Coringa e as múltiplas realidades

por Carolina Fung C. B. dos Santos

Carolina Fung
Araetá
6 min readNov 3, 2019

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Ilustração de capa de “A Piada Mortal” | Arte por Brian Bolland

O filme “Coringa” (Joker) lançado no ano de 2019 é o primeiro filme focado na história do vilão mais famoso das histórias em quadrinho do Batman. Protagonizado por Joaquin Phoenix, o filme ainda conta com Robert De Niro e Frances Conroy no elenco.

Coringa apresenta a história de Arthur Fleck, um comediante fracassado que mora com a sua mãe na caótica Gotham City na década de 80, infância do Cavaleiro das Trevas. Em uma época sem heróis para defender a cidade, e em que Thomas Wayne é a única esperança aparente, porém não a melhor opção, Arthur sofre com as injustiças sociais de uma cidade praticamente abandonada pelas autoridades.

O conteúdo do filme é primoroso, com referências e embasamento nas histórias em quadrinho e na origem do vilão em “A Piada Mortal”, mas com um toque de novidade dado pelo diretor e roteirista Todd Phillips minuciosamente, para agradar tanto fãs das HQs, quanto pessoas que nunca leram e nem viram nada relacionado ao vilão.

Cena do filme “Coringa”, na imagem o ator Joaquin Phoenix como o personagem | Fonte: Warner Bros. Pictures

O longa nos apresenta um homem, envelhecido e maltratado pela vida cruel que vive e que sonha alto em ser um comediante de stand-up. As injustiças vividas por Arthur em conjunto com a sua condição mental, que causa risadas incontroláveis e frieza em relação à morte (até a sua própria), torna óbvio o destino do tão complexo, e ao mesmo tempo simplista, vilão. O roteiro, que por muitos tem sido considerado óbvio, ajuda na construção de uma história de quase superação inversa, em que Arthur se torna um grande vilão ao ser forçado por Gotham e por sua própria história a abrir mão de procurar uma vida equilibrada com ajuda de remédios, e assumir a sua sede por caos.

Esse é um aspecto importante sobre o personagem criado por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane, Coringa busca o caos, no português popular: ele gosta de ver o circo pegar fogo. Tendo sua primeira aparição em Batman #1 (1940), o personagem foi parcialmente inspirado no personagem Gwynplaine “O Homem Que Ri” e foi escrito para ser um personagem sanguinário e com humor sádico que logo morreria nas mãos do Homem Morcego, porém por questões editoriais foi mantido até que fosse remodelado para ser o arqui-inimigo perfeito para o herói. Coringa passou por vários períodos e teve várias histórias de origem, foi também responsável por diversos fatos que foram cruciais para a formação do Batman como o herói que todos conhecem, porém, o ápice da história do vilão foi na HQ “A Piada Mortal” do ano 1988.

Em “A Piada Mortal” conhecemos a história de um homem que largou um emprego seguro para tentar ser comediante, porém começa a sentir o peso de sua decisão ao não ter dinheiro para sustentar a mulher grávida, e acaba se entregando ao crime. No filme de Todd Phillips, temos contato com uma história parecida, em que o vilão comete seu primeiro crime ao ganhar uma arma de um colega de trabalho e usá-la pela primeira vez para se livrar de um ataque. Após esse acontecimento, ele percebe que achou que se sentiria mal, porém não se sentiu e gradualmente assume a identidade do Palhaço do Crime.

No cinema, assim como nos quadrinhos, o vilão também passou por várias fases e vários atores deram vida às insanidades do Coringa. De Cesar Romero a Jared Leto, passando por Jack Nicholson e pelo espetacular Heath Ledger, que será discutido em paralelo a Joaquin Phoenix nessa crítica.

Cena do filme “The Dark Knight” de Christopher Nolan. Na imagem, o ator Heath Ledger como Coringa. | Fonte: Warner Bros. Pictures

Christopher Nolan foi responsável pela entrega da mais aclamada trilogia de filmes do Batman — Batman Begins (2005), The Dark Knight (2008) e The Dark Knight Rises (2012) — e também foi responsável pela escolha de Heath Ledger como o vilão no segundo filme da trilogia. Ledger apresenta um vilão que viria pós-Phoenix, pois ele já está insano e entregue ao crime como estamos acostumados a ver nos quadrinhos. O diferencial do Coringa de Ledger, e que o faz ser tão excepcional, é que ele não somente busca o caos, como é exatamente o que o vilão foi criado para ser: sádico e sanguinário. Isso é mostrado não somente nas cenas de violência e caos, mas principalmente nas cenas em que ele conta a origem de suas cicatrizes, que é uma para cada pessoa.

O Coringa cria realidades e engana as pessoas, como sustentado por uma frase de “A Piada Mortal” em que o personagem afirma que prefere ter muitas realidades do que viver somente uma. Com a ajuda de um roteiro quase perfeito, Ledger alcançou o ápice do vilão nos cinemas, recebendo um oscar póstumo de Melhor Ator Coadjuvante, em 2009. Outro fato de conexão entre os dois Coringas, são as cenas em que Phoenix é colocado em situações e ambientes parecidos com os que Ledger esteve.

Considerando o fato das realidades criadas por Coringa, Philips nos apresenta na versão de 2019 uma história que também é vivida apenas na mente de Arthur e que engana todos os espectadores, seu romance com a vizinha Sophie. Seguindo essa análise, podemos observar que o filme todo poderia ser uma história criada pelo próprio vilão para levar o público a ter pena daquele que tanto aterroriza Gotham, não somente do menino Bruce, que perdeu os pais tão novo.

Não estou excluindo o caráter de crítica social que o filme apresenta e quem tem levado tantas pessoas ao cinema, mas estou trazendo outro ponto a ser pensado. Ao assistir o filme pela terceira vez, pude perceber detalhes que me levam a crer que a história poderia sim ter sido criada pelo vilão e é o que torna o roteiro cada vez mais incrível para mim. No início do filme vemos Arthur em frente à uma psicóloga, a cena começa com ele rindo (ao ponto de incomodar quem assiste) e em certo momento, após alguns minutos de conversa e ao ler seu diário assustador, a mulher pergunta para ele se ajuda ter alguém para conversar e ele comenta sobre a época em que esteve em um sanatório. O corte dessa cena é perfeito, pois nos é mostrado um recorte do vilão em uma solitária, batendo a cabeça contra a porta. O grande detalhe dessa cena é que as costas de Arthur não estão magras e seu cabelo está igual no final do filme, em que a cena com a psicóloga se repete quase perfeitamente igual e ele ri de uma piada que “ela não entenderia”. Na cena final podemos perceber que Arthur está mais saudável e com cabelos brancos, o que indica uma passagem de tempo.

Cena do filme “Coringa” de Todd Phillips. Na imagem, o ator Joaquin Phoenix como o personagem. | Fonte: Warner Bros. Pictures

Considerando as cenas acima, podemos pensar na possibilidade de o filme inteiro ter sido criado pela mente de Arthur enquanto preso no Asilo Arkham, até o ponto em que ele escapa e a história contra o Batman tem início.

Sendo essa observação verdadeira ou não, o fato de a história do vilão ter sido respeitada e mostrada genialmente segue sendo verdadeiro. E a atuação de Joaquin Phoenix segue sendo impressionante e deixando a todos de boca aberta.

Coringa está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil e já ultrapassou a marca dos US$800 milhões em arrecadação mundial.

Confira o trailer do filme:

Eu maquiada de Coringa, inspirado em Heath Ledger, no Halloween de 2015.

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