Dois Papas

Weena Shiratsuchi Gonçalves

Weena S. G.
Araetá
7 min readJun 13, 2020

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“Dois Papas” foi para os cinemas em 2019, ele foi indicado a quatro globos de ouro, entre eles de melhor ator e melhor filme de drama, e fala sobre um assunto extremamente atual, baseado em acontecimentos muito próximos da criação do filme, que ocorreram no início de 2013.

Os dois protagonistas conversando no jardim do Papa.

A trama do filme se trata de um suposto encontro entre duas figuras importantes para a igreja, o Papa Bento XVI e o cardeal argentino Jorge Bergoglio, que decide se aposentar mais cedo devido as suas divergências com o modo de como a igreja funciona abaixo do papado atual. Bergoglio envia sua carta desejando sua aposentadoria para o Papa, mas é em vez disso convocado para um visita, onde os dois tem uma conversa que dura bem mais que um dia, onde o tempo e suas trocas os levam a se entender de pouco a pouco. Pode-se dizer que o protagonista do filme é o cardeal Bergoglio, porém quando começamos a aprender mais sobre o Papa, começamos a acompanhá-lo também como um protagonista secundário.

O que é a igreja desde sempre, que não o apoio para as massas de pessoas crentes e carentes? E o que será ela hoje e sempre, se não exatamente isso? E como uma igreja pode apoiar pessoas que não entende? Que não mudou junto delas, quando elas mudaram naturalmente, junto do tempo? A fé, acima de tudo, nasce de uma necessidade humana de acreditar que não está só no universo. De que não acaba tudo depois que você morre, e que as coisas fazem sentido no final das contas. É preciso se falar a mesma língua para se comunicar, ou pelo menos sinais e imagens que as partes envolvidas na comunicação reconheçam, para se estabelecer uma conexão estável. O diretor Fernando Meirelles comenta, em uma entrevista com a BBC, que estava atrás de um “Padre legal”, esse padre, no filme, foi interpretado como o personagem Bergoglio, que se utiliza de uma visão “próxima do povo” para se tornar o padre legal. Ele é mais próximo do povo, e de Deus, do que da igreja.

Bergoglio perdoando o Papa por seus pecados, assim como o Papa fez com ele.
Bergoglio perdoando o Papa pelos pecados que ele cometeu, assim como o Papa fez a ele.

O filme, diz Meirelles também na entrevista, é sobre os “momentos onde perdemos a fé”, momentos esses em que o sofrimento humano é gritante, às vezes aparentemente gerado por outro indivíduo, mas o diretor afirma que queria escrever um roteiro sobre tolerância, uma vez que ele acredita que é exatamente isso que o Brasil e o mundo precisam, e o filme deixa claro a posição dele. A cena mais explícita de tal olhar é a cena onde Padre Bergoglio é perdoado pelos pecados que cometeu, onde os dois Papas discutem: “Quem seria puro o suficiente para ser Papa?”.

O filme tem facilmente identificável uma tendência, a comparação entre o conservador e o “Atual”, a grande divisa aparente entre a igreja moderna, e a igreja conservadora, e como a igreja e seus seguidores encaram tal discrepância. Sobre como o mundo muda, e as pessoas mudam com ele, assim como suas vidas, e suas crenças. A repetição desse paralelo sendo uma constante explícita na fotografia e no enredo do filme, durante as cenas, os cortes, aos personagens e suas falas.

Irônica essa comparação aparentemente “inegável”, uma vez que o filme se inicia com algo que parece muito moderno para uma igreja: A eleição do papa sendo enquadrada como uma eleição política. Não só enquadrada, como ela acaba sendo uma eleição política. Como diz um dos repórteres no início do filme: “Very spiritual but nonetheless very political”. Outra comparação que me veio à cabeça, seria a imagem de um show. Com hora marcada, câmeras e muitos fans. E em um momento do filme, até autógrafo do próprio papa. Esse enquadramento coloca em xeque a separação entre o antigo e atual e faz a pergunta: “É tão diferente assim, de modo que não possa haver um meio termo?”

Durante o filme, há diversos paralelos que acontecem propositalmente para elevar o contraste, como cortes rápidos entre situações semelhantes, mas que ocorrem de forma distinta entre os dois papas, como durante o jantar na casa do Papa Bento. Ainda assim o que mais chama a atenção como separador gritante entre o antigo do novo ao meu ver, são as músicas “modernas” e os locais sagrados que se contrastam com elas. Uma cena especialmente chamativa que explícita paralelos do tema, é quando Bergoglio se encontra em uma igreja e observa seus morais com histórias bíblicas, enquanto saxofone toca no fundo, logo depois um órgão assume seu lugar e o Papa Bento entra em cena. O filme é inteiramente composto por cenas que propositalmente cortam rapidamente entre o cardeal e o papa, constantemente os colocando em paralelos, sendo eles conversando com as mesmas pessoas de formas completamente diferentes, até fazendo coisas mundanas como assistir TV da maneira distintas.

Logo depois, uma troca muito interessante ocorre quando Papa Bento, que deveria ser o lado conservador dos dois personagens, conta ao cardeal que irá renunciar. Bergoglio se torna o lado conservador da troca, discordando com a decisão e até comparando a decisão a Cristo na cruz, afirmando que Cristo não havia descido da cruz, assim como o Papa deveria morrer no cargo.

Os Papas assistindo futebol juntos.

Também nesse tema, o filme trata não apenas das diferenças entre os personagens e suas crenças, mas também de suas semelhanças. Um exemplo claro se dá quando os dois assistem TV. Os dois assistindo algo extremamente atual, como futebol e fórmula 1.

O filme trabalha com cortes rápidos mas não exagerados, em especial uma cena quando Bergoglio conta sobre seu passado para o Papa como justificativa de não poder assumir o papado, podemos entender e simpatizar com seu estresse e desespero da situação, uma vez que os cortes demonstram como ele sentia passando pelas situações descritas.

O filme foi em geral recebido muito positivamente pelo mundo inteiro, mesmo falando de um assunto tão polêmico e problemático quanto religião, tendo grande sucesso nas salas de cinema e rapidamente migrando para os recursos de “streaming” como a Netflix. Isso ocorre uma vez que o filme foca, acima de tudo, em humanizar e trazer os Papas para um mundo palpável, onde há uma conversa entre dois seres humanos, onde os erros e “pecados” que eles cometem não são uma ofensa a Deus e a religião, mas sim apenas uma tendência bem humana de errar. Além disso, como dito anteriormente, o filme tem um apelo às massas, uma vez que o Padre Bergoglio é visto como uma figura “do povo”.

Uma visão negativa específica do filme foi relatada, porém, por uma parte do público preocupada com o filme ser baseado em “fatos reais”, porém tomar muitas liberdades com todos os elementos, desde acontecimentos, até a personalidade dos personagens. Não há sequer registro de um encontro entre os Papas, quem diria do restante retratado no filme. O filme trata de um assunto muito significativo, e, como destaca uma das críticas no site “O Brasil de fato”, muitas pessoas não conhecem os fatos, e possuem apenas a visão do filme sobre o ocorrido. Uma parte do público chega a começar uma espécie de idolatria às figuras reais, apesar de conhecer apenas os personagens romantizados do filme.

Dois Papas é um filme com uma fotografia e enredo pensados cuidadosamente, onde a compreensão do público aos personagens, e dos personagens um ao outro, levam a conclusão final do filme, que apesar de não muito preso há fatos, tenta ensinar uma lição que pode ser tirada, mesmo que ficticiamente, de um ocorrido importante.

Inicialmente assisti o filme por fazer parte de um trabalho, mas decidi revisitá-lo, uma vez que achei ele bem interessante para ser comentado. Ao estudá-lo e vê-lo pela segunda vez, descobri que gostava do filme se prestasse atenção aos detalhes colocados no desenvolvimento dele.

Despedida dos dois protagonistas nas últimas cenas do filme.

O filme pode ser visto na Netflix, um sistema de streaming mensal de R$21,90 por mês, onde é possível assistir a obra a qualquer momento desejado.

Em seguida vai um link de uma entrevista da BBC com o diretor do filme:

Por fim, eu daria uma nota 4 laranjas de 5 pela minha experiência com o filme! :D

olha só sou eu na quarentena

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