As continuações e seu hábito de ‘reciclagem’

‘Abracadabra 2’, continuação do clássico dos anos 90, repete o mesmo arco e está regado de previsibilidades e incoerências

Flavia Paiva
Araetá
8 min readDec 6, 2022

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por Flávia Tanajura Paiva

(Abracadabra 2 (2022) — Disney Plus — Poster) Sarah (Sarah Jessica Parker) Winifred (Bette Midler) Mary (Kathy Najimy).

Abracadabra é um filme estadunidense de 1993 — dirigido por Kenny Ortega — e lançado pela Disney. A película conta a história de três irmãs bruxas chamadas Winifred, Mary e Sarah Sanderson que — em 1693 — sequestram uma garotinha chamada Emily Binx para poder extrair sua força vital e assim ficarem mais jovens. O irmão de Emily, Thackery, tenta salvá-la, porém é tarde demais e ele é transformado em um gato preto imortal. Os aldeões de Salem chegam à casa das irmãs Sanderson e as bruxas são sentenciadas à morte por enforcamento. Porém, antes do cadafalso ser aberto, Winifred lança uma maldição que as traria de volta a vida, quando alguém virgem acendesse a vela da chama negra na noite de todos os santos. Trezentos anos depois, em 1993, o adolescente Max Dennison, junto com sua irmã mais nova e sua amiga do colégio, acende a vela e as traz de volta à vida.

(Abracadabra (1993) — Disney — Poster) Sarah (Sarah Jessica Parker) Winifred (Bette Midler) Mary (Kathy Najimy).

A sequência do filme — dirigida por Anne Fletcher — se passa em 2022, vinte e nove anos depois das irmãs Sanderson ressuscitarem. A continuação conta a história de duas adolescentes chamadas Becca e Izzy que estão se preparando para o Halloween e a comemoração do aniversário de dezesseis anos de Becca. Elas vão até a casa das Sanderson, que atualmente virou uma loja mágica, e são presenteadas com uma cópia da vela de Chama Negra pelo dono da loja chamado Gilbert. Elas acendem a vela na Floresta Proibida e sem que soubessem, trazem Winifred e suas irmãs de volta à vida.

Abracadabra se tornou um clássico de Halloween, conquistando uma enorme base de fãs até hoje. Porém, a continuação do ícone dos anos 90 é dificilmente considerada uma daquelas continuações que é tão boa ou, muito menos, superior que o primeiro filme. Além de ser regado de previsibilidade e várias incoerências com a história das irmãs, a narrativa utiliza uma técnica muito comum em sequências: reciclagem de roteiro.

A estrutura narrativa é a mesma: dos segundos iniciais do primeiro ato ao fim do terceiro. O começo da história se passa no século XVII, depois corta para a contemporaneidade, os personagens principais são introduzidos no colégio e então trazem de volta à vida as bruxas da mesma forma que o primeiro filme. Em ambos os filmes também há uma festa em que as pessoas são encantadas para que as bruxas possam ter a noite livre para colocar seu plano em prática. Ressaltando que o propósito das bruxas também é o mesmo. Além disso, eles utilizam novamente a técnica do “primeiro fim”, um falso-encerramento, em que as bruxas parecem ter sido eliminadas e então retornam mais uma vez até serem verdadeiramente mortas no final.

O início do filme que conta sobre a infância das irmãs Sanderson é uma das poucas partes da película que traz algo de novo e que agrega ao primeiro enredo. Podemos conhecer elementos de seu passado — como a mãe das três irmãs — e compreender o surgimento de um dos elementos principais para o desenvolver da história: o livro de feitiços. O começo da narrativa também traz um olhar diferente em relação às bruxas, às tirando dessa posição de vilãs e fazendo o telespectador sentir compaixão pelas personagens. As atrizes que interpretaram as irmãs em suas versões mais novas — Taylor Henderson, Juju Brener e Nina Kitchen — fizeram um ótimo trabalho imitando as expressões faciais e corporais de Bette Midler, Sarah Jessica Parker e Kathy Najimy.

Winifred (Taylor Henderson), Sarah (Juju Brener) e Mary (Nina Kitchen) quando eram pequenas.

Porém, a presença de elementos novos na história só foi diminuindo com o passar do filme e, além disso, esses poucos momentos ainda foram muito mal desenvolvidos . Essa “reciclagem” feita pelos roteiristas, além de tornar a experiência um tanto quanto cansativa, faz com que diversas vezes a coerência da história seja afetada. Um dos maiores exemplos é a explicação para a volta das irmãs Sanderson. De acordo com o que é explicado pela Winifred no primeiro filme, se alguém acendesse a vela de Chama Negra sua maldição as traria de volta para um dia das bruxas e, ao nascer do sol, elas desapareceriam para sempre. E foi isso que aconteceu no final. Mary e Sarah desintegraram e Winifred virou pedra — por ter tocado em solo sagrado — e depois explodiu. Então era de se esperar que uma explicação elaborada e bem pensada fosse criada para que o retorno das irmãs fizesse sentido, mas não foi isso que aconteceu. Em Abracadabra 2, os roteiristas repetem a mesma premissa e Winifred, Mary e Sarah retornam mais uma vez com a vela de Chama Negra, criando uma lacuna no enredo, já que a vela foi feita para apenas um dia e elas morreram no final. Além da repetição da trama, o filme se apega em demasiado ao primeiro. Durante quase todo o desenvolvimento da história — principalmente no meio — eles colocam diversas cenas que fazem referências com acontecimentos da primeira narrativa, fazendo com que a continuação pareça mais uma paródia do que um filme em si.

Cena de Abracadabra em que as bruxas entram na casa de um homem que elas pensam ser o Diabo em pessoa (Gary Marshall) e de uma mulher que elas pensam ser a Medusa (Penny Marshall)
Cena de Abracadabra 2 em Winifred (Bette Midler) olha por uma janela de uma casa e dois figurantes estão assistindo a cena do primeiro filme.

Outra abordagem que contribui para que a trama não seja levada muito a sério é o apelo cômico que fazem em Abracadabra 2. Uma das características principais da linguagem do primeiro filme é justamente o equilíbrio em tornar as bruxas tão engraçadas quanto assustadoras. Kenny Ortega consegue elaborar cenas de comédia, mas, também, cenas de tensão. Fazendo com que o telespectador possua uma visão cômica das irmãs, mas sem tirá-las do posto de antagonistas. O excesso de comédia da continuação fez com que Winifred, Mary e Sarah se tornassem praticamente bobas da corte. Apesar da constante tentativa de mencionar o primeiro filme, justamente nas cenas que o público esperava que houvesse uma repetição, houve modificações. Uma das cenas mais icônicas de Abracadabra é quando as irmãs Sanderson cantam a música “I Put a Spell on You” — da cantora Nina Simone — no baile da prefeitura e muitos contavam que Winifred, Sarah e Mary voltariam aos palcos para fazer essa performance. E de fato elas voltam, porém as bruxas cantam outra música.

Pode ter sido pelo tempo que foi levado tentando colocar easter eggs* do primeiro filme que os poucos novos elementos de Abracadabra 2 foram tão mal elaborados. Um dos principais exemplos é o motivo que levou Gilbert a ressuscitar as irmãs Sanderson. Desde o momento em que ele entrega a vela para Becca e Izzy, é criado um clima de suspense que leva o público a se questionar o porquê do amigo das meninas ter tido tal atitude. Mas o motivo apresentado pelo filme não só é raso e não justifica a ação do personagem, mas também, não possui nenhuma relação com o que foi apresentado na história até então. O filme também apresenta algumas tramas mal elaboradas, como a relação entre as meninas e sua ex-amiga Cassie. No começo da história, a amizade das três já é apresentada de uma forma abalada e a reconciliação das três se torna um dos arcos do filme. Durante o decorrer da aventura, a narrativa tenta fazer o público se sensibilizar pela situação, mas a relação delas e o motivo da separação é raso, clichê e pouco trabalhado. Dessa forma, não se torna possível criar algum tipo de laço afetivo pela Cassie e pela amizade das três. Então a Cassie acaba se tornando um personagem um tanto quanto irrelevante, apesar do tempo de tela que possui.

Eles tentam adicionar uma nova conduta em relação aos poderes das bruxas, fazendo com que Becca e suas amigas acabem adquirindo a habilidade de fazer magia por decisão do destino. Porém, como diversas outras ideias desenvolvidas em Abracadabra 2, essa também contradiz com o roteiro original. No primeiro filme, eles deixam bem claro que os poderes das irmãs foram dados a elas depois de venderem sua alma para o Diabo.

Continuações devem trazer novos pontos, devem ser elaboradas quando realmente há uma ideia que dê sequência e não prejudique o que já foi criado. As incoerências na história devido a falta de compromisso com o roteiro original, faz com que o público quebre o “contrato” de crença com a fantasia da narrativa. No caso de Abracadabra 2, o processo de aprofundamento da psicologia fantástica dessas protagonistas — preservando a essência da história e dos personagens — deveria ter permanecido.

Sem potencial narrativo algum para um terceiro filme, Abracadabra 2 surge de um impulso de reviver o passado mesmo sem condições de fazê-lo. O problema da necessidade expõe enfim a contradição que rege a estrutura da sequência, contradição esta que nada mais é do que o embate entre, por um lado, vender a ideia de um produto novo e, por outro, se valer de um método extremamente questionável enquanto procedimento de feitura da obra, que é essa releitura mimética, isto é, uma não-novidade, um mais do mesmo, o que resulta, como resumi previamente, na falha. Eis o método e o erro de Abracadabra 2.

  • easter eggs: uma referência ou algo que está escondido dentro de uma mídia.

O filme pode ser encontrado na plataforma de streaming Disney +, com o preço de assinatura de R$27,90, disponível para dispositivos Android e iOS. O filme está disponível no catálogo desde 30 de setembro de 2022 e acredita-se que irá permanecer lá por um bom tempo.

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