A VISITA DA VELHA SENHORA

Carina Meirelles
Araetá
Published in
5 min readOct 8, 2018

por Carina Meirelles Queiroz

Há limites na ética? Nossa análise pode mudar dependendo do contexto? Em A Visita da Velha Senhora, essa discussão, sempre tão necessária, ganha ares de entretenimento sob o protagonismo de Denise Fraga. Dirigida por Luiz Villaça, a peça conta a história da milionária Claire Zachanassian, papel de Fraga, que ao voltar para sua cidade natal, Güllen, a encontra arruinada. Ela, então, promete doar ao povo uma grande quantia, que poderia salvar a vida de todos. Mas com uma condição: apenas doará esse dinheiro se alguém matar Alfred Krank, o homem por quem se apaixonou na juventude e que a abandonou grávida por um casamento de interesse. Quem matará Krank? O povo de Güllen cairá na tentação de satisfazer o desejo de vingança da milionária? Ou fará justiça? O que é fazer justiça? Até que ponto a linha ética se molda ao poder do dinheiro?

Originalmente escrita em 1955, pelo suíço Friedrich Dürrenmatt, a peça desafia o tempo e aborda comportamentos como a ganância e o orgulho. Apesar de escrito há anos, é de uma atualidade assustadora que, com o uso de humor e ironia, pouco a pouco vai cavando do fundo da alma humana sua hipocrisia e fragilidade diante daquilo que rege nossas vidas: o dinheiro.

Muito mais que uma peça de teatro com grandes atores é um convite à reflexão. Há um certo e um errado? Há algo no meio? O que é justiça? Quem faz/pode fazer justiça? Até onde você iria por vingança? Segundo Dürrenmatt, essa era a sua intenção, sua escrita pretende levar o público à irritação e à reflexão crítica. E o faz muito bem.

O grande impasse é se o povo de Grüllen, amigos de Alfred Krank, interpretado por Tuca Andrada, vai ou não matá-lo para ganhar o dinheiro que ajudaria a cidade a sair da miséria. Por um lado, Krank é amigo deles e uma boa pessoa, até onde sabiam, e matar é errado. Por outro, ele abandonou a jovem Claire, grávida, por um casamento de interesse. O que fazer nessa situação? Tem alguém certo ou errado?

Quando o caos se espalha pela cidade, ninguém toma partido, inicialmente. Martin Luther King disse uma vez: “Ao final, lembraremos não das palavras de nossos inimigos, mas do silêncio de nossos amigos”. Assassinato, perdão, impasse. E Claire grita: “o mundo fez de mim uma puta! Então eu faço dele meu puteiro! Quem não puder pagar… que dance a minha música!”

Foto por Cacá Bernardes — Denise Fraga como Claire Zachanassian.

Neste suspense, ganha a mistura de tragédia com comédia, sarcasmo com risada. Ao mesmo tempo que algo é absurdo, errado, a plateia ri e pensa consigo mesmo “é verdade!”. Denise Fraga diz “amo a comédia porque confio no humor e na ironia como um poderoso agente para a reflexão. Só se ri daquilo que se entende. O humor chama o pensamento e, com isso, dá eficácia e prazer à comunicação de uma ideia.(…) Brecht dizia: divertir para comunicar. Divertir o público e mandá-lo para casa em estado de reflexão é o que tem me garantido a sensação de plenitude com o meu ofício”.

A interatividade também marcou uma das noites de apresentação. Em debate após a peça, o público pode opinar sobre o que faria se estivesse no lugar dos personagens. Algumas respostas eram assustadoras, outras indecisas. Alguns apoiavam a morte de Krank: afinal, ele tinha mesmo é que morrer pelo que fez, que o dinheiro que a cidade receberia ajudaria muitas pessoas. Outros eram totalmente contra sua morte, a milionária Claire estava exagerando. Mas havia aqueles que tinham dúvida. Os posicionamentos trazem erros e convicções em seus argumentos. Assim como o povo de Güllen também erra ao cair nas tentações do dinheiro. Todos erram, todos são humanos. A peça mostra, com muita ironia, esse lado do ser humano que todos nós vivenciamos, especialmente nesses tempos. Um texto que, escrito em 1955, nunca foi tão atual. Em cartaz desde 2017, sob a direção de Villaça, marido de Fraga, A Visita da Velha Senhora continua rodando pelo Brasil, com muito sucesso.

Foto de minha autoria, tirada durante o debate após a peça A Visita da Velha Senhora no domingo (23/09).

Como Claire, Denise Fraga (O Auto da Compadecida, 2000) dá um show de atuação. Os figurinos são espetaculares, o cenário é simples porém eficiente, e a trilha sonora dá o toque final. Os atores, ou melhor, personagens, estão quase sempre interagindo com a plateia. Uma oportunidade para as pessoas se divertirem e refletir, para se apaixonar pelo ambiente e não só pela peça e os atores. Afinal, teatro também é isso, se comprometer. Entregar-se de corpo e alma, tanto para quem apresenta quanto para quem assiste. Uma experiência única de ver uma obra de arte em movimento.

Foto da programação da peça “A Visita da Velha Senhora” no teatro Sérgio Cardoso.

INFORMAÇÕES:

Onde: Teatro Sérgio Cardoso — (Rua Rui Barbosa,153/ Bela Vista/ São Paulo/ SP/ CEP 01326–010)

Quando: 03 de agosto a 30 de setembro de sexta à domingo

Horários: sextas às 21h, sábados às 17h e 21h e domingos às 18h

Duração: 120 minutos

Ingressos:

Sexta às 21h e sábado às 17h: Plateia Central R$ 60 / Plateia Lateral R$ 50 / Mezanino R$40

Sábado às 21h e domingo às 18h: Plateia Central R$80 / Plateia Lateral R$ 60 / Mezanino R$ 40

Classificação Etária: NÃO INDICADA PARA MENORES DE 14 ANOS

Gênero: comédia tragédia

Site com a programação: http://www.teatrosergiocardoso.org.br/event/a-visita-da-velha-senhora-2018-09-30/

Agora a peça segue nos dias 5 e 6 de outubro em centros comunitários do CEUs com entrada gratuita:

Dia 5 de outubro, sexta, às 19h — CEU Meninos (Rua Barbinos, 11 -São João Clímaco)

Dia 6 de outubro, sábado, às 19h — CEU Parque Veredas (Rua Daniel Muller, 347 -Itaim Paulista)

Teaser/ prévia/ trailer da peça:

Minha “Selfie”.

--

--

Araetá
Araetá

Published in Araetá

Críticas de Arte produzidas pelos alunos de Estética, disciplina da professora Edilamar Galvão ministrada no 3º Semestre dos cursos de Cinema, Cinema de Animação, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Rádio e TV e Relações Públicas da FAAP.

Carina Meirelles
Carina Meirelles

Written by Carina Meirelles

0 Followers

aluna de animação / adoro dar banho no meu peixe nas horas vagas