Death Stranding: sobre conectar

Pedro Morales Zanchetta-Oliveira

Pedro Morales
Araetá
7 min readMay 29, 2020

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Hideo Kojima, célebre desenvolvedor de videogames japonês, ficou conhecido pela criação da saga Metal Gear, uma série de games responsáveis por influenciar e reinventar as mecânicas e as narrativas de toda uma geração de jogos eletrônicos. Considerado por muitos como um titã nessa indústria, Kojima se desvencilha da desenvolvedora da qual era empregado (Konami), para fundar a sua própria empresa (Kojima´s Production) com o intuito de criar seus jogos com menos cerceamentos comerciais. O primeiro fruto dessa manobra é Death Stranding (2019), um game que subverteu os padrões da indústria e fundou um novo gênero mecânico-narrativo.

O protagonista de Death Stranding observando uma cratera proveniente dos eventos apocalípticos desse mundo. Acima, estão as entidades que representam as Cinco Extinções que a vida terrestre já enfrentou.

Death Stranding (2019) é uma distopia assustadoramente atual. No universo da história do jogo, eventos catastróficos obrigaram as pessoas a viverem isoladas umas das outras. A obra é ambientada em um mundo que fora afligido por explosões cósmicas responsáveis por perturbarem profundamente a realidade dos humanos. As explosões desencadearam uma fusão do mundo dos mortos com o dos vivos, o que fez com que as agressivas almas dos que morreram começassem a povoar regiões do globo, principalmente as regiões mais chuvosas. As chuvas, em razão do contato com as substâncias tóxicas provenientes das explosões, são capazes de acelerar a passagem do tempo de tudo o que é molhado por ela, envelhecendo a pele de todos os seres vivos surpreendidos por uma tempestade e transformando todas as cidades em ruínas. Para completar o caos, grupos de saqueadores e terroristas são facilmente encontrados em cada canto desse mundo, que se tornou tão inóspito. Dessa forma, as pessoas são obrigadas a se isolarem em seus abrigos particulares e quase nunca saem para fora deles. É por isso que, durante a jogatina, é raro encontrar pessoas andando por aí. O mundo do jogo é vasto e vazio, e a experiência de jogá-lo pode ser um exercício de solidão.

Sam fazendo uma de suas entregas.

Em Death Stranding, a população torna-se dependente de uma classe de pessoas específica: os entregadores (ou porters); os poucos humanos que ainda ousam caminhar nesse mundo desolado, a fim de fazer entregas de equipamentos e suprimentos entre as centenas de abrigos isolados espalhados. O jogador controlará um desses entregadores: Sam Porter Bridges (Norman Reedus), e seu trabalho vai ser enfrentar esse mundo exterior com centenas de quilos de caixas nas costas entregando seus equipamentos nos abrigos que os solicitaram. O jogo não é sobre disparar, socar ou matar, como é na maioria dos blockbusters, mas é sobre conectar um mundo isolado.

“A maioria das ferramentas em games de ação são paus. Você soca, dispara ou chuta. A comunicação é sempre por meio desses ‘paus’. Em Death Stranding, quero que as pessoas estejam conectadas não por paus, mas por equivalentes a cordas…” Kojima, Hideo.

Sam e BB (Baby Bridges)

O grande objetivo de Sam vai ser unir o mundo e conectar todos os abrigos isolados através da rede quiral, um tipo de internet poderosíssima capaz de não só transmitir informação pelo ar, mas também transferir matéria. Armado com um bebê especial que protege o protagonista das almas dos mortos vagantes, Sam (jogador) vai caminhar sozinho por milhares de quilômetros, passando por campos desertos e montanhas geladas, fazendo entregas e conectando os abrigos à rede quiral. “Nós podemos voltar ao que era antes se continuarmos a fazer entregas e conectando pessoas, tenho certeza disso.” é a fala de Amelie, a irmã de Sam. O jogo vai trabalhar com o conceito da corda, da conexão e da ideia de que só seremos salvos se a sociedade fragmentada finalmente se unir.

Para alguns, a experiência do jogo pode ser bastante entendiante, afinal, ele consiste basicamente em caminhar, administrar o peso de cargas, escolher rotas seguras, chegar ao destino e entregar as caixas. Na maior parte do tempo de jogo, o jogador estará fazendo isso, há poucos momentos de ação e adrenalina. Se for dar uma chance para ele, tem de estar preparado para ficar horas e horas percorrendo um trajeto gigante a pé para entregar um kit médico e uma peça faltante de um ar condicionado, por exemplo. Particularmente, eu me sentia bem fazendo esse tipo de trajeto, minha mente entrava quase que em um estado meditativo ao andar e contemplar a beleza desse mundo tão bonito e tão vazio.

Sam carregando um corpo para incinerá-lo. Se não o fizer, a alma do cadáver irá vagar para sempre nesse mundo.

Apesar disso, o jogo possui uma história extraordinária, nunca vi nada parecido. Kojima e sua equipe criaram um universo muito rico e detalhado. Os personagens são todos muito humanizados e na história, são trabalhados temas muito profundos, sobre vida, morte e a importância da união da raça humana para vencer a extinção. A figura do próprio jogador ganha um destaque metalinguístico na história. O jogador é tratados como um tipo de entidade chamada de Homo Ludens, “o homem que joga”, e a profecia da ficção diz que ele seria responsável por unir a sociedade do jogo e salvar a todos.

Mesmo a premissa sendo simples, a história é muito profunda e complexa, por vezes até confusa. Há muitas partes enigmáticas, mas também há muita redundância em certos momentos: certos conceitos, como a Praia (teoria escatológica da mitologia do jogo), são explicados e reiterados de maneira saturada e maçante. Mas um dos principais problemas que vejo no jogo é a falta de foco. Das minhas cinquenta horas de jogo, apenas cerca de dez foram narrativamente relevantes. As outras quarenta, como eu disse, foram gastas carregando cargas do ponto A para o ponto B, do ponto B para o C e assim por diante. Não estou querendo dizer que a mecânica de entregas é ruim, muito pelo contrário, é uma forma de jogar muito inovadora e que carrega consigo o conceito primordial da obra, o de conectar. No entanto, seu excesso pode ser cansativo e, querendo ou não, esse é um fator que reduz a fluidez da narrativa e pode transformar boa parte da experiência com o game em algo maçante e repetitivo.

Heartman se preparando para morrer pela quinta vez no mesmo dia.

Mesmo assim, isso não exclui o poder artístico de sua narrativa. E que história bem contada! Os personagens são muito bem construídos, com destaque ao Heartman, esse cientista que construiu um dispositivo que o mata e o trás de volta repetidas vezes durante o dia. Enquanto está morto, Heartman procura sua família no mundo dos mortos e enquanto está vivo, estuda sobre os eventos apocalípticos desse mundo.

Esteticamente, Death Stranding é inegavelmente belo. Com gráficos de alta geração, o jogo exibe um mundo aberto arrebatador e personagens muito realistas, com atuações capazes de fazer muitos atores de cinema sentirem inveja. Vale destacar que o elenco contém atores renomados como Mads Mikkelsen (Cliff), Norman Reedus (Sam) e Lea Seydoux (Fragile). O roteiro de Death Stranding é extremamente inovador e certamente não se limita a simplesmente fazer entregas. É uma história muito profunda e trata de uma realidade que, apesar de parecer muito fantástica, é um reflexo da fragmentação da espécie humana, da nossa tendência ao isolamento em escala macroscópica. O jogo foi originalmente concebido como resposta ao Brexit e a política separatista de Trump, mas a questão se estende à realidade de isolamento que o covid-19 produziu. Mesmo com seus empecilhos e repetições, é um jogo que definitivamente merece ser experienciado por quem busca narrativas densas e socialmente relevantes.

O persondagem, Cliff (Mads Mikkelsen). Mads ganhou o prêmio de melhor atuação com Death Stranding no The Game Awards 2019.

Onde encontrar?

O game é exclusivo para Playstation 4. A versão digital pode ser encontrada na loja da Playstation Store, mas por ser mais cara, recomendo as versões físicas mais em conta, encontradas no Submarino e na Lojas Americanas.

Quanto custa?

Playstation Store: 250 reais

Lojas Americanas: 108,99 reais

Submarino: 76,49 reais

Quando?

Estará disponível, pelo menos, até essa geração de consoles se tornar obsoleta. Ao adquirir a mídia do jogo, poderá jogá-lo até o fim dos tempos. Ou até que seu irmão menor risque o CD.

Saiba mais

Aqui está o trailer de lançamento de Death Stranding

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