Hollywood (2020) — anos não tão dourados

Bruna Lima dos Santos

Bruna Lima
Araetá
5 min readJun 7, 2020

--

Hollywood (2020) — Série produzida pela Netflix e disponível na plataforma.

Hollywood (2020) é uma minissérie americana dramática original da plataforma Netflix e dirigida por Ryan Murphy e Ian Brennan, na qual se passa o período posterior à Segunda Guerra Mundial quando, fartos da violência antes vivenciada, muitos americanos procuram um propósito para a vida por meio da ascensão na carreira cinematográfica e do sonho de tornar-se um astro hollywoodiano. A série apresenta uma veemente crítica ao modo de produção cultural americano, o qual, na presente conjuntura, encontra-se em um período de pungência econômica no pós guerra que culminou no “american way of life”. Este período é marcado por grande produção cultural cinematográfica que reafirmava tal establishment, que apesar de toda a riqueza e glamour hollywoodiano, a série coloca em pauta uma realidade dúbia; visto que, por outro lado, essa indústria replica diversos preconceitos como racismo, homofobia, xenofobia e patriarcalismo, além da face obscura da prostituição e do abuso sexual e moral, que é tratado com certa leveza e humor. Essa leveza é retratada por meio de uma estética extremamente colorida, figurinos de época e um filtro com tons vibrantes, que remetem ao anos dourados do cinema americano e ressaltando a intensidade da obra, vista a contraposição da dureza dos assuntos tratados.

A história se passa a partir da trajetória de Jack (David Corenswet), recém chegado em Los Angeles após servir os EUA na guerra, que tem como sonho tornar-se ator de renome. Suas expectativas, que eram altas, quando confrontadas com a realidade e com a necessidade financeira, Jack se submete à prostituição, à convite de Ernie (Dylan McDermott), cafetão que usa um posto de gasolina como fachada. Ernie, assim como Jack, sonhava em ser um astro de cinema, mas teve os sonhos frustrados pela realidade desse mercado. É por conta disso que Jack conhece Archie (Jeremy Pope), aspirante a roteirista, negro e homossexual, o qual passa também a trabalhar no posto, a fim de atender a demanda do público gay.

Um roteiro escrito por Archie finalmente é selecionado pelo diretor Raymond (Derryn Chriss), da ACE Studios, que se torna um grande projeto denominado “Peg”, narrando a história verídica de Peg Entwistle, uma atriz que não alcançou o reconhecimento e se suicida pulando do letreiro de Hollywood em 1932; é por meio da pré-produção desse filme que a trama se desenvolve.

Cena da minissérie — Raymond (Derryn Chriss), Archie (Jeremy Pope), Jack (David Corenswet) e Roy (Jake Picking), respectivamente.

Tal como o roteiro fictício de Peg e o roteiro da série como um todo representam uma visão realista sobre a deterioração dos sonhos dos indivíduos que buscam alcançar a fama num mundo capitalista, onde os artistas são vistos como mão de obra, ou até mesmo produtos de uma grande indústria. O roteiro da série busca uma identificação tanto das personagens quanto do público com a história de Peg Entwistle, mostrando que todos nós temos um pouco de Peg nas suas histórias e anseios da vida moderna. Há uma convergência das personagens em que todos acabam se envolvendo com a produção do filme e, dessa forma, percebendo que todos possuem algo em comum: terem passado por dificuldades, muitas vezes submetendo-se a situações vexatórias, a fim de alcançarem o sucesso; e percebendo que a indústria hollywoodiana e o cinema mainstream blockbuster podem ser muito menos glamourosos do que parece ser.

É a partir da mudança do roteiro “Peg” para “Meg” que dá força à narrativa. Durante os testes para que fosse escolhida a protagonista, a jovem atriz negra Camille (Laura Harrier) se destaca, porém, acima disso, enfrenta dificuldades para ser escolhida visto o tom de sua pele, já que era inadmissível que uma negra fosse protagonista; os papéis voltados à atrizes negras sempre simbolizavam trabalhos serviçais. A série constrói uma verdadeira história de luta social a partir da representação do início do cinema revolucionário, que abriu portas para o cinema contemporâneo mais inclusivo e, acima de tudo, com um discurso muito mais fortalecido e íntegro.

Cena da minissérie — Camille (Laura Harrier), Archie (Jeremy Pope) e Raymond (Derryn Chriss) em ACE Studios.

Analisando a obra sob uma perspectiva social, haja vista o momento retratado dos EUA como vitoriosos da guerra, que encontravam-se em uma situação econômica emergente, percebe-se que sua influência cultural e econômica perante outros países é reafirmada a partir do cinema; com isso, replicando-se os valores culturais e morais vigentes. A presente obra, produzida pela Netflix, serviço de streaming que tem contestado e ido de encontro com o modo de produção cinematográfico tradicional, visa criticar os tempos áureos da indústria ao escancarar suas obscuridades, mesmo que de forma satírica.

Através da união entre a estética que a compõem e a forma que é construído o enredo, confere à obra uma aura vibrante que retém a atenção do espectador, a fim de trazê-los para dentro da conjuntura em que o enredo se desenvolve. Apesar da minissérie Hollywood se tratar de uma fantasia que remete à década de 40 e como ela teria sido se a diversidade tivesse alcançado o cinema mainstream, ela ainda permite que a verdadeira realidade dos bastidores hollywoodianos seja posto em questão, mostrando que a indústria não é um “mar de rosas”.

Além disso, a forma em que a fantasia e a realidade se desenvolvem mutuamente é que trás à nós essa sensação de conexão com o universo proposto pela série e até mesmo uma compaixão com cada uma das personagens e suas histórias de vida. O conjunto da obra como um todo torna-se poético, visto a sutileza de sua intenção como se fosse uma dedicatória moderna à época clássica retratada, tendo em vista sua visão da época para um futuro melhor e mais representativo.

Bruna Lima dos Santos

--

--