Clímax
A subjetividade do corpo na dança e na droga
Por Tomás Daud
Baseado em uma história real, Gaspar Noé aplica a estética da intensidade mixando a dança, droga e o corpo, compondo um longa — metragem no qual a dança é o elemento predominante.
Quando um grupo de dançarinos passa três dias numa escola para ensaiar uma apresentação, é montada uma confraternização na última noite. O que ninguém esperava é que a sangria, que foi batizada com LSD, transforma a confraternização, essa que era para ser uma noite de comemoração, numa alucinação completa, na qual algumas pessoas “entram em bad trips”, enquanto outras entram na atmosfera da dança e não param mais.
A imersão do filme começa quando a trilha sonora, regada de Techno e estilos de música com batidas fortes, se inicia após uma entrevista com todas as personagens. De alguma forma, a música consegue conturbar o espectador e, ao mesmo tempo, traz ele para dentro do filme, pois ela não para até o final, exceto em uma cena em que acontece um blackout por alguns minutos, fazendo com que o espectador perca o ritmo do filme junto com os dançarinos. Os planos sequenciais são muito longos, existem pouquíssimos cortes, sendo um elemento que leva o espectador para dentro do filme.
A direção de luz, além de demarcar o ambiente, fala muito da situação em que os dançarinos se encontram. A qualidade de cor causa no espectador algum sentido, uma vez que cores quentes causam um agito e cores frias uma calma e tranquilidade. O vermelho é a cor que predomina na longa-metragem, fato que se assemelha à estética de sua outra obra Irreversível de 2003.
O filme não utiliza de roteiros padrões já que os diálogos na trama são muito breves, prevalecendo a relação das 20 personagens diante de seus contextos e conflitos. O modo que a câmera conduz o espectador, assim como os movimentos corporais que os dançarinos realizam durante o longa, é justificada pois o diretor nunca quis dar ênfase aos diálogos, e sim a expressão corporal. O que fala nesse filme é, sobretudo, expressão corporal.
Relacionando o filme com as teorias do poeta, ator e dramaturgo Antonin Artaud, o filme entra numa reflexão muito mais profunda do que um simples grupo de dançarinos que usa drogas e começa a alucinar. A teoria de Artaud sobre O Teatro da Crueldade produz o sentido no filme. O objetivo do ator com essa metodologia diz que o domínio da cena tem que ser expresso unicamente pelo corpo. O corpo tem que expressar a cena, tem de existir um envolvimento visceral. O trabalho de expressão é treinado e apresentado pelo corpo.
Essa teoria pode ser experimentada com a leitura do poema “O Homem Árvore”. Ele diz que o homem vive pelo organismo racional, sendo uma imposição. cultural, que define cada órgão do corpo. O que estimula a fluidez do poema, é o diálogo e o pensamento de pensamento que traz à consciência isenção de órgãos, transformando o homem, como árvore, naquilo que se é original.
Ao mesmo tempo, o que resulta para nessa destruição desse corpo de domínio é a meta para se atingir pela dança.
A dança estimula a potência do corpo, e o homem só atinge esse ápice quando ele consegue se despir do padrão cultural e funcional inserido para o corpo humano. Assim como mostrado em Clímax, botando a teoria de Artaud em prática, o principal foco que se obtém durante o filme é o corpo, que justificado pela coreografia constante dentro do filme, se concretiza nessa teoria que enaltece a potência máxima.
Para concluir o raciocínio de Artaud, sua obra “Conclusão para Acabar com Juízo de Deus”, a ideia para conseguir atingir a intensidade do corpo vem por acabar com a construção cultural e científica do órgão, de forma que, só se atinge a liberdade, quando o indivíduo consegue um corpo sem órgão, o que pode acontecer por meio da dança, a que abre o portal para a potência máxima.
Por outro lado, essa intensidade quando estimulada pela droga, pelo LSD, quando a personagem que batiza a sangria quer encontrar a potência, há o amortecimento da realidade, e aquilo que se procura na droga, é despotencializado. Esse fato é muito diferente da prática das sociedades ameríndias que, por meio de alucinógenos, procuram conexões de pertencimentos com a vida a partir de rituais. A consequência do uso de entorpecente, é que o homem acredita que está adentrando ao seu corpo de vontade, e, desse modo, voltando à sua origem. No entanto, é necessário a prudência para que este corpo de vontade não sucumba. Por isso, se faz necessário criar um corpo desejante a partir de atos criativos, como a dança.
O enredo é estimulado por uma representação artística, a coreografia, trazendo novas lentes para uma percepção daquilo que se diz potência do homem. Essa quebra de vínculo que Artaud propõe do homem com o corpo “organizado e aprisionado”, é fundamental para que se possa atingir a potência, sendo o protagonista da vida. Selva, é atriz e dançarina, o resto do elenco são apenas um grupo de dançarinos.
O filme traz o conceito de que a arte não tem que ser mímesis da vida, mas, sim, de que a vida deve ser arte.
O filme pode ser encontrado disponível na Netflix por assinatura, ou comprando por 20 reais na plataforma do YouTube.
Antonin Artaud: Poema "O Homem Árvore"
Antonin Artaud: "Para Acabar com o Juízo de Deus"