brevemente seguido pelo assassinato e mutilação de Simple, materializando essa personalidade cruel que acaba de ser mostrada novamente.

Em conclusão, “A Casa Que Jack Construiu” é um filme em que von Trier consegue, novamente e de maneira muito bem construída, te levar a uma posição de perturbação e questionamento das próprias morais, enquanto te deixando apaixonado pela obra. A discussão dos meios e limites da criação de arte e a presença de humanidade nela, trazida pelo filme através das criações de Jack, é muito pertinente para o tópico de arte, independentemente do tipo ou de quando o filme é assistido. Embora o epílogo do filme seja mais fraco quando comparado com o geral, a incrível performance e o roteiro muito bem escrito fazem desse filme um dos melhores de 2018, que perfeitamente mistura o grotesco com o charmoso/sedutor, sendo uma das melhores representações da pessoa psicopata no audiovisual desde Psicopata Americano (2000).

Trailer de A Casa que Jack Construiu, em inglês

DADOS DO FILME

Poster brasileiro de “A Casa que Jack Construiu”

TÍTULO: The House That Jack Built (título original)

ANO: 2018

LANÇAMENTO NO BRASIL: 1 de novembro de 2018

DURAÇÃO: 152 minutos

PAÍS DE ORIGEM: Estados Unidos

CLASSIFICAÇÃO: 18 anos

ONDE ASSISTIR: iTunes Store

QUANTO: $14,99 (em dólares; aproximadamente R$60,00)

Crítica por Fernando Ruban

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