A polêmica política de ‘Marighella’

Filme que marcou a estreia do aclamado Wagner Moura como diretor de cinema

Johnnyguedes
Araetá
5 min readNov 17, 2021

--

Por João Guedes Silveira

Seu Jorge em seu papel como Marighella

Tão polêmico quanto a figura em que se baseia, o filme Marighella tem agitado a indústria do cinema desde sua produção. Protagonizado por Seu Jorge e dirigido por Wagner Moura, o longa traz a história de um guerrilheiro da época ditadura militar brasileira, acompanhando desde antes da sua icônica transmissão clandestina nas rádios brasileiras até o momento de sua morte.

A imagem de Marighella já é muito deturpada por todo Brasil. Idolatrado por muitos da esquerda, demonizado por muitos da direita. A história do Brasil tende desde sempre a apagar aqueles que não representam os princípios que o povo daquela contemporaneidade valorizam. Não é necessário ilustrar muito para compreender essa afirmação; não há registro indígena de antes da chegada dos portugueses, muitos dos poucos negros que não foram apagados da história foram embranquecidos nos retratos e relatos, e por assim vai. Portanto, o desafio que Wagner encontra ao retratar a história de Marighella é, de cara, um desafio que enfrenta dificuldades enraizadas na história do país verde, azul e amarelo.

Censurado nos cinemas brasileiros por mais de um ano, sofrendo ataques físicos e digitais, a produção enfrenta seus haters fascistas desde que o filme começou a caminhar para além do papel. Mas não focando nos problemas que já eram imaginados desde o princípio, a atual polêmica que o filme encontra agora que em cartaz, tanto da direita quanto da esquerda, é o posicionamento político que este traz em sua história.

Seu Jorge, Wagner Moura e Bruno Gagliasso em “Berlinale”

Assim como Marighella, Wagner Moura é assumidamente um homem de esquerda. Defensor de seus ideais desde que se entende por pessoa pública, a expectativa de uma obra que esboçasse todo seu apoio ao público de esquerda e desse um chute na direita conservadora brasileira foi alta, mas não atendeu de fato nenhuma das suas características.

O filme não tem seu foco, como é convencional em filmes sobre a ditadura, girando em torno da guerra. Wagner explora, acima de tudo, como essas pessoas se relacionavam entre si durante esses momentos. O quanto eles abriam mão da vida que tinham, o quanto eles concordavam com as ações uns dos outros. No programa Roda Viva, da TV Cultura, realizado em novembro de 2019, o diretor fala sobre como o filme realça muito que a obra é dirigida não por alguém formado por trás das câmeras, mas sim por um ator. Isso dialoga muito com o roteiro pois um dos pontos mais fortes do filme está mais nos conflitos pessoais das personagens do que no combate dos guerrilheiros com o governo militar — a obra se destaca em atuações fortes, realistas e impactantes. Contando também com a prestigiada preparadora de elenco Fátima Toledo, as interpretações das personagens atingem um nível respeitado na obra. E apesar de alguns aspectos de produção deixarem a desejar, essa tal polêmica pós estreia que se iniciou parte deste mesmo ponto em como Wagner explora suas personagens no filme.

Talvez a expectativa da esquerda fosse endeusar Marighella como um sofredor que luta com seus princípios contra fascistas cruéis que matam por prazer, o que poderia ser feito nas mãos de outro diretor, mas não de Wagner. Tendo papéis também polêmicos em sua carreira, tal como o Capitão Nascimento de Tropa de Elite, Wagner explora na atuação de Seu Jorge todos os pontos de Marighella. Além de seus ideais, seus conflitos com os colegas, sua teimosia, sua violência que era questionada tanto pelos seus companheiros como por si mesmo. Partindo daí, o filme traz também em uma cena marcante o antagonista, interpretado por Bruno Gagliasso, discutindo com o americano que está se envolvendo na situação. Quando irritado, ele declara que não está fazendo aquilo pelo americano, mas porque ele de fato acredita no que seu governo está defendendo, e para ele o que é genuinamente correto é a morte de Carlos Marighella, e não as ordens vindas de cima.

Bruno Gagliasso interpretando Lúcio

Ou seja, ao ver nas telonas um militar sendo razoavelmente humanizado e um guerrilheiro comunista deixando margem para julgamentos da maneira como agia, as decepções do público esquerdista começaram a surgir. É correto talvez concordar com a falta de personalidade na direção de Wagner, que está sendo duramente criticada pelos cineastas brasileiros quanto a isso. Mas o filme não deixa de retratar os lados positivos de Marighella, sua relação com a família, sua convicção quanto aos seus ideais, não deixa de mostrar o quanto sofria um homem negro, comunista, que tinha coragem de sair nas ruas para defender a injustiça que seus olhos presenciavam.

Independente das polêmicas de sua essência ou as críticas de sua qualidade, Marighella é um filme que veio para ficar. Tamanha é sua representatividade que incomodou a muitos, agradou a muitos outros, recebeu aplausos no mundo inteiro e representou a dor daqueles que sofreram e ainda sofrem com a época da Ditadura Militar. A estreia de Wagner como diretor pode ser muito, mas não fraca. O filme traz um homem que foi uma referência para o diretor, e que por respeito ao cinema, aos seus ideais e a memória de Marighella, Wagner traz uma narrativa justa da forma como ele enxerga a história desse homem que assim como ele, não pode ser ignorado ou chamado de fraco.

Trailer do filme:

VAI LÁ!

Onde? Nos cinemas

Quanto? Os ingressos de cinema estão custando em média 18 reais.

Quando? Agora! O filme já se encontra em cartaz nos cinemas brasileiros

--

--