Esplendor
por Catarina Forbes de Queiroz Ferreira
“Esplendor” é uma co-produção entre Japão e França de 2017, lançada no Brasil em 10 de maio de 2018. A obra acompanha Misako (Atame Misaki), uma tradutora de audiodescrições de filmes para deficientes visuais, que apresenta seu trabalho em exibições feitas para um grupo de deficientes que avaliam seus textos. Um deles é Nakamori (Masatoshi Nagase), um fotógrafo experiente que, em um gradual processo de perda de visão, é o único que não tem medo de criticar fortemente o trabalho da jovem. Quando ela eventualmente descobre as fotografias de Nakamori, a relação inicialmente conturbada se torna cada vez mais íntima, com ambos cada vez mais dependentes um do outro para perceber e se relacionar o mundo.
Escrito e dirigido por Naomi Kawase, esse é o quinto filme da cineasta que estreia em Cannes, tendo sido competidor da Palma de Ouro ano passado e vencedor do Prêmio do Júri Ecumênico da 70ª edição do festival. Com uma direção delicada e uma linguagem poética, Kawase nos transporta para uma esfera extremamente sensível, buscando não apenas discutir a subjetividade de imagens, mas também a subjetividade da vida.
Isso pode ser observado no que para mim é um dos aspectos mais interessantes do filme, a retratação do próprio processo de audiodescrição. Misako é dedicada no que faz, com o desejo de sempre se aprimorar, de modo a buscar palavras que não apenas narrem ou descrevam ações ocorrendo na tela, mas que traduzam o significado das cenas, a emoção trazida pelas imagens e assim, uma possível interpretação delas.
Rancoroso, Nakamori tenta como pode se refugiar em sua câmera fotográfica e à pequena fresta nítida que ele ainda tem em meio ao claro borrão que é a sua vista. Porém, o inevitável afastamento que ocorre com a perda definitiva de sua visão comove Misako, que, descobrindo o passado e as angústias do fotógrafo, acaba se voltando para as suas próprias questões, como a ausência de seu pai e a doença de sua mãe.
Para nos ambientar em meio às angústias e perdas dos protagonistas, Kawase utiliza constantemente a câmera na mão e também muitos close-ups, grande parte desses enquadrando apenas os olhos dos personagens. Lidando com as imagens e sua ausência, o som e a trilha sonora suave são muito bem trabalhados, ajudando a constituir um ambiente com uma completude que não pode ser apreendida apenas pelos olhos, mas que demanda uma imaginação e subjetividade de quem quiser compreendê-la.
Uma escolha que achei muito inteligente é o uso que ela faz da câmera subjetiva, nos colocando muitas vezes no lugar dos deficientes visuais: ocasionalmente no filme somos submetidos à própria audiodescrição, como no início, em que Misako descreve uma rua movimentada para o espectador. Já em outros momentos, há o uso de câmera subjetiva para nos colocar mais especificamente no lugar de Nakamori. Vemos o que ele vê: um borrão de luz com apenas uma pequena fresta nítida do que ocorre ao seu redor.
No entanto, isso tudo é presente de maneira tão constante no filme que acaba sendo criada uma camada de sentimentalismo que se excede em alguns momentos, como algumas frases de efeito que acabam perdendo seu potencial ou o uso de imagens e luzes que embelezam o filme, mas que ao final, acabam tendo um uso saturado demais.
O que Kawase propõe com seu filme, portanto, mais do que uma busca por respostas, é a experiência sensorial de como perceber o mundo com a falta das imagens, apostando em uma estética que nos coloca no lugar desses deficientes, e assim, nos força a formar e construir a nossa própria subjetividade em relação ao que nos cerca.
Mesmo apelando às vezes um pouco demais para o sentimentalismo, “Esplendor” é um belo e bom filme, com uma premissa que funciona e faz com que o espectador se cative com a história e seus personagens, saindo do cinema refletindo sobre como ele enxerga, ouve, percebe e sente o mundo a sua volta.
Onde? Caixa Belas Artes, Espaço Itaú Augusta, Cinesala, Reserva Cultural, Kinoplex Itaim.
Quanto? na faixa de R$ 15,00 a R$ 35,00, podendo chegar à R$ 67,00 dependendo do cinema.
Quando? Nos cinemas todos os dias da semana, em horários que variam das 14:00 até às 22:00, dependendo do cinema.
Até quando? Varia para cada cinema.
Links relacionados:
Trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=7coGuoLt-RE
Notícia com a justificativa da entrega do Prêmio do Júri Ecumênico: http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/cannes/noticia/2017/05/27/hikari-de-naomi-kawase-ganha-o-premio-ecumenico-de-cannes-286320.php
Coletiva de imprensa com a diretora e o elenco do filme em Cannes: https://www.youtube.com/watch?v=mo9GHBdWJZo