‘Family Romance, LLC’ e a objetificação das emoções

Herzog em a ilusão da realidade

Cecília Coêlho
Araetá
4 min readNov 16, 2021

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Por Cecília Coêlho

Trecho de Family Romance, LLC, do cineasta alemão Werner Herzog Foto: Reprodução

Em seu último longa-metragem, o exímio diretor Werner Herzog aborda temas de uma sociedade solitária e carente. Yuichi Ishii é o presidente executivo da Family Romance, uma empresa que aluga humanos de substituição para todas as necessidades dos seus clientes — um membro de família para uma ocasião especial, alguém para assumir a culpa de um engano no trabalho, um estranho para ajudar a reviver o melhor momento da vida.

O filme teve sua estreia interrompida devido à pandemia, a estreia original estava programada para março de 2020, contudo foi passar nos cinemas brasileiros em outubro de 2021. Mas, seu lançamento não tinha como ser mais coerente com o cenário atual, a solidão que o isolamento social trouxe e o crescente afastamento das relações interpessoais pós-modernas. Ele convoca bastante a humanidade, é cheio de sinais sobre como foi a vida nesse novo milênio com as relações se superficializando, sendo cada vez mais performadas.

Mahiro e Ishii em Family Romance, LLC, Werner Herzog

O tema da substituição de humanos como trabalho remunerado é pertinente quando pensa-se na substituição do homem pela máquina advindo da Revolução Industrial. Porém, a relação que Herzog faz em seu filme é ainda mais obscura, já que são seres humanos sendo pagos para suprirem papéis mal exercidos na vida alheia. O diretor oferece um olhar moderno sobre a sociedade japonesa e o sentimento de insuficiência pessoal — tanto no trabalho, como na família — decorrente do capitalismo. Há uma cena no longa em que isso fica claro, quando Ishii vai a um hotel em que os funcionários são robôs, algo realmente comum no Japão de hoje. Ele entende que seu papel como trabalhador que substitui pessoas é igual a de um robô, já que os robôs se fundamentam no exercício de suprir os seres humanos. Nesta mesma cena o personagem contempla a “existência” de um peixe ciborgue, se equiparando a ele.

Trecho de “Family Romance, LLC”, Werner Herzog

O nome do filme foi dado a partir do nome de uma empresa que existe de fato no Japão cuja especialização é de alugar pessoas prontas a assumir o papel de membros da família de quem contratou o serviço. O filme tangencia excelentemente com o documental, devido aos movimentos de câmera imprecisos, cujo resultado é de um sentimentalismo um pouco irônico, mas ao mesmo tempo sendo íntimo e orgânico. Embora aparente ser orgânico, ele também pode ser visto de modo artificial por consequência da fotografia ter sido feita em uma única câmera decadente da era digital — operada pelo próprio Herzog. Isso faz com que as atuações aparentem bregas e ridicularizadas — simultaneamente sendo assustadoramente verdadeiras — , mas sempre seguindo a proposta da obra. Assim, se passa o filme, durante 1h30, entre o orgânico e o artificial, o ridículo e o sentimental.

Mahiro e Ishii em “Family Romance, LLC”, Werner Herzog

Para fazer-se uma ilusão da realidade, há uma boa dose do ridículo, pois não há como enquadrar por outra perspectiva, senão soaria como uma romantização da desonestidade das relações modernas e do futuro ciborgue.

Por seu caráter documental, ele estabelece uma posição ética não subversiva, mas objetiva, a qual o espectador julga a situação em que a sociedade japonesa se encontra. Ele relata demonstrando sentimentos, especialmente a solidão. Aqui define-se o ponto do filme, um mundo de cópias e e de simulações, onde o documental esbarra no ficcional e o artificial é mais real do que o real. Esses simulacros cotidianos alienam os indivíduos de sentimentos verdadeiramente humanos, gerando uma multidão de frustrados que não sabem lidar com sua própria existência.

Em certa cena, Ishii pergunta ao representante da empresa de robôs se eles têm sonhos, assim como os humanos. E o homem responde apenas que é impossível saber. Desse modo, o filme mostra como ciborgues são mais preparados para lidar com humanos do que os próprios humanos.

Plano final de “Family Romance, LLC”, Werner Herzog

Onde?

Itaú Cultural Frei Caneca, Augusta e Pompeia, Petra Belas Artes.

Quanto?

Ingresso R$40,00 inteira.

Quando?

Enquanto estiver em cartaz.

eu ❤

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