Bojack Horseman

A animação da década

Eduardo Leite Knoth
Araetá
5 min readMay 31, 2020

--

Episódio final da 1˚ temporada de Bojack Horseman. Bojack e Diane compartilham um momento no telhado.

Bojack Horseman é uma animação americana original da Netflix com seis temporadas, distribuídas na plataforma digital entre 2014 e o começo de 2020. A série, criada pelo escritor Raphael Bob-Waksberg e conceituada pela animadora Lisa Hanawalt, mistura grandes dramas existenciais junto de divertidos enredos e sequências, sendo realizada com uma estética sutilmente surreal. A história é situada em uma Hollywood moderna, porém um pouco mais inventiva da que conhecemos, com animais antropofórmicos fazendo parte de nossa sociedade urbana. Como sugere o nome, ela conta a história de Bojack Horseman, um cavalo que estrelou na maior sitcom dos anos noventa e agora mora isolado nos altos morros de Los Angeles. Durante seu decorrer, conhecemos cada vez melhor a história de Bojack, assim como os outros quatro personagens principais da série (Diane Nguyen, Princess Carolyn, Todd Chaves e Mr. Peanutbutter), através de bem estruturadas storylines, diálogos longos e precisos entre personagens e episódios alucinógenos.

Assistindo a primeira temporada, você talvez tenha a impressão de que Bojack Horseman é apenas mais uma animação engraçada para adultos, com algumas ideias legais e boas gags. Porém, depois de alguns episódios, você perceberá uma grande subversão no tom da série. Ela fica mais dark e os animais engraçados que você estava assistindo passam por momentos de melancolia e tristeza, que acontecem de forma extremamente simples e cotidiana. É aí que a série engata a todo vapor: ao mostrar esse lado mais real de cada personagem em seu mundo. As psiques desses personagens que exploramos e suas relações com as pessoas ao seu redor são ambas construídas sob bases muito concretas e desenvolvidas amplamente através das seis temporadas. Assim, cada personagem passa por sua pessoal jornada de conhecimento próprio, de forma muito bem estruturada, tornando mais impactante e pertinente o elemento do "real" ao decorrer dos episódios, conforme você os conhece melhor.

Esse é um dos pontos mais fortes da série, com suas cenas mais memoráveis sendo troca de diálogos entre personagens, e os enredos de cada episódio sendo majoritariamente centralizados em um personagem em si, ao invés de um objeto importante, um lugar ou um antagonista. Assim, Bojack nos apresenta, através de uma exemplar e bem mediada execução, quem são cada um dos principais personagens, quais são questões que tem que lidar no seu dia a dia, o que procuram atingir na vida, sendo todos tratados com grande atenção, perplexidade e qualidade.

Episódio 1, Temporada 6. Uma ligação em corrente entre, respectivamente da esquerda à direita , Bojack, Diane, Todd, Princess Carolyn e Mr Peanutbutter.

O show também agrega muito ao aplicar essa abordagem real que tem de seus personagens na própria estrutura de seus enredos, arcos e episódios. As situações das quais os personagens lidam em Bojack Horseman são retratadas de forma muito menos glamurizada do que estou acostumado ver em outros shows. Casos amorosos dos quais a série armava durante temporadas inteiras acabam por ter resoluções ou fora de cena, ou com uma simples fala, ou são enterrados diante várias outras outras coisas. Os episódios da série também muitas vezes não optam por ter finais satisfatórios, ou muitas vezes conclusivos, e não é por falta de coerência.

Na realidade, as coisas simplesmente não acontecem com tanta intensidade toda hora, assim como em uma série de televisão ou em um filme, e em Bojack Horseman, também não. Ver o resultado, a sintaxe de todos esses paradigmas de realidade e verdade que a série propõe, é como levar um soco no estômago. Você se surpreende pelos lugares nos quais o show atinge através dessa diferenciada estrutura, e essa revelação a primeira instância pode causar estranhamento. Porém, ela também provoca uma repercussão de pensamentos que te deixa reflexivo por dias ao pensar na subversiva forma que o show lida com a realidade e a condição humana.

Episódio 7, Temporada 1. Princess Carolyn olha solitariamente pela janela de seu escritório.

Porém, essa crítica não faria jus à série sem mencionar o seu lado mais inventivo e divertido. Outra grande proeza de Bojack Horseman é seu vasto senso de humor. Ele varia desde um humor mais observacional, com Bojack apontando de forma cômica diversas incoerências e redundâncias que incomodam ele no dia a dia, a um humor mais doido e fantasioso, presente nas diversas aventuras que Todd embarca durante as seis temporada, como virar acidentalmente presidente de uma companhia multimilionária e coisas do gênero.

O show também aproveita de sua estética surreal, na qual se situam animais com características humanas, para fazer diversas gags, explorando como a visão animalesca que temos desses animais no mundo real se manifestaria no cotidiano urbano de um cidadão. Eles servem como um bom alívio na transição de duas, sendo criativas e sempre instigando interesse de tentar entende-las. Para citar alguns exemplos, vemos dois bodes se aproximando na calçada trombarem seus chifres, por estar olhando seu celulares, ou uma gata sendo resgata de uma árvore por uma equipe de bombeiros e dizendo "Obrigada. Não sei como isso continua acontecendo."

Episódio 13, Temporada 6. A gata citada a cima sendo resgata por uma equipe de bombeiros.

Episódio 3, temporada 1. Diane escrevendo.

Para concluir, Bojack Horseman é um show que balanceia tragédia e comédia de maneira impressionante, através de personagens com arcos e motivações muito bem desenvolvidos, diálogos e cenas impactantes e criativos enredos. Tal equilíbrio também funciona pela forma que o time por trás da série decidiu contar essa história, querendo em grande parte retratar sentimentos reias de solidão, perda e desespero, porém ainda usando de sua estética surreal e inventiva imaginação para se divertir.

O show está disponível nesse momento indefinidamente na Netflix. Minha recomendação não poderia ser maior. Indico inclusive que você não "maratone" o show e aproveite uma experiencia mais lenta e pensativa, vendo por volta de quatro episódio por vez. Há um total de sessenta e seis episódios, e eles são um prazer de ver, então aproveite. E caso tenha ficado curioso sobre a série, aqui segue o trailer de sua primeira temporada:

Eu, Eduardo Leite Knoth, como sempre muito fotogênico. (Autoria pessoal)

--

--