Casa do artista Rogério Fantin — Minha casa, meu mundo, mil mundos na minha casa.
Por Pedro Lucca Luchiancenco
A arte de rua de Rogério Fantin consiste em grafites realistas de célebres personagens como o Homem Aranha e o Jack Sparrow, nos quais ele mistura forte influência geek com a própria individualidade, no sentido de estar visivelmente conectado com os motivos que pinta, o que se nota por seu suporte: a fachada de sua própria casa dando para a rua. Alguns desses grafites, inclusive vêm acompanhados de citações com as quais o artista se identifica, sobre a natureza humana e, por metalinguagem, a própria criação artística.
Primeiramente, o crítico aqui presente busca opinar apenas sobre o valor perceptivo dessa arte, por motivo que se revelará adiante. Dito isso, o que atinge o olhar, de imediato, é a característica material, a tinta mesmo, das obras, à medida que estas são compostas por tons que parecem mais próximos da vista, por sua vibração e força, e que não se encontram nos quadrinhos (os de Rogério são uma exceção) e filmes, plataformas cujos conteúdos foram emprestados, porque aqui a cor se destaca na parede e se configura como algo palpável. Em conformidade, a aferição das obras também é maior em amplitude, por conta das grandes dimensões, que ocupam seções inteiras da fachada da casa e, em conjunto, toda a extensão da rua. Depois, o traço é igualmente diferenciado e traz uma nova visão das personagens retratadas, sem perder a similaridade, mas acentuando os contornos, o que aproxima o transeunte dessas figuras tão familiares.
É justamente por essa abordagem de um assunto popular que a obra captura e fascina uma maioria das pessoas, sobretudo fãs, cinéfilos e geeks, em cujas vidas as artes do cinema e das revistas em quadrinhos funcionam como suportes para a imaginação, identificação e inserção no mundo, tanto que eles (e o artista em questão) criam um forte sentido de comunidade, regularmente reunida em eventos a fim de mostrar suas diferentes criatividades e poder se sentir imersa nesse mundo sonhado, o que nos remete às famosas vestimentas de personagens, conhecidas como cosplays. A arte de Rogério Fantin atende a essa mesma necessidade e é isso que o torna tão próximo de seu público, bem como o seu grafite tão pertencente à rua, elemento moderno que figura no cotidiano e nos instantes tão “passageiros” das pessoas. Assim, quem quer que passe por essa calçada, poderá relembrar e se aproximar de um mundo fantástico e escapista, mas que secretamente diz respeito à nossa realidade.
Agora, me revelo sobrinho do artista, o que adiciona à crítica uma visão menos pertencente à superfície das obras. De qualquer forma, o que mais fascina nelas continua sendo o amor que Fantin coloca naquelas figuras, independentemente das respectivas não reciprocidades, sabidas porque acompanho a falta de reconhecimento da indústria artística com ele. A arte pop visa o lucro, o que não é novidade, mas ainda assim impressiona ouvir de meu tio que, mesmo com a reconhecida qualidade estética e criativa dos artistas como ele, as ocupações dos veículos de arte convencionais (onde há maior fomento) mantêm os mesmos talentos de sempre, sem deixar muito espaço para os novos, o que implica numa dificuldade de renda para estes aos quais as portas se fecham. O interessante, ainda assim, é como Fantin faz muito com pouco. Não que ele não priorize material de qualidade, mas é consciente das limitações e possibilidades que as matérias-primas oferecem, tanto que utiliza apenas um revólver de pressão e tintas de esmalte sintéticas, à base de solvente, que normalmente utilizamos para pintar as grades e portas de ferro de nossas casas. O mesmo se aplica à confecção das máscaras que ele realiza com látex e argila, porque consegue fazer mais rápido e mais barato (embora o público comprador insinue que uma máscara deveria custar muito menos do que se gasta para produzi-la) do que no mercado, que utiliza clay e silicone, por um preço e, muitas vezes, tempo maiores. Porém, Rogério Fantin ainda produz com cuidado e capricho um objeto artístico de qualidade comparável com aqueles produtos de grande orçamento.
Grande espontaneidade se reflete no seu fazer artístico, inserido no cotidiano. Talvez seja aí onde a verdadeira arte reside, num artista que, claro, também faz para o lucro, mas nunca pelo lucro. Por exemplo, por trás do seu presente para a rua, o interior de sua casa configura uma extensão dessa arte e visa presentear sua família: na casinha da cadela Clarinha ele pintou a figura dela em uma janelinha, e o quarto de minha prima é pintado por ele, a partir dos gostos pessoais dela, conforme ela cresce. Então, o que se apresenta de volta à calçada é uma vontade interior, que escapa da regulamentação oficial por estar entre o público e o privado. É uma casa decorada, mas é uma arte ressignificada por estar nas paredes que dão para a rua. É uma expressão de que a arte está aberta para todos, muito além da valorização ou da desvalorização, e ainda assim pertence a um gênio criativo, que se situa em um local e, por pertencer a seu público, se coloca como este. É a dúbia unicidade de uma arte e de um artista que ao mesmo tempo que iludem, desiludem; ao mesmo tempo que sonham, acordam.
Assim, o grafite de Rogério Fantin possui um brilho para mim, e creio que Walter Benjamin veria uma aura nele (por mais paradoxal que isso possa parecer) se pudesse resolver os enigmas do conteúdo ali visível, onde há uma resiliência, uma vontade, um fazer humilde mas excelente, eficaz e expressivo. Daí concluo a pista para a solução desses enigmas: a importância de se conhecer o artista para se descobrir a verdadeira obra. Meu tio me parece exemplar nesse sentido. Aquele que desejar conhecê-lo, descobrirá uma personalidade única e bem-humorada; um artista genuíno, muito ciente das pedras no caminho, ansioso por materializar as cores da arte que carrega dentro de si, esperando algo em troca ao mesmo tempo em que não espera coisa alguma.
Rua Catarina Fazio Antoniazzi, Osasco, Brasil. Exposição livre e gratuita. Aberta todos os dias da semana, em qualquer horário, durante o ano todo e constantemente renovada.