Assunto de Família

Carolina Pimentel Rittl

Carolina Pimentel Rittl
Araetá
4 min readFeb 27, 2019

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Ao entrar na sala de cinema, imaginamos que assistiremos a um drama familiar comum, porém, se tratando do diretor e roteirista Hirozaku Kore-eda certamente não é tão comum assim. Kore-eda é conhecido por dramas envolvendo situações familiares (geralmente inusitadas) como em Pais e Filhos e Depois da Tempestade. Em Assunto de Família, não é diferente. No filme, ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2018 e indicado a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2019, o diretor também foca em histórias de família, priorizando os laços de afeto aos de sangue.

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Personagens que formam “A grande família”

Desde o início embarcamos na viagem da formação e união dessa família. O filme começa com uma cena de um furto realizado por um homem, provavelmente já na casa dos 50, e uma criança. Percebemos que não se trata de um contexto familiar exatamente comum. Em seguida, ao voltar para casa depois do furto, brincando e rindo, Osamu e seu filho encontram uma menininha, Yuri, passando frio e fome. A levam para casa, lhe dando comida e abrigo. O resto da família (a avó, a mãe e a filha mais velha) estranha, porém eles deixam a criança passar a noite ali, já que está tarde e está frio.

No dia seguinte quando vão levá-la de volta para sua casa, encontram um lugar violento, sem interesse pela menina, então resolvem ficar com ela. A filha mais velha alega que pode ser considerado um sequestro, porém Osamu fala que eles não a estão obrigando a ficar e ninguém pediu resgate, tentando ignorar o problema. Daí para frente, Assunto de Família nos insere na dinâmica de uma família nada comum de uma periferia de Tokyo.

Mesmo em uma situação não usual e que normalmente seria vista com maus olhos, os personagens têm seu próprio código moral, eles acreditam que não estão fazendo nada de mal, não são pessoas más, com más intenções, foram apenas corrompidos pelas circunstâncias da vida. Sendo assim, não julgamos seus atos, pelo contrário, somos facilmente levamos a nos afeiçoar e torcer por eles.

Hirozaku acentua durante o filme todo a questão da cumplicidade e da empatia que pode existir mesmo sem o laço de sangue. Vemos isso, por exemplo, em uma cena onde a mãe compara cicatrizes com Yuri, mostrando mais semelhanças entre elas do que Yuri provavelmente teria com sua mãe biológica. Assim, Hirozaku tem facilidade em criar um ambiente dinâmico e familiar, em uma casa pequena na qual a proximidade tanto física quanto emocional das pessoas é palpável.

Outra questão também tratada é as sequelas que um ambiente violento pode ter em uma criança, um assunto delicado tratado com delicadeza por Kore-eda. Vemos Yuri muito quieta, sem muitas falas durante o filme todo, porém tais consequências ficam bem explícitas quando a mãe adotiva vai comprar um maio para ela e ela fica com medo que a mãe bata nela.

foto still (cena do banho em que mãe e filha adotiva comparam cicatrizes)

Ademais, a direção de Kore-eda não se presta a muitas extravagâncias, com uma câmera mais parada, sempre de forma contemplativa, e uma trilha sonora simples e sutil, nos levando, assim, a mergulhar cada vez mais na história. Observamos também a passagem do tempo através das estações do ano, a neve no inverno no início do filme e ao longo dele a chegada do calor do verão e, assim, os laços entre a nova integrante da família e os demais ficarem cada vez mais fortes.

Desafiando noções de certo e errado, o diretor, em entrevistas, afirma que o filme faz uma crítica implícita ao Japão moderno ao mostrar a parte menos favorecida do país e as desigualdades presentes nele. No final, os personagens são colocados contra seus próprios princípios e, mesmo que essa parte deixe a desejar, o filme cumpre bem sua intenção de nos envolver e refletir sobre laços de empatia numa situação adversa.

O filme estreou no Japão dia 8 de junho e 2018 e no Brasil estreou na Mostra Internacional de Cinema dia 20 de outubro, depois estreando nos cinemas convencionais dia 10 de janeiro. Ele continua em cartaz em alguns cinemas, como o Reserva Cultural. Trailer do filme:

Ficha técnica:

Título Original: Manbiki kazoku
Direção e roteiro: Kore-eda Hirokazu
Gênero: Drama
País: Japão
Ano: 2018
Duração: 121 minutos
Classificação: 14 anos
Elenco: Lily Franky, Ando Sakura, Matsuoka Mayu, Kiki Kilin, Jyo Kairi, Sasaki Miyu

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