‘Drive My Car’

‘Se esperamos verdadeiramente ver outra pessoa, devemos começar olhando para dentro de nós mesmos’

Matheus Vassimon
Araetá
4 min readMay 15, 2022

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Por Matheus Vassimon

Capa do filme ‘Drive My Car’, de Ryusuke Hamaguchi

Haruki Murakami, em seu conto Drive My Car, com pouco mais de trinta páginas, é capaz de mergulhar profundamente no vasto oceano do amor e do luto, da solidão e da saudade. O autor, com maestria, desliza por entre as nuances da conexão humana e penetra, suavemente, nos mais íntimos sentimentos das personagens. O leitor, sem nem reparar, já se observa no banco de trás do pequeno SAAB acompanhando cada detalhe da jornada.

Evidentemente, a adaptação de uma obra como essa apresenta um certo desafio. Ryusuke Hamaguchi, no entanto, não só é capaz de alcançar a profundidade semântica do texto, como se propõe a expandi-la, retratando com mais clareza a individualidade das personagens e trazendo à tona, com uma ênfase quase que incômoda, a presença e a passagem do tempo. Cria-se, dessa forma, um longa-metragem, merecedor do prêmio de melhor filme internacional que lhe foi concedido no Oscar de 2022, que leva o espectador, por quase três horas, em uma viagem onírica e melancólica a bordo do pequenino carro vermelho.

A narrativa acompanha Yusuke Kafuku, impecavelmente interpretado por Hidetoshi Nishijima, um diretor-ator de meia idade, calmo e educado, casado com uma roteirista chamada Oto. De cara, o espectador se depara com uma história trágica. O casal, anos antes, sofreu a perda de uma filha de 3 anos de idade. Imediatamente observa-se que este acontecimento apagou qualquer chama de paixão do relacionamento. Admitir isso, no entanto, aparenta ser doloroso demais para ambos e o casamento se mantém sob uma aura fria e cinzenta. Oto se vira ao adultério e Yusuke enterra suas feridas de forma a manter o relacionamento vivo. A situação só é mais agravada, no entanto, pela morte abrupta da esposa.

Passam-se 2 anos e Yusuke, que se prendeu em seu pequeno mundo pessoal e introspectivo, representado pelo SAAB vermelho, se vê, devido a acontecimentos fora de seu controle, forçado a contratar uma chofer. Esta situação dá início, enfim, ao arco central do enredo apresentado. A jovem Watari Misaki é a primeira pessoa a entrar e, ainda mais, dirigir o carro de Kafuku desde a morte de Oto. Mais do que apenas um fator trivial, Hamaguchi busca demonstrar que a motorista representa uma primeira oportunidade de abertura de Yusuke, acerca de seus sentimentos, com outra pessoa. É entorno, portanto, do contato entre Kafuku e Misaki, que o filme se desenvolve.

Cena do filme ‘Drive My Car’, de Ryusuke Hamaguchi — Yusuke e Misaki fumando no carro

Drive My Car é um filme incrivelmente denso e recheado de metáforas, simbologias e enredos que se entrelaçam das formas mais inesperadas. Uma das maneiras como Ryusuke Hamaguchi consegue manter todos esses elementos conectados é por meio do paralelo criado entre a história do protagonista e a narrativa da peça de teatro que ele dirige: Tio Vânia, de Anton Tchekhov. Em diversas ocasiões, o espectador observa Yusuke recitando trechos da peça, que, sem muita dificuldade, se conectam com o passado e presente do próprio ator. A atmosfera do filme é muito incrementada, em realidade, pelo caráter lento e melancólico da peça representada.

Não seria difícil passar horas dissecando cada detalhe, frase ou olhar de cada um dos personagens da película. Sem dúvida, mesmo após várias visualizações, ainda faltariam elementos a serem descobertos e significados a serem destrinchados. De forma a não tornar esta análise, no entanto, excessivamente longa e complexa, basta, aqui, dizer que a obra apresenta um escopo enorme e semanticamente carregado sobre os temas de perda, luto e amor. Evidentemente não se trata de um longa-metragem simples ou de fácil visualização. É inegável, no entanto, que o esforço e a atenção dada a este filme será, na maior parte das vezes, recompensada.

Cena do filme ‘Drive My Car’ de Ryusuke Hamaguchi — Atores em cena da peça ‘Tio Vânia’, de Anton Tchécov

Onde?

Na plataforma de streaming Mubi.

Quanto?

A mensalidade é de R$ 27,90.

Quando?

Os filmes permanecem na plataforma por tempo limitado. Acesse agora para não perder a chance.

Matheus Vassimon — 3CCM20211

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