High Flying Bird

Arthur dos Santos Martinez

Arthur Martinez
Araetá
5 min readFeb 27, 2019

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High Flying Bird (2019) é um longa dirigido pelo norte-americano Steven Soderbergh, e nele é possível perceber que seu objetivo é demonstrar o que acontece por “debaixo dos panos” da maior liga de basquete do país e do mundo (NBA). Porém, ao longo do filme são abordados temas que estão em evidência na sociedade como o racismo, por exemplo, e, nesses momentos, se pode perceber que não só o basquete está envolvido na história, mas sim verdadeiros preconceitos que se fazem presentes no esporte e como isso pode influenciar diretamente na vida de um atleta.

Logo do filme na Netflix

O filme em si apresenta uma proposta exótica e ousada, mesclando alguns momentos da história com entrevistas com jogadores reais — estes relatam pelo que passaram na mesma época em que o jogador retratado está passando, que é justamente essa passagem do basquete universitário para o profissional — e essa audácia de deixar o filme se assemelhando ao documentário se dá pelo fato do risco que esses jogadores podem causar à entidade esportiva, podendo denegri-la em algum momento, resultando em relatos não muito empolgantes.

Como tudo gira em torno do agente Ray Burke (André Holland) tentando satisfazer seu cliente Erick Scott (Melvin Gregg), o filme passa boa parte de seu tempo mostrando o quão difícil será desbancar os ‘ricos homens brancos’ e como Ray irá traçar seu caminho tratando seus clientes como pessoas e não como degraus para conseguir a maior quantia de dinheiro possível. Mas após toda essa luta contra as gigantes empresas, o filme acaba, sem dar ao espectador uma conclusão de tudo aquilo que foi abordado.

O lado do marketing também fica muito explícito, com a busca constante de acordos monetários por parte de Ray, que se encontrava em uma posição um tanto quanto complicada no que diz respeito à finanças.

Erick (esquerda) e Ray (direita) em uma quadra de basquete

Ao longo do enredo, percebe-se que o basquete em si não é o foco do filme, sendo pouco representado nas cenas, colocando em jogo muito mais a questão intelectual do que a física propriamente dita. Essa estratégia acaba por não chamar muito a atenção de audiência, mas sua intenção é extremamente válida e admirável, visto que não se sabe muito ou quase nada do que ocorre nas entrelinhas do esporte. A proposta de mostrar que nem tudo são mil maravilhas também pode ser encontrada no filme “Um Homem entre Gigantes”, estrelado por Will Smith. Nele, de uma forma mais explícita, é retratado como a liga de futebol americano (NFL) não presta nenhuma ajuda aos jogadores aposentados, que apresentam sequelas graves causadas pelas duras batalhas dentro de campo ao longo de suas carreiras.

Ray e Sam (Zazie Beetz) conversando sobre seus respectivos empregos na agência

Também vale mencionar que o primeiro cliente de Ray foi seu primo que, gay assumido, foi advertido pelo próprio agente a esconder sua orientação sexual para não afetar futuros negócios. Ray conta que seu primo — este não retratado no filme — desistiu do esporte precocemente e acabou morrendo cedo, não contando os motivos, dando a entender que homossexuais não têm espaço no mundo esportivo, fazendo com que muitas vezes o atleta esconda sua orientação sexual. Existem sim homossexuais no esporte, mas são pressionados a não mostrar essa parte da vida à mídia, dando a impressão de que esses não existem nos esportes. Vale mencionar o francês Olivier Giroud, campeão da última Copa do Mundo FIFA pela França, que, quando perguntado sobre essa questão, disse “é impossível se declarar homossexual no futebol”, e também cita que com alto índice de testosterona presente nos vestiários, com os chuveiros coletivos, por exemplo, fica realmente difícil expor a verdade.

O que se pode perceber juntamente às críticas sociais no filme é como o racismo é abordado. O personagem Spencer, representado pelo ator Bill Duke, faz o papel de um treinador de basquete para crianças do bairro em que reside, e sempre que alguém faz alusão à escravidão, imediatamente o autor do comentário há de dizer “Eu amo Deus e todos seus filhos negros”, pregando respeito e harmonia entre seus alunos.

Spencer (esquerda) e Ray (esquerda) conversando sobre a situação de sua agência

Como já dito, o verdadeiro foco do filme não é o basquete, e isso fica bem claro no longa. O que é retratado é muito maior que isso, mostra que mesmo com o avançar do tempo e nossa constante evolução, pensamentos arcaicos ainda imperam na sociedade.

Levando isso tudo em consideração, o filme passa a impressão de ser um “teste” para futuros filmes, uma espécie de cobaia. Não é um filme ímpar no que se refere à qualidade, longe disso, mas faz você ver com outros olhos esses gigantes do entretenimento esportivo que parecem perfeitos e intocáveis. Tomara que esse seja um ponto de partida para mais longas com tons críticos e reveladores.

Selfie do autor da crítica com seu aparelho de TV no fundo com o filme aqui retratado

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