'F*ck Anyone Who's Not a Sea Blob'
O segundo episódio especial da série ‘Euphoria’ é um oceano de emoções
Por Anália Dualibi Messas
Estreada em 2019, a produção estadunidense baseada numa minissérie israelense de mesmo nome, Euphoria, dirigida pelo cineasta Sam Levinson, tornou-se um fenômeno entre o público jovem adulto e recebeu logo sua renovação para uma segunda temporada. No entanto, devido às restrições demandadas pelo COVID-19, o início das gravações de uma nova temporada tiveram de ser adiadas. Não querendo deixar o público esperando, com uma equipe reduzida, Sam Levinson prontificou-se a criar dois episódios especiais intimistas de aproximadamente 50 minutos cada, ambientados entre o período da primeira e segunda temporada. Em Dezembro de 2020, Trouble Don’t Last Always — Part 1: Rue era lançado, e, em Janeiro de 2021, F*ck Anyone Who’s Not a Sea Blob — Part 2: Jules.
A segunda parte é o único episódio da série, até então, a ser co-escrito, levando o nome do diretor Sam Levinson e da atriz Hunter Schafer, que interpreta a personagem Jules Vaughn. Essa é a primeira oportunidade que o público tem de entender a história de um ponto de vista além do de Rue, interpretada por Zendaya, quem narra não só a primeira parte dos episódios especiais, como a primeira temporada inteira é vista a partir de suas ambíguas memórias. Nesse episódio, por outro lado, temos uma conversa inteiramente dedicada aos sentimentos e vivências de Jules. F*ck Anyone Who’s Not a Sea Blob acompanha a primeira sessão de terapia de Jules, na véspera do Natal, pouco tempo depois dos acontecimentos da primeira temporada, em que Jules é deixada por Rue na estação de trem para fugir sozinha da cidade. Quando questionada sobre esse tópico, a cena corta para o olho de Jules, que reflete acontecimentos passados enquanto “Liability”, da cantora Lorde, toca ao fundo, uma música que possui uma narrativa que combina-se perfeitamente com a jornada de Jules.
Durante a conversa com a terapeuta, Jules aborda diversos tópicos que a angustiavam, enquanto esses são rebatidos para que suas percepções fossem ampliadas. Jules, em uma linda metáfora, compara a si e sua experiência ao oceano: forte, intenso, feminino, bonito e livre. Ela reflete sobre sua feminilidade de um ponto de vista de uma garota transsexual, que baseou tudo que considerava feminino à partir do gosto masculino, e como era dura sobre si mesma para alcançar esse padrão de beleza e personalidade em que seria desejada pelo homem e não seria julgada por outras mulheres — essa perspectiva é corrompida quando conhece Rue, a primeira pessoa que a vê além dos padrões e camadas que impôs para si própria. Jules aponta a transsexualidade como algo espiritual em constante movimento, que transcende da binariedade; mas que infelizmente, quando é submetida às convicções sociais, acaba se tornando algo binário. A sua alternativa de deixar de tomar hormônios seria como desamarrar-se do modelo imposto.
Ao mesmo tempo que sua relação com Rue fora um descarregamento, ainda existia uma parte de si que guardava mágoas da amada. Os episódios anteriores deixaram o público aborrecido com Jules, até o momento, tínhamos conhecimento apenas da dor que causou à Rue – pela primeira vez seria exposto o outro lado. Jules carregava o peso da sobriedade de Rue nas costas, sentia a culpa por qualquer recaída que ela tivesse. Em paralelo, enfrentava a relação conturbada que tem com sua mãe, também dependente, traçando um retrato entre o vínculo que possuía com essas duas figuras femininas.
A pressão constante que vivia desde nova com sua mãe, mostrada em forma de flashbacks, era aliviada através de relações líquidas, intensas enquanto tinham que durar e que estimulavam sua imaginação — onde acontecia maior parte desses relacionamentos. Ela sentia que eram tão verdadeiros quanto o que teve com Rue. O episódio termina em aberto para uma segunda temporada, com um emotivo reencontro entre Jules e Rue, onde ambas confessam estarem com saudades uma da outra e desejam boas festas.
Euphoria teve seu devido sucesso por tratar de forma tão crua a adolescência e todas as suas possíveis conturbações e os episódios especiais não são diferentes. F*ck Anyone Who’s Not a Sea Blob, no entanto, é possivelmente o mais honesto episódio por trazer o próprio aprendizado da Hunter Schafer, uma mulher transsexual, assim como Jules. É um episódio que trata de relacionamentos, sejam familiares, amorosos, on-line, sociais ou consigo mesmo, de forma leve e genuína.
Particularmente, Jules nunca foi a personagem com que mais me identifiquei, nossas personalidades são diferentes e nossos backgrounds ainda mais, contudo, ao assistir o episódio eu me reconheci em muitas coisas que dizia, de forma que eu precisava pausar para poder refletir sobre o que tinha acabado de ler na legenda. É tocante saber que, em muitas ocasiões, você não é a única a pensar de X maneira, de sentir-se de Y, e o roteiro facilita muito para essa identificação. Além do roteiro divino, a atuação de Hunter é outra coisa que supera expectativas quando paramos para pensar que esse é seu primeiro trabalho como atriz — é notável como colocou seu corpo e alma para interpretar Jules. Mesmo com todas as restrições na época por conta da pandemia, a cinematografia também não decepciona, entregando algo de mesmo nível da primeira temporada, muito elogiada pela crítica, principalmente durante os flashbacks, onde o uso de cores e movimento era mais frequente. É uma obra que te deixa admirado e reflexivo ao mesmo tempo, ansiando por mais — prometido à ser entregue na próxima temporada.
VÁ LÁ!
Onde? HBO Max
Quanto? A plataforma oferece planos à partir de R$19,90 por mês
Quando? Quando quiser! O episódio é original da plataforma
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