‘Duna’ e a imagem do déjà-vu

‘Duna’ é uma mistura de ‘Star Wars’, com ‘Senhor dos Anéis’, com uma pitadinha de ‘Harry Potter’. Isso me irrita profundamente

Luiz F Markoff
Araetá
6 min readMay 17, 2022

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Por Luiz Felipe Markoff Aranha

Normalmente não gosto do cinema hollywoodiano. Não sei o motivo, mas simplesmente não me interessa. De vez em quando, porém, acabo por consumir um pouco desse nicho cinematográfico. Duna foi uma dessas vezes nos últimos tempos.

Como gosto de fotografia e não pude falar de nenhum filme dos filmes que me instigam imageticamente (por não terem sido produzidos recentemente), venho através desse texto expressar meu descontentamento com o gosto pela cinematografia atual, esboçada pelo ganhador do Oscar de melhor cinematografia de 2022, o filme “Duna” (2021), dirigido por Denis Villeneuve e fotografado por Greig Fraser.

Além de levar o famigerado Oscar, Duna chegou a ganhar o Cameraimage — principal festival de cinematografia do mundo. Se ele tivesse sido prestigiado apenas com o Oscar, mandaria-o à merda — como mandei — e falaria que o cinema americano é uma verdadeira porcaria. Mas não, o Cameraimage desbancou todo meu apoio emocional.

Busco com esse texto a compreensão do que torna a fotografia de Duna algo a ser apreciado. Sinto que minha ideologia de ódio aos grandes blockbusters possa ter me deixado cego quanto às qualidades imagéticas desse filme.

‘Duna’ é baseado no livro Frank Herbert, que carrega consigo o mesmo título do filme. Anos atrás (1984), David Lynch lançou a primeira versão live action da narrativa de Herbert, o que torna o filme atual um remake.

No filme, o jovem herdeiro da casa Atreides, Paul Atreides, interpretado por Timotheé Chalamet, depois de um golpe de estado, acaba por perder seu pai e seu reino, vendo-se em meio a um planeta pouco conhecido e sob uma profecia de ser o salvador dessa população local marginalizada.

Duna é uma mistura de Star Wars, com Senhor dos Anéis, com uma pitadinha de Harry Potter. Isso me irrita profundamente. Talvez o que menos me agrade no filme é a falta de verdade nas imagens. Tudo que vi, parece que estou revendo, uma vez que no fundo sinto que já me confrontei com essas imagens. Esse sentimento de déjà-vu é agonizante e faz parecer que a fotografia não foi sincera, apenas uma cópia da cópia da cópia da cópia. É claro que a gente pode traçar um caminho de Duna até os Gregos, afinal é isso que a gente aprende na faculdade, mas não é esse meu ponto. Meu ponto é o quanto essas imagens são reais para o próprio fotógrafo, e o quanto elas apenas estão nos moldes e paradigmas fotográficos atuais. Sinto que Greig não quis criar, apenas escolheu as melhores referências para o tema do filme. Mas deixo aqui meu ódio de lado para verdadeiramente buscar o belo em Duna.

As referências imagéticas no filme são claras: temos os céus e a iluminação natural de Nestor Almendros, o facho de luz em meio a fumaça de Gabriel Figueroa, a suave luz lateral de Vermeer e muitos outros recursos já antes utilizados. Mas a boa fotografia de fato não está na técnica, e sim em seu simbolismo. Usar o que já foi usado nunca foi o problema — os maiores fotógrafos sempre usaram…

Imagem filme “Duna”
Imagem filme “O Fugitivo”, fotografado por Gabriel Figueroa
Imagem filme “Duna”
Imagem filme “Days of Heaven”, fotografado por Nestor Almendros
Imagem filme “Duna”
Johannes Vermeer, Óleo sobre tela, 1669, 51x45cm, Museu do Louvre

Sim, são ótimas referências. Greig sabe o que faz. É nesse ponto que me pergunto do porque não ter saído satisfeito da sala de cinema. Recorro então ao campo simbólico das imagens — se a técnica é boa, algo deve ter se perdido nesse aspecto.

O filme apresenta o mundo comum de Paul, e depois esse é levado ao seu novo mundo (literalmente), Arrakis. Na fotografia de do filme, nota-se um contraste entre os mundos:o planeta antigo de Paul é dessaturado, sempre pouco iluminado, com uma luz suave, que talvez represente a frieza do lugar. Já o mundo novo, cheio de deserto que contém uma especiaria brilhante, ganha um tom quente, um contraste de luz maior, e o tom de pele das pessoas ganha brilho — talvez como referência à própria especiaria que o filme tanto explora, no filme há até o elo de o deserto (a fonte das especiarias, ser o lar dos do povo Fremen.

Paul Atreides em seu planeta originário
Membro dos Fremen no planeta Arrakis

Duna busca ser um filme pictórico, com enquadramentos contemplativos como as pinturas de David Friedrich. Você sente a solidão de Paul quanto às suas questões de vida e identidade. O personagem de Timothée carrega muitos conflitos, esses que se transfiguram de forma imagética.

Imagem filme “Duna”
Caspar David Friedrich, Óleo sobre tela, 1818, 94,8x74,8cm, Hamburgo, Alemanha

Outro recurso também utilizado no filme é o isolamento dos personagens, evitando planos conjuntos, e colocando os personagens no centro da imagem, criando uma composição equilibrada e simétrica. Isso combinado com as impressionantes paisagens de fundo, colocam o espectador no ritmo e no sentimento de impotência de Paul — perdido diante de tamanha vastidão.

Se o belo de Aristóteles está pautado na veracidade das imagens para com o nosso mundo visível, sim, Duna seria belo. O filme carrega consigo esse fator naturalista, mas desde o momento em que sentei na poltrona do cinema e vi o primeiro quadro do filme, não fui capaz de deixar de ver o filme como um filme. Meu lado racional consegue reconhecer as escolhas artísticas de Duna, encontrando uma lógica, mas eu, como ser, talvez nunca entenda porque Duna não me agrada. Tem coisas que simplesmente sentimos, não se pode explicar.

O filme se encontra na HBO MAX, podendo ser assinado a R$14,16 mensais. Não há data prevista para a retirada do filme, uma vez que ele é recém chegado na plataforma.

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