Imagem e Palavra
Por Nicole Mantuano Freitas
No longa-metragem Imagem e Palavra (Le Livre d’image, em francês), lançado em março de 2019 no Brasil, o diretor vanguardista Jean-Luc Godard demonstra um comentário sobre a situação caótica do mundo, através de recortes de cenas de filmes, reportagens e vídeos caseiros. Com as colagens presentes na obra, reflete não só sobre questões referentes ao mundo e ao cinema, mas também a percepção da civilização ocidental em relação aos árabes.
De maneira provocativa e política, características presentes no cineasta desde o início da carreira, Godard obriga o expectador a ponderar em como a humanidade está sendo massacrada pela impetuosidade do capital. Por meio da narração realizada com a própria voz, a qual possui um caráter de extrema profundidade, divide o filme em cinco partes que equivalem aos cinco dedos das mãos, visto que o diretor afirma ser um instrumento condicional poderoso do pensamento da humanidade.
“A verdadeira condição do homem é pensar com as mãos.” — frase narrada por Godard na introdução do filme.
No primeiro segmento denominado “Remakes”, JLG aponta que repetimos o passado sem realmente aprendermos algo com ele. Por intermédio da volta as histórias do cinema, com o uso de filmes — como Tubarão de Steven Spielberg e Salò de Pier Paolo Pasolini — e sobreposição de palavras, demonstra a carga de imagens e sons cristalizados que o cinema possui.
Já no segundo e terceiro fragmento, “As Noites de São Petersburgo” e “No vento confuso das viagens”, respectivamente, percebe-se a aproximação da morte e violência figuradas pelo desejo de poder presente através dos séculos. Com menção a Segunda Guerra Mundial e a sensação de perigo que a sociedade possuía naquela época, demonstra certa brutalidade como referência a atração inexplicável que a humanidade sente em relação à guerra. Além disso, faz o uso de imagens de filmes que contém trens, a fim de demonstrar uma visão sangrenta dos trilhos.
Godard, então, passa para a quarta parte, nomeada “O Espírito das Leis”, a qual apresenta não só a demanda de justiça, mas também o ponto de vista crítico que possui em relação ao mundo ocidental, em especial do cinema-norte americano. Já no último fragmento, chamado “A Região Central”, o cineasta aborda o fim das espécies e as diferentes responsabilidades dos seres que possuem mais ou menos recursos influenciadores para tal processo.
Porém, há, ainda, alguns segmentos finais, como “Feliz Arábia”, "Os Paraísos Perdidos" e "Aquelas Flores Perdidas ao Vento", os quais, ao se passarem no Oriente Médio, destacam a filosofia de vida do diretor sobre aproveitar o agora, através de imagens de filmes realizados por lá. Essas, possuem cores fortes e estouradas que demonstram as belezas árabes em contraposição de figuras do Islã radical.
Assim, Jean-Luc Godard retrata o poder das imagens e o quanto elas mudaram ao longo dos tempos, ao estarem no domínio da manipulação. Causa, ainda, certa provocação aos espectadores com a mistura de imagens e cores diferentes, o que acaba não deixando espaço para uma plateia passiva. Tal fato soma-se aos silêncios e fundos pretos presentes de modo desordenado no decorrer da obra, os quais fazem uma crítica à cristalização do cinema ao longo dos anos.
Não é à toa que Imagem e Palavra, ao concorrer o festival de Cannes de 2018, o qual o prêmio fora para um filme japonês chamado Assunto de Família, ganhou uma Palma de Ouro especialmente criada para ele.
Onde? Netflix
Quanto? A partir de R$21,90 por mês
Quando? Disponível por tempo indeterminado na plataforma de streaming
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