Hellblade: Senua’s Sacrifice

Por Matheus Silvestroni

Matheus Silvestroni
Araetá

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O mercado de jogos eletrônicos evolui em grandes proporções a cada ano. Seja pelo poder de processamento dos novos aparelhos lançados ou pela qualidade dos jogos produzidos, acompanhar este mercado significa não parar de se surpreender com os recorrentes avanços que ele apresenta. Recentemente, os desenvolvedores estão cada vez mais investindo em jogos que possuam grande profundidade narrativa, o que os torna não somente uma forma de entretenimento, mas também uma proposta totalmente nova e única de se contar uma história. Além disso, os mais modernos aparelhos abrem as possibilidades para que os jogos possuam uma qualidade visual muito maior, o que valoriza ainda mais o trabalho dos artistas e programadores que se empenham tanto em criar uma experiência que consiga entreter o jogador e fazer com que ele se sinta parte do mundo em que está jogando. “Hellblade: Senua’s Sacrifice”, da desenvolvedora Ninja Theory, é um ótimo exemplo de uma obra que possui tanto uma narrativa forte quanto visuais impecáveis, e chama atenção por ser um jogo produzido de forma independente e ainda assim possuir um trabalho técnico digno de grandes lançamentos.

“Hellblade: Senua’s Sacrifice” foi lançado originalmente em 8 de agosto de 2017 para Playstation 4, Xbox One e PC, sendo recentemente adaptado para o Nintendo Switch e relançado em 11 de abril de 2019. Apesar do Switch possuir um poder de processamento inferior ao de seus concorrentes, o visual desta versão é extremamente fiel ao das demais, mantendo-se praticamente intacto e com apenas algumas modificações que só se tornam perceptíveis após certa observação. O jogo roda muito bem também, e não se percebem quedas significativas na taxa de quadros por segundo, mesmo quando temos vários elementos em movimento ao mesmo tempo. O anúncio de que o jogo estaria disponível para o console híbrido da Nintendo, além de ser surpreendente, motivou diversas desenvolvedoras a explorarem o potencial do aparelho e adaptarem seus jogos mais exigentes para ele, como a Blizzard, com “Overwatch” e a CD Projekt Red, com “The Witcher 3: Wild Hunt”.

Comparação entre o desempenho do jogo no Switch (esquerda) e PS4 (direita)

No jogo, acompanhamos a história de Senua, uma guerreira picta que teve seu vilarejo destruído por um ataque viking. Senua sobreviveu, mas seu amado, Dilion, foi brutalmente assassinado pelos invasores. Traumatizada, ela inicia uma jornada até Helheim, o inferno viking, para negociar com a deusa Hela e trazê-lo de volta à vida.

No entanto, Senua não é uma guerreira comum. Ela sofre de severos transtornos de psicose e esquizofrenia, e é atormentada constantemente por dezenas de vozes em sua mente. Além disso, ela também tem alucinações visuais que fazem com que o mundo a sua volta apareça de forma sombria e distorcida, e a experiência pela qual passou antes de iniciar sua jornada fez com que seus distúrbios se tornassem mais fortes do que nunca.

O jogo inicia com a protagonista chegando de canoa à entrada de Helheim. O caminho é repleto de visões grotescas como corpos dilacerados e manchas de sangue. As vozes em sua mente não se calam: umas imploram para que ela volte, outras a incentivam a seguir em frente; umas se simpatizam e temem por sua vida, outras zombam de seu sofrimento e se divertem com ele. Conforme Senua avança por uma floresta, suas alucinações distorcem o local e fazem com que ela veja diversas imagens perturbadoras, até que ela chega a uma praia com uma enorme ponte que leva até os portões do inferno. A partir daí, o jogador deve guiar Senua até lá, enquanto lida também com as dificuldades causadas por sua doença.

Senua e a ponte para o inferno

O jogo possui uma estética fotorrealista, e tanto os personagens quanto os cenários contam com altos níveis de detalhe, e enchem os olhos de quem joga com o admirável trabalho de seus criadores. Em aspectos narrativos, ele também se mostra muito competente; começamos a jogar diretamente com Senua na canoa, já a caminho de sua jornada, sem nenhuma informação sobre o que aconteceu antes disso. Até ela desembarcar, ouvimos uma narração de uma das vozes em sua mente que contextualiza a cena, mas sem revelar muitos detalhes além dos que já foram citados. Conforme a narração avança, ouvimos mais vozes ao fundo, até que somos engolidos por um elenco inteiro delas, que nos acompanhará durante todo o percurso do jogo. Todo o passado de Senua, sua história com Dilion, detalhes sobre sua família, sua doença e seus traumas, são explicados e muito bem desenvolvidos conforme a história avança. O ar misterioso com que o jogo inicia deixa o jogador curioso para saber mais sobre a história de sua protagonista e o motiva a continuar jogando. Além disso, todos os detalhes explorados posteriormente são muito bem encaixados dentro da história, mostrando um trabalho excelente e sem furos por parte dos roteiristas.

O microfone utilizado para a captação do áudio do jogo

Um aspecto interessante sobre as vozes na mente de Senua é que, durante o desenvolvimento do jogo, elas foram gravadas com um microfone “3D”, que consegue captar a direção de onde o som vem. Este microfone permitiu que essas propriedades fossem adicionadas ao jogo, para que o jogador, utilizando fones de ouvido ou um sistema de áudio surround, tenha a sensação de estar rodeado por elas.

Outra curiosidade é o modo como as expressões faciais da personagem foram tão bem representadas. Foi utilizado um aparelho para fazer o escaneamento do rosto e das expressões da atriz Melina Juergens, para que o jogo apresentasse a forma mais realista possível de representação. Tanto a equipe técnica quanto a própria atriz fazem um ótimo trabalho em dar vida a uma personagem tão complexa como Senua. Melina chegou até a ser premiada por sua interpretação da personagem na premiação BAFTA, em 2018.

A atriz Melina Juergens com o aparelho de captação e Senua, constituída a partir de sua performance

São detalhes técnicos como estes que contribuem para uma experiência de imersão total, fazendo com que o jogador se envolva pessoalmente com a história daquela personagem, simpatize com ela e torça para que ela vença seus demônios.

“Hellblade: Senua’s Sacrifice”, é relativamente curto, durando um total de 6 horas, mas ele executa tão bem o que se propõe a fazer, que acaba se tornando uma experiência realmente memorável. A história de Senua é emocionante, sombria, repleta de batalhas, conflitos internos e assombrações; e com toda certeza vale a pena ser jogada mais de uma vez.

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