O ser humano começa a se tornar civilizado a partir do momento em que ele abandona os hábitos nômades e passa a cultivar a terra em que vive, se estabelecendo e criando relações com o ambiente ao seu redor e com a própria terra. Porém, atualmente, por diversos motivos, sendo o principal deles o capitalismo, milhares de pessoas não tem acesso a essa terra própria e passam a ser afastadas tanto da sociedade quanto dessa ideia de pertencimento.
No Brasil, o MST surge em 1984 com o intuito de unificar os trabalhadores do campo em uma unidade para conseguir moradia para estes mesmos campesinos, até o lançamento do filme eles já tinham assentado cerca de 350 mil famílias, e mesmo sendo um movimento de trabalhadores ajudando trabalhadores, atuando na legalidade, ainda sofre grande perseguição politica e policial.
O filme em si opta por uma linguagem mais contemplativa, silenciosa. O começo possui uma sequência interessantemente criativa, com longos planos mostrando a paisagem onde vai se passar a história. Logo após, temos dois integrantes do movimento conversando sobre suas perspectivas de futuro, sobre o que eles vão fazer na terra. Algo muito marcante neste trecho é notar como eles falam sobre a variedade de alimentos e animais que eles pretendem cultivar e o impacto que isto causará na terra. O diálogo todo se passa em uma barraca, e quando somos afastados dela para um plano geral, vemos que esta barraca está suspensa, no meio de uma plantação única, representando o quanto estas pessoas estão longe desta terra e mesmo que elas se sintam parte dela, pensem sobre ela, estão afastados dela.
Com esta bela introdução, somos levados a acreditar que o filme está prestes a nos apresentar uma visão perspicaz e única sobre o movimento. Infelizmente ele se basta em imagens bonitas, bem fotografadas, mas sem um significado tão grande. Os personagens acompanhados tem o carisma retirado por cenas em que apenas ficam refletindo ou tendo pequenas conversas que revelam pouco sobre sua personalidade, ficando apenas no lugar de pessoas precisando de terra, e não de país, mães, amigos, conseguindo pouquíssima empatia do espectador. Isso poderia ser justificado como uma tentativa de uma imparcialidade da autora para, quem sabe, tentar dialogar com o público que não conhece o MST. Porém, ela se esquece que o Movimento, além de muito conhecido, é repudiado por uma grande parcela da sociedade. Repúdio esse que resulta em diversas formas de violência, físicas ou verbais.
Durante um segundo ato, quando a terra já está ocupada, acompanhamos a busca judicial para adquirir a posse da terra, tentativa que não só da errado como é justificada no filme. A derrota não é transmitida com seu peso real. A mensagem é apenas “olha como nós tentamos por meios legais”. Quando na verdade esse episódio poderia iniciar uma contagem regressiva para uma reintegração de posse, algo que expulsaria essas pessoas da terra.
Após essa perda na justiça acompanhamos o movimento protestando de diversas formas para conseguir a terra, nenhuma com sucesso. Aqui é preciso ressaltar que a autora do filme já deveria ter pensado que estes acampamentos poucas vezes obtém sucesso, e quando obtém, o processo de regularização é longo e demorado, ou seja, e que o importante quando se conta uma narrativa arriscada dessa é humanizar, e até mesmo exaltar, estas pessoas que estão sendo marginalizadas, pois essas pessoas, que estão excluídas de parte da sociedade, assumem esta posição justamente porque seu histórico não é de grandes vitórias.
Lembrando que a intenção não é ditar como deve ou devia ser feito o filme, mas apenas um ponto de vista dos aspectos que ficaram de fora do filme. Chão acaba se tornando um “safari humanizado” pela pobreza e falta de terra. Mas se alguém procura imagens bonitas e um filme repleto de boa intenção, este é o filme certo.
Mesmo com todos os defeitos, o filme possui um fator intrínseco que o torna de extrema relevância. Ele é um filme brasileiro sobre o Brasil. Por isso merece ser assistido pelo máximo de pessoas. Além do que o filme foi analisado aqui por uma perspectiva. O leitor ou leitora deste texto não pode se bastar apenas na opinião de uma pessoa que possivelmente nem conhece. Portanto, assista Chão e tire suas próprias conclusões.
Onde? MUBI
Quanto? O MUBI possui uma assinatura de 10,99 dólares por mês, porém é possível testá-lo por sete dias grátis, e alunos universitários costumam ter direito a uma assinatura sem pagar também.
Quando? Este texto é de Novembro de 2021, e ao que tudo indica não vai sair tão cedo do catálogo, mas é importante prestar atenção pois a rotatividade do acervo deles é grande.
Saiba mais! Para quem se interessar, indico que conheça também o movimento pelo próprio movimento: