‘Del otro lado’
O documentário colombiano como exemplo de paz e reconciliação dentro do contexto do pós-conflito armado na Colômbia
Por Sofía Urrego
A mãe de Iván Guarnizo, diretor de cinema colombiano, morreu poucos dias depois do início dos diálogos de paz entre as FARC e o governo colombiano. Ela tinha sido sequestrada durante quase dois anos pela guerrilha e antes de morrer, disse ao seu filho que ela tinha perdoado tudo, porém, esperava que ninguém mais tivesse que passar por uma experiência similar. O doloroso tema do sequestro foi evitado pela família por vários anos depois da liberação de Beatriz, chegando a esquecer um diário que ela escreveu nos 603 dias de sua retenção.
O documentário “Del otro lado” (“Do outro lado”), mostra a busca de Iván e seu irmão para entender essa vivência que a mãe deles teve que suportar, visitando os lugares pelos quais ela passou no meio do mato, e procurando os guerrilheiros que a mantiveram e que possivelmente estariam desmobilizados graças aos acordos de paz. O filme acompanha um contexto de pós-conflito cheio de incertezas e instabilidade, no qual nem sempre se cumpre o que foi acordado, como por exemplo com os assassinatos aos desmobilizados. Ao seguir as palavras escritas da mãe, os dois irmãos percorreriam o caminho do perdão e durante sua pesquisa e suas viagens, se perguntam se eles serão capazes de perdoar também.
Assisti este filme na passada Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e tenho que admitir que chorei desconsoladamente em repetidas ocasiões. Meu país, Colômbia, é um dos países mais violentos no mundo e sua história está marcada pelo sangue derramado de meus compatriotas. Enquanto assistia ao documentário, lembrava de cada uma de minhas experiências relacionadas ao conflito armado; conversações, noticiários na rádio e na TV, músicas, leituras, aulas… Embora tive o privilégio de não estar envolvida diretamente com o sofrimento que esta guerra de mais 50 anos trouxe para tantas famílias, não posso me manter indiferente frente a esta problemática.
Cresci ouvindo as histórias dos passeios que terminavam sequestros, das crianças de minha idade que eram recrutadas, dos campos minados que explodiam as pernas das pessoas, dos pequenos povoados atormentados tanto pela guerrilha quanto pelos paramilitares, das torturas, dos subornos e da droga… Lembro da aula no ensino médio em que, pela primeira vez, estudei a história do conflito armado. Esse dia fiquei chocada ao perceber a complexidade do assunto em que não é possível uma análise que se reduz a julgar quem é o “herói” e quem é o “vilão”. A violência acontece em todas as direções e todos os colombianos sofrem as consequências.
O documentário apresenta aos cidadãos, guerrilheiros e governantes como pessoas, mostrando uma visão humanizadora deste conflito e como percorrer o caminho do perdão como país é uma tarefa difícil. Através da sabedoria de dona Beatriz, o espectador se torna mais um terceiro integrante na equipe de Iván e seu irmão que se identifica com o sofrimento e o amor, questionando-se sobre a possibilidade do perdão. Lembrei de meu pai falando na época do plebiscito sobre os Acordos de Paz, defendendo que “todos somos colombianos”. Senti essa frase com todo meu ser na conversa entre os irmãos e o guerrilheiro que manteve a mãe deles no mato por dois anos. No seu diário, dona Beatriz falava de um carinho especial por esse guerrilheiro que a cuidou, quase como de mãe-filho.
A experiência que o diretor apresenta é uma em um milhão e pode até parecer ilusória e utópica. No entanto, esse caso particular de diálogo e reconciliação serve de exemplo para milhares de colombianos que ainda estão no processo de perdoar e de se reincorporar à vida. Definitivamente, o filme deixa um sentimento de esperança no espectador da possibilidade de converter o ódio, a violência e a raiva em amor, perdão e justiça. O diálogo é supremamente importante neste processo de sanar e falar com o coração disposto faz muito mais do que mil exércitos.
Vai lá!
Onde? Proximamente em RTVCplay, uma plataforma de streaming.
Quanto? Gratuito!
Quando? Proximamente!
