Beetlejuice — O musical

Por Ana Flávia Gaspar Machado

Ana Flávia Gaspar Machado
Araetá
6 min readApr 1, 2020

--

No dia 25 de Abril de 2019, o musical “Beetlejuice” foi aberto ao público nos teatros da Broadway retratando uma diferente, porém chamativa, recontagem da história original do filme dirigido por Tim Burton em 1988, conhecido no Brasil como “Os fantasmas também se divertem.”. Com canções originais e um elenco cativante, o musical é dirigido por Alex Timbers e conta com uma atuação formidável de Alex Brightman, o qual não só interpretou como incorporou o humor sarcástico, e de pouco pudor, do seu personagem Beetlejuice. Todavia, os fãs da obra original podem levar um choque com a nova história criada, a qual pouco se assemelha ao filme.

A história retratada no musical centraliza na personagem Lydia Deetz, uma adolescente que acabara de perder sua mãe e vai se mudar com seu pai e sua futura madrasta; porém pouco sabem que a casa onde irão morar é assombrada pelo casal Barbara e Adam, “recém-mortos” e perturbados pelo demônio Beetlejuice, o qual apenas deseja sua liberdade. O musical irá explorar o luto difícil de Lydia, que se sente excluída da família, desconsolada e irritada com a ideia do pai se casar de novo, além do seu encontro com Beetlejuice, que se mostra simpático ao sofrimento da jovem, alegando sentir algo semelhante com sua falta de liberdade. Os dois, portanto, passam a trabalhar juntos para tornar a vida da família Deetz um caos. Apesar da proposta muito interessante, a temática foge bruscamente e descaradamente do filme original, uma vez que Barbara e Adam deixam de ser os personagens principais da trama e Beetlejuice fica sendo um anti-herói e não mais o vilão encrenqueiro da história — fator que pode decepcionar os fãs do personagem antagonista cômico criado por Tim Burton — além de outras propostas alteradas, como Lydia aceitar, por livre e espontânea vontade, ser a noiva de Beetlejuice e desprezar Bárbara e Adam por “se preocuparem demais”; fatores que são completamente opostos à história original.

No que tange à parte técnica, da produção e direção de arte, os cenários e figurinos são dignos da qualidade esperada na Broadway, mas os produtores foram um pouco vaidosos ao explorarem os efeitos de luz sobre o cabelo de Beetlejuice e seu corte em topete, como uma proposta para o cabelo se espelhar nas emoções do personagem; todavia uma parte de identidade original deste se perde: o seu cabelo verde e desleixado, que trazia o ar de uma criatura grotesca do submundo que vive entre os besouros e baratas, é praticamente excluído. Outro fator pouco aproveitado, mas compreensível devido à logística do espaço teatral, é a cobra de duas cabeças do deserto (não só emblemática por sua aparência, mas também pelas suas aparições no filme). Entretanto, as roupas e maquiagens se mantiveram fiéis ao caráter e proposta de cada personagem

A parte cômica da obra é inteligente e se manteve fiel ao filme de 1988, porém é adaptada com assuntos contemporâneos, explorando temas políticos, humor trágico-cômico, brincadeiras maliciosas, sarcasmo e ironia, ademais interações com o público como parte do show. Promovem uma experiência de vivência dentro do espetáculo e uma nova experiência de como tratar de assuntos polêmicos, tornando-os mais naturais e cômicos. A trilha sonora é marcante e muito bem elaborada, com ritmos cantantes e memoráveis, coreografia energizante — contando com a participação de esqueletos fluorescentes dançantes. — E a letra tocante e divertida, sendo cômica na sua própria jogada de palavras. Na música tema principal, e inicial, “The Whole Being Dead Thing” (Toda essa coisa de estar morto), a metalinguagem enriquece e introduz de imediato o humor de Beetlejuice e o musical em si como um todo. Mas, de imediato os fãs podem ficar tranquilizados, pois as músicas emblemáticas da obra original: “Shake, Shake Señora” e “Day-o, Banana boat song”, estão presentes nos momentos em que o musical mais se assemelha ao filme nas suas cenas inesquecíveis.

No que tange à atuação dos atores, Alex Brightman é digno de destaque especial pela sua incorporação do personagem carismático de Tim Burton; não só no modo de andar, o jeito de pronunciar as palavras e provocar os diálogos mostra que o ator não só apenas atuou, mas viveu seu personagem, como se fosse sua própria persona. O espectador consegue sentir próximo do Beetlejuice e a experiência da peça se torna mais palpável e real. Ademais, a atriz que interpreta Lydia Deetz, Sophia Anne Caruso, mostrou grande talento para cantar e se portar de acordo com a proposta do musical, apesar desta fugir do jeito original da personagem, primeiramente interpretada por Winona Ryder; contudo, em momentos pontuais do show, a personagem de Lydia demonstra falta de maturidade exagerada, pouco coerente com o ego dela, além da voz que a atriz incorpora cair para a infantilidade, chegando a ser ligeiramente desnecessária, afinal sua personagem já é uma adolescente.

Os atores, Kerry Butler e David Josefsberg, recebem uma crítica semelhante à de sua colega Sophia Caruso: coerentes à nova proposta do musical, mas como uma boa interpretação e incorporação de seus personagens, por mais que se diferisse muito do filme original. Leslie Kritzer, por sua vez, é impecável ao compreender e interpretar duas personagens: a nova versão da madrasta de Lydia, Delia Deetz, e a modelo argentina que está no Submundo após a morte. A atriz teve um papel cômico, mas que foge do antagonismo original, e outro com aparições esporádicas, mas com sua importância nos momentos do Submundo.

Em poucas palavras, o musical dentro de sua proposta é extremamente cativante, bem feito e divertido, todavia é difícil não lamentar as bruscas mudanças feitas com relação à obra original dirigida por Tim Burton. É um show que explora um tema secundário no filme, mas faz isso com louvor e talento. A experiência que se tem é de entrar em um novo Beetlejuice, mais próximo da comédia da vida privada do que para aventura caótica com o sobrenatural. — Carrega uma nova maneira de tratar sobre a morte, uma experiência de ver algo tão temido de forma a provocar no espectador uma nova visão de como as coisas são com humor e sobriedade. Cativante, memorável e cômico, todavia pouco fiel ao seu antecessor original dos anos 80.

imagem encontrada no acervo do musical — personagens Beetlejuice e Lydia em cena. Beetlejuice apresentando suas ideias para Lydia.
imagem encontrada no acervo do musical — personagem Beetlejuice e seus “clones”
Imagem encontrada no guia de viagens de Nova Iorque tirada por Matthew Murphy — Beetlejuice e a cobra de duas cabeças nas cenas do clímax do conflito final

Conheça o Musical:

O musical acontece nos teatros da Broadway, nos horários regulares da agenda do show — disponíveis no site oficial da Broadway todos os dias, de menos nas quartas-feiras, com horários diferentes para cada dia (atualmente sendo as informações estão sendo alteradas vide a presente situação do COVID-19), mas não existe ainda uma data de término das apresentações, devido ao sucesso do show. Os ingressos variam o preço de acordo com o assento desejado, entre USD$69,00 a USD$275,00 (lugares premium), todavia diferentes sites e locais de compra física podem mostrar preços diferentes; o mais recomendável é olhar com antecedência nos sites de ingressos oficiais da Broadway ou arriscar comprar no teatro, caso tenha a oportunidade.

Para ir além do teatro:

Ana Flávia Gaspar Machado (3AAN20201)

--

--

Ana Flávia Gaspar Machado
Araetá
Writer for

Aluna de Cinemade de Animação Bacharelado da FAAP — Fundação Armando Alvares Penteado.