Baby

Por Natalia Martins Pupo Ferreira

Natalia Martins Pupo Ferreira
Araetá
4 min readNov 18, 2019

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Protagonistas da série "Baby". À esquerda Ludovica, interpretada por Alice Pagani e à direita Chiara, interpretada por Benedetta Porcaroli. / Foto: Google

“Baby” é uma série italiana exibida pela plataforma de streaming, Netflix, cuja primeira temporada foi lançada em 30 de novembro de 2018 e sua segunda temporada, no dia 18 de outubro de 2019, ambas com seis episódios. A série é escrita por Antonio Le Fosse, Eleonora Trucchi, Marco Raspanti, Giacomo Mazzariol, Re Salvador, Isabella Aguilar e Giacomo Durzi, e aborda a vida de adolescentes de aproximadamente 16 anos, estudantes de uma escola privada de elite e pertencentes à classe alta da cidade de Roma, na Itália. Durante ambas e únicas, até então, temporadas, a trama se desenvolve ao redor das protagonistas Chiara (Benedetta Porcaroli) e Ludovica (Alice Pagani), personagens com personalidades muito distintas que acabam por se tornar melhores amigas.

Estima-se que a criação da série tenha sido baseada em um acontecimento na própria cidade de Roma em 2014, onde duas meninas de famílias ricas da cidade foram descobertas vivendo uma vida atordoada paralelamente as suas, então, rotinas de estudantes da classe alta.

Chiara é filha de pais publicitários muito bem sucedidos, os quais mantém um casamento de fachada a fim de conservar o nome da família. Ludovica, por sua vez, não possui contato com seu pai há anos e vive com a mãe em uma situação econômica não tão favorável comparada a de outros personagens. Ao decorrer da obra, a psique, não só das protagonistas, como também dos coadjuvantes principais é de extrema dedicação e de excelente desenvolvimento pelos diretores da série, Anna Negri e Andrea De Sica. É importante destacar que estas são de tal ponto complexas que se quer são, em sua totalidade, reveladas aos espectadores ao final da segunda temporada.

Ludovica, caracterizada por sua personalidade mais perversa, geniosa, aventureira e problemática passa a se aproximar de Chiara, uma jovem estudiosa, “certinha” e com temperamento mais calmo após a mudança da melhor amiga de Chiara, Camilla, da Itália para os Estados Unidos. Todavia, a série não se desenvolve sobre esse tema, que pode a princípio, ser considerado infantil. A obra abandona qualquer ingenuidade e trata especialmente a respeito da prostituição em sigilo, apenas um dos diversos assuntos que atravessam a trajetória das meninas no desenrolar do enredo.

A primeira temporada, aponta justamente sobre as diferenças e semelhanças entre Ludo e Chia, como também são chamadas, e a construção dessa amizade. Além disso, todos os fatores que as levam ao mundo da prostituição de luxo e as personagens que compõem a história são cuidadosamente construídos e retratados a ponto de incidirem no acontecimento final da primeira temporada do drama em questão.

Contudo, é na segunda temporada que a série atinge seu ápice. Assuntos como sexo, drogas e violência, na primeira temporada tratados discretamente e com mais delicadeza, renascem com toda a força na segunda temporada. O fechamento da primeira parte da série e sua retomada e consequências na segunda parte não só permitiram que questões como o abuso e prostituição de menores continuassem a ser discutidas, mas deram origem a questionamentos muito mais abrangentes e complexos do que os já comentados anteriormente. Na segunda parte de “Baby” os temas são tratados de forma mais cuidadosa e profunda, de modo que a série passa a investigar insistentemente em busca de respostas para: Por que duas jovens passariam a vender o corpo em troca de dinheiro?, ou melhor, Por que duas jovens ricas trocariam o conforto em busca do risco?

Durante a busca, observa-se uma juventude entediada, marcada pela indiferença e por problemas familiares independentemente da posição social dentro do nicho de privilegiados retratado. A busca por poder emocional e físico tanto dos alunos como dos professores e pais só serve para basear as vidas vazias e amargas dessas personagens, as quais as relações estão intimamente conectadas. Vale destacar que o contexto social pertencente a este nicho, exibido como um “aquário” na série, se faz presente a todo momento a fim de retratar o racismo, a misoginia e principalmente a homofobia.

Não obstante, a negligência parental, a prostituição, tampouco os personagens, não são nunca dispostos como maldades absolutas, nem vítimas ou “mocinhos” e vilões. A porta para distintas interpretações fica a todo tempo aberta, assim como a porta de escolha das protagonistas, que preferem, diante infinitas possibilidades permitidas pela condição financeira e familiar, se submeter ao ousado em comparação ao seu já conhecido “aquário” e suas invariáveis alternativas. Tal mesmice é possível de ser observada a partir da repetição de movimentos de câmeras, expressões físicas e espaços, o que auxilia na representação da sensação de clausura das situações e dos personagens para com os observadores.

A segunda temporada de “Baby” se desdobra em comparação ao funcionamento da máquina Goldberg, em que um fator leva ao outro e por consequência, o encontro do ponto de fuga dos personagens se afasta cada vez mais de sua concretização, fator este que contribui progressivamente no enlaçamento da atenção dos espectadores.

Ao final da segunda temporada a polêmica sobre a romantização da prostituição pela trama, por sua vez, veiculada nas mídias durante toda a primeira temporada, apenas soa mais complexa e digna de debate em virtude e comparada a todo o conjunto de problemáticas abordado pelos criadores e diretores da série, estes os quais fazem questão de evidenciar que as atitudes não só das protagonistas, bem como dos outros personagens são resultados do individualismo, do vazio, da angústia e da solidão carregados pelas últimas gerações e pertencentes atualmente e principalmente às grandes cidades. Como o primeiro episódio da série já afirma: “Se você mora em um bairro bonito de Roma, sorte sua. E o nosso é o melhor que existe."

As duas temporadas de "Baby" estão disponíveis no Netflix.

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