Fosse/Verdon — A arte como realidade
É hora do show
Por Cecília Young
Todos aqueles que se dizem amantes do cinema e da dança vão reconhecer essa frase e o nome de Bob Fosse. Lembra de Liza Minnelli glamourosamente cantando Mein Herr em Cabaret, ou até os milhares de jovens dançarinos naquela enorme audição ao som de On Broadway, em All That Jazz? Se não, me permita apresentá-lo.
Bob Fosse é um dançarino, coreógrafo e diretor norte-americano conhecido pelas suas estranhas coreografias de jazz — com os seus joelhos dobrados, movimentos laterais e ombros revirados que se tornaram ícones do sex appeal no entretenimento. Posso até contar um pouco sobre sua personalidade um tanto agressiva e mulherenga, que é se não um pouco irônica e trágica. Mas, ao invés de fazer isso, convido você a assistir Fosse/Verdon. A minissérie da FX é inspirada no livro bibliográfico Fosse, de Sam Wasson, e conta a intensa realidade vivida pelo coreógrafo e a marcante história de amor com sua parceira, Gwen Verdon.
Sam Rockwell e Michelle Williams vivem Bob e Gwen, respectivamente. Os dois são assustadoramente perfeitos na caracterização de seus papéis e, se existia alguma dúvida do talento deles como grandes atores, não existe mais. Basta assistir a uma entrevista dos verdadeiros Fosse e Verdon para reconhecer todos os maneirismos e particularidades que ambos, Rockwell e Williams, conseguiram adicionar em suas interpretações de forma natural e marcante. E não são apenas esses dois astros do cinema que praticamente incorporam uma personagem — a principiante Margaret Qualley, que interpreta a atriz e dançarina Ann Reinking, namorada de Fosse, está tão bem que é difícil diferenciar ela da verdadeira; e o veterano do teatro, Norbert Leo Butz, que vive o roteirista e melhor amigo de Fosse, Paddy Chayefsky, está hilariantemente nova-iorquino e sarcástico, sem dúvida um espelhamento dos roteiros do próprio Chayefsky.
Não poderia comentar sobre a minissérie sem mencionar seus criadores — Steven Levenson, conhecido pelo roteiro da peça Dear Evan Hansen; e Thomas Kail, diretor de peças como Hamilton e In The Heights. A produção é da própria filha de Bob Fosse e Gwen Verdon, Nicole Fosse; e de Lin-Manuel Miranda, uma das figuras mais célebres do teatro musical contemporâneo. É extremamente valoroso ver o lado criativo da obra ser constituído pelos próprios artistas e trabalhadores do meio em que Fosse e Verdon se consagraram, pois cria uma relação com a descrição dos fatos mais fidedigna e confiável.
A composição da narrativa se assemelha à o próprio filme alto-bibliográfico de Fosse, All That Jazz. Elaboradas cenas musicais, os estúdios de dança, os flashbacks de um passado conturbado — tudo lembra muito o longa-metragem, e aqueles espectadores familiarizados com o trabalho do coreógrafo vão perceber isso facilmente. Claro, não podemos negar que as histórias das duas obras são bastante parecidas, mas o que Fosse/Verdondemonstra e All That Jazz não revela é o lado verdadeiro e cru da passagem dos acontecimentos. Não estamos vendo a narrativa figurada da mente fantasiosa de Bob Fosse, e sim tudo como realmente ocorreu.
Dessa vez, não temos Jessica Lange como o anjo da morte fazendo comentários provocantes, ou um grande espetáculo servindo como sua despedida da vida. Quanto tempo eu tenho? É com essa frase que Sam Wasson inicia sua biografia e é exatamente assim que a minissérie é estruturada. O faz-de-conta acabou e tudo o que sobrou foi a verdade — e a vida não é um cabaret. Ela machuca, destrói e muitas vezes não faz sentido.
Talvez o que a narrativa procure revelar é que Fosse não observava a vida como algo real; para ele — tudo era um meio para o fim, este fim sempre sendo o show business. A dor e as perdas eram meras consequências, pois a adoração à arte criada compensava aquele sofrimento. Gwen é diferente, ainda que seja a estrela e o rosto da relação. Ela sente, ela se importa, e Fosse/Verdon bate muito nessa tecla. Os dois astros eram tão presentes em sua grandiosidade e tão diferentes que, ao mesmo tempo que se destruíam, conseguiam se reunir e criar algumas das mais belas obras de arte.
Essa verdade, de Bob Fosse e Gwen Verdon, é exposta com tamanha coragem que você passa a se perguntar se essa seria a resposta irônica de Nicole Fosse à vida que ela foi exposta. Será que os pais se debateram tanto em prol do espetáculo que ela quis transformar a veracidade em um também? Afinal, muitas das obras de Fosse são sobre a ilusão de uma vida espetacularizada — Chicago, Cabaret, Lenny, Sweet Charity, All That Jazz… Todos mostram uma personagem que vive, ou tenta viver, dentro de um show de aparências, e que acaba se perdendo justamente por isso.
Fosse/Verdon não é apenas um relato do show business pois também exibe o descaso do ser-humano. A minissérie demonstra o que acontece na vida de alguém que troca o amor pelo deslumbre, o real à farsa. Não são só os adoradores do espetáculo que devem se interessar pela história, é qualquer um que procura entender a mente humana nos seus estados mais pobres — o da ganância. Passamos a narrativa inteira não só compreendendo a ambição dos nossos protagonistas, como também se identificando com ela. Nos apaixonamos por Bob Fosse e Gwen Verdon; e dolorosamente torcemos que o final — que é a todo momento da narrativa lembrado — não chegue, e o show não acabe.
O que Fosse/Verdon realmente tenta vender é que a realidade é perversa. O fim das coisas que mais amamos chega em momentos em que menos esperamos e, muitas vezes, nem é tão especial assim. Coisas que lutamos, por anos, para funcionar, por vezes não tem o menor dos êxitos, e aquilo que mais nos machuca é também o que nos salva. Por mais deslumbrante que uma vida aparente ser, não dá para adivinhar como ela realmente é, e essa minissérie da FX consegue imprimir isso com excelente maestria. Deixe-se perder neste grande espetáculo da vida, você não vai se arrepender.
Onde? No aplicativo de streaming da FOX Brasil.
Quanto? R$ 34,90.
Quando? Está na plataforma de streaming indefinidamente.
Saiba mais! A família de Gwen e Bob têm um site sobre o casal.