Crítica à crítica de arte
Por David Kusniec
Amo brincar de fazer filmes. De assisti-los, gosto. Papear sobre com amigos, enfrento. Mas analisá-los numa crítica? Nem ferrando!
São três da manhã de uma quinta-feira. Às sete, devo entregar à professora de Estética uma crítica de arte. A princípio, devo porque devo. A última coisa que quero é sofrer numa madrugada de quinta do próximo semestre. Pois sei que sofreria… A certeza, agora, é mesmo grande: eu não consigo, não consigo de jeito nenhum, escrever um texto desse tipo. Há horas que estou preso nesta cadeira; na verdade, há alguns dias já penso no trabalho. Tentei escolher um filme, não deu certo. Um livro, também não. Exposição, performance, arte de rua, circo, teatro, nada. Eu começava a escrever, e uma pedra, obstáculo invencível, interpunha-se entre as primeiras palavras e impedia, de uma vez por todas, o prosseguimento do texto. Não sabia exatamente o que era essa pedra.
Pareceu-me uma saída possível encontrar um objeto que estivesse mais próximo de mim, até mais do que um filme favorito; e, talvez, um objeto que não fosse imediatamente considerado uma forma de arte. Decidi, então, que escreveria sobre a experiência estética “Cruzação maior e outras cruzações da Av. Pacaembu”, escrita pelo meu querido amigo, Igor Toffoli. Pensei que, por se tratar da obra de um amigo, seria engraçado e a coisa fluiria. O Igor me enviou o texto, eu li e fiquei sem palavras (isso é tudo o que consigo dizer sobre sua obra). Comecei a entender do que se tratava aquela pedra.
Mário de Andrade diz: “quando a alma fala, já não fala a alma”. No meu caso, nem sequer fazer a minha falar eu consigo. Sei que as obras de arte a tocam; geram experiências, sabedorias, sentimentos… Mas quando tento engendrá-los numa forma — por exemplo, a forma de um texto escrito — , é impossível fazê-lo com precisão absoluta. Ainda que fosse o rei das palavras, algo se perderia, e eis o que eu não suporto. Não suporto, de jeito nenhum, perder um mísero grãozinho de uma coisa tão importante. E, no exato momento em que noto esse grãozinho perdido, ele se torna a pedra que impede meu texto.
Ocorre-me um último pensamento: e se, então, eu escrevesse a respeito de uma obra que não gosto; que, a mim, não tenha valor? Penso um pouco. Mais um pouco. Um pouquinho. E, logo, Pfffffff— o som do meu deboche! Sou apenas um estudante. Por que escrever um texto só para dizer que achei algo ruim? Ainda que fosse um crítico de arte influente, acho que não seria da espécie destrutiva. Tipo, OK, cara, há coisas ruins por aí. E?. “Ah, mas e quanto àqueles que apontam as coisas ruins em ordem de melhorá-las, ou de gerar reflexões? Aqueles que são construtivos! Por quê não faz isso?”, você me pergunta. E eu respondo: “sim, claro, é maravilhoso que as pessoas façam isso, mas é que eu simplesmente só consigo ser construtivo em um único espaço: o inventável. O que parte do zero; que tem, claro, intertextos e um monte de referências ou repertórios-bases; mas que não surge diretamente de um objeto já existente, e que não fala a partir desse, sobre esse. No meu espaço, não há grãos a serem perdidos. Aparentemente, é só assim que eu consigo ser construtivo.