Cinema de Ausência — Blow-Up, Antonioni
Análise Crítica, Blow Up, Antonioni, 1966
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Há um filme que sempre aparece em meus pensamentos quando paro realmente para pensar sobre cinema, ele parece estar presente já no meu inconsciente, quando tento perceber e o que tento trazer quando miro certos gestos em relação a minha linguagem cinematográfica há sempre algo desse filme, é quase inerente a aplicação de tais referências, e muitas das vezes não premeditadas. Recentemente tive a oportunidade de revê-lo, uma quinta-feira, dia 18 de maio graças a “Mostra Especial Festival de Cannes” realizada em maio de 2023, a mostra foi realizada do dia 18 ao dia 31 de maio, organizada pelo Petra Belas Artes, estou falando de “Blow-Up”, filme de 1966, dirigido por Michelangelo Antonioni.
Existe uma certeza na atualidade em relação à aplicação da racionalidade humana referente ao exercício do cotidiano que não me parece ser sustentável e que Antonioni questionou a mais de 50 anos, essa referência sustentadora do ponto racional do ser humano em relação à concepção de realidade e, por assim dizer, verdadeira parece muito frágil quando questionada.
A leitura histórica pós-ruptura a relação do pensamento clássico humano nos leva a salientar nosso ego humano em função da racionalidade humana em si e sua aplicação ao mundo, o resultado é a solução a determinadas ideias da vida e o seu desuso referente a outra linha de determinados tipos de problema, a sede é sanada, porém, outras necessidades da vida não. Uma eterna constante entre a tentativa e o erro, a escolha particular e o descaso dessa escolha.
O particular e a percepção da fragmentação dessa racionalidade estão em Blow-Up, Thomas (David Hemmings), um fotógrafo e o seu dia até um momento de percepção não percebida, para um fotógrafo isso é ainda mais grave. O caminho percorrido por Thomas, um fotógrafo de moda, dono de seu estúdio a inércia de sua existência, inércia causada pela desumanização do ser humano em um objeto fotográfico. Em uma ida ao parque, os sons dos disparos do dispositivo fotográfico, Thomas acha um casal em uma parte vazia do parque, os disparos começam, o momento em que parece ser, e o parece ser aqui é algo
diretamente substancial, o ato da percepção a aparência é o que nos leva a narrativa de Blow-Up.
E entre essa percepção há a falta da referência particular como a própria base da aparência, do que “parece ser”, enquanto os filmes da década de 60 apontava para o excesso do modernismo em busca do “pós”, Antonioni olhava para o vazio dessa percepção. Antonioni aplicava isso a própria imagem, o vazio era demonstrado pela invocação desses espaços na tela que não eram completados da forma clássica, equilibrados, mas sim eram completados pelos personagens, o vazio preenchido pelo particular sem referência, o ser humano se encontra sozinho.
Entre todos os filmes de Antonioni há as cenas de vazio em necessidade do preenchimento, em Blow-Up, não é diferente, e aqui a cena que compartilha do elemento
da ausência é a cena chave. Thomas em um parque de Londres onde não existe nenhum outro um elemento a não ser o parque e Thomas, há um isolamento em relação ao personagem e em percepção do telespectador, é quase que uma provocação, a se fazer algo sem de fato entender para onde ir.
O alvo de Antonioni é sobre uma mudança filosófica ontologicamente em relação ao ser humano e os seus feitos, em sua relação com a realidade, Blow-Up, o nome do filme também sintetiza a ideia da ampliação da imagem durante o processo de revelação, existe uma característica específica a ampliação e ao modo de ver, uma referência não a realidade, mas a criação dela e depois disso a sua percepção.
“Assassinato sem culpa, amor sem significado”, o cartaz de Blow-Up carregava essa frase, o acontecimento não é posto quando é acontecido, mas sim quando é percebido e por isso ampliado, o que Thomas está atrás não é a razão dos acontecimentos, nem os sentimentos envolvidos, mas sim da percepção fragmentada de mundo, a humanidade é perdida, não em um consentimento piegas, mas sim em sua plenitude. O que resta é câmera fotográfica, clic, clic, clic, e o fator humano desaparece.
Thomas é a representação da evolução de pensamento, Thomas é a representação do homem moderno, entre ele a aplicação da irracionalidade a fragmentação da leitura humana, nele vemos desde Kant a Heidegger, desde Kierkegaard a Sartre, do ser humano cheio de vontade a ruína do ser humano sem sua humanidade. O acontecimento está referente as fotos do acontecimento e não a percepção da realidade, o que nos resta é a procura, o mistério até o final, se ele existir.
A conexão com a realidade não se dá de uma forma clara nos filmes de Antonioni, a única conexão de Thomas com a realidade está na percepção de suas fotos como dito
anteriormente, não é revelado o ato de assassinato e a sua causa, como também, não é revelado a particularidade do sentimento referente ao amor.
Antonioni não determina o alvo de seus filmes em relação às certezas dos acontecimentos, ou até mesmo a certeza da realidade, ele vai à oposição disso, a fragmentação da verdade percebida nas mudanças de pensamento em relação à realidade é a base narrativa de seus filmes, existe um distúrbio praticado em relação às certezas do realismo, a descontinuidade do mistério é a busca, o alvo é a percepção de uma realidade sem sentido.
A última cena sintetiza isso da melhor forma possível, quando Thomas se depara com um grupo de mímicos jogando tênis com uma bola imaginaria, até o momento em que ela é isolada e os mímicos o pedem para jogá-la de volta, o dilema entre a percepção da realidade e a irracionalidade fragmentada é estabelecida, os acontecimentos são mais uma vez abandonados, seus efeitos e causas não revelam nenhuma importância, o que resta é a escolha.
Antonioni mira na incerteza da narrativa em relação à perda de sentido de seus próprios personagens quando procurados por nós, mesmo no final de seus filmes o questionamento narrativo não se dá apenas na base da linguagem, mas sim no próprio pilar formador da realidade, é quase como se ele questionasse o espaço e o tempo, aqui um ato sem escolha, já que vivemos dentro dessa realidade, o que acontece antes ou até mesmo depois do final dessas narrativas. A percepção de Antonioni em Blow-Up se mantém atual.