‘Apollo 10 e Meio’: aventura na era do pastiche espacial
Animação se constrói no encontro entre a história e o idealismo
por João Banhara Rivoiro
Um dos desafios de se construir uma obra assumidamente nostálgica reside no questionamento constante da relevância daquela nostalgia para qualquer pessoa que não o seu portador. A pergunta “mas isso importa para mais alguém?” ressoa a cada parábola, a cada novo detalhe apresentado ao observador externo e, quando não bem resolvida, pode encontrar seu interlocutor apelando para generalismos em busca de uma identificação rápida e instantânea com o outro.
A animação Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial, escrita, dirigida e produzida pelo estadunidense Richard Linklater, conhecido pelo seu trabalho com o filme Boyhood (2014) e com a trilogia Before (1995–2013), articula sua nostalgia justamente ao centrar-se em um recorte espaço-temporal bastante específico: as vésperas do pouso na Lua de 1969, pelos olhos de uma criança habitante de Houston, Texas.
Produzido a partir da técnica de rotoscopia, animando diretamente sobre a imagem de atores reais, o filme adiciona o verniz do desenho como representante visual do verniz da nostalgia pela infância e adolescência que orienta a sequência de ações do filme, muitas vezes narradas pela versão já adulta do protagonista Stan (voz de Jack Black). Fragmentada em vinhetas, essa sequência se divide e alterna entre momentos reais e imaginados que o Stan criança (Milo Coy) vivencia, dos mais banais, como passar uma tarde com a avó, aos mais surreais, como viajar à Lua em um projeto secreto da NASA.
São momentos, ritos familiares e brincadeiras juvenis que não buscam se distanciar da época em que estão situadas, muito pelo contrário: das constantes referências históricas à reconstituição do imaginário popular a respeito da era espacial e seus símbolos, tudo se estabelece firmemente no ano de 1969 pelo olhar (atento ou desatento) de quem estava lá, como uma memória assumidamente seletiva, que adota seu caráter híbrido de realidade e idealismo como um de seus pontos de interesse.
A fluidez da animação, entre cenas e entre planos, integra os diversos detalhes selecionados pelo diretor-roteirista para pintar seu retrato particular daquele contexto, incentivando a imersão através da atenção e do sentimento com que estes detalhes são reconstruídos. Dessa forma, o foco não reside na evocação de uma nostalgia por parte do espectador e sim de uma compreensão por parte deste da nostalgia alheia que lhe está sendo apresentada. Mais do que sentir-se nostálgico, sente-se a verdade na nostalgia do outro.
O momento em que o filme sinaliza que vai se ater a apenas uma de suas vinhetas, arriscando tornar-se uma narrativa convencional, é o momento em que ele quase perde sua força, deixando de lado os aspectos mundanos antes cuidadosamente apresentados. Felizmente não dura muito, e logo se retorna à exploração da iconografia tanto espacial quanto terrestre.
Onde? Disponível no serviço de streaming Netflix.
Quanto? Os planos variam de R$ 25,90 a R$ 55,90 mensais.
Quando? Disponível por tempo ilimitado mediante assinatura.