IMPERA: um épico de degradação e desencanto

A banda sueca Ghost mostra visões de grandiosos impérios, assim como sua inevitável ruína, em recente lançamento

Giovanna Barboza Calabrese
Araetá
5 min readMay 19, 2022

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Por Giovanna Barboza Calabrese

Imagem promocional utilizada no período de divulgação do álbum. O vocalista Papa Emeritus IV se encontra abaixo do logo da banda, ambos em meio a um cenário que aparenta ser uma igreja, com vitrais e velas fortemente iluminados por luz artificial.

Cheiro de incenso, grandiosos e coloridos vitrais, e os gritos de uma devota multidão de fãs. É assim que se inicia uma performance da banda de rock sueca Ghost. Apropriando diversos elementos da estética católica, o grupo musical se apresenta de forma teatral, interpretando uma espécie de “anti-igreja”, que, consequentemente, cultuaria ninguém menos que o próprio Diabo. O vocalista, Papa Emeritus IV ( interpretado por Tobias Forge ) aparece diante da multidão como um papa satânico, coroado por suas vestes ornamentadas, assim como sua mitra e uma elaborada maquiagem de caveira.

Após aproximadamente quatro anos desde o lançamento de Prequelle (2018), a banda faz um comeback triunfante com a estreia de seu mais novo álbum: IMPERA. Lançado em 11 de março de 2022, IMPERA surge como uma adição excitante e inusitada para o repertório da banda. Com um cenário narrativo-temático reminiscente da era vitoriana, as faixas agressivamente criticam fenômenos como a doutrinação ilusória do povo por parte de figuras públicas como políticos e celebridades. Nas letras, Forge expõe os que prometem um futuro brilhante e promissor enquanto na realidade estão apenas em busca de todo poder, dinheiro e status que conseguirem alcançar.

Foto de um dos shows ( também conhecidos como “rituais” ) da banda. O vocalista Papa Emeritus IV canta com suas vestes eclesiásticas enquanto o restante da banda toca ao fundo, rodeados por fumaça e efeitos pirotécnicos.

A épica introdução instrumental Imperium inicia a jornada pelas 12 faixas, definindo também o tom para o restante de IMPERA. Assim como o próprio nome do álbum sugere, a narrativa traçada por essa era da banda apresenta o surgimento de imponentes impérios, assim como sua inevitável queda quando esses são soterrados pelo brilho de futuros reinados. Músicas como Kaisarion e Twenties, com toda sua grandeza inspirada pelo rock e metal característico dos anos 1980, emulam o misticismo épico gerado com o nascimento de uma grande potência.

Tobias Forge pinta uma imagem com promessas de prosperidade que são imediatamente subvertidas pelo sarcasmo presente nas letras. As músicas atuam como um discurso com a finalidade de cativar e incentivar, não muito diferente de uma fala que um político realizaria. É dessa forma que Forge apresenta a natureza muitas vezes predatória dessas figuras, que utilizam palavras belas e evocam visões de um futuro promissor em meio a uma realidade completamente incoerente com essas propostas. Essa crítica fica especialmente destacada em Twenties, uma vez que a música forma paralelos entre os Roaring Twenties vividos na década de 1920, e nossa atual década de 2020, que se iniciou com desesperadoras crises econômicas e sanitárias.

“In the Twenties (Twenties)

We’ll be dancing in the fields of freedom

In the Twenties (Twenties)

We’ll be crushing them laws ’cause we don’t need ‘em”

Mensagens e artifícios enganosos permeiam pelo restante do álbum, ressurgindo também em faixas como Call me little sunshine, Darkness at the heart of my Love e Griftwood. Fãs ávidos da banda facilmente reconhecerão esse tópico, anteriormente utilizado na música Cirice, do álbum Meliora (2015), que foi premiado com um Grammy de Melhor Performance de Metal na cerimônia de 2016. Apesar desse tema não ser inédito para a banda, IMPERA não poderia ser mais atual e necessário em suas letras, que perfeitamente representam o caos brutal dos nossos Roaring Twenties, em toda sua corrupção e degradação. É um álbum que apresenta um brilhante, ilusório e desenfreado avanço social e tecnológico, cego a quaisquer possíveis consequências.

“Tell me who you wanna be and I will set you free”

Ele sugere que, assim como impérios ascendem e caem, essas promessas de grandeza são igualmente cíclicas. Da mesma forma que homens da era vitoriana fantasiavam com as tecnologias que o futuro prometia naquela época, hoje, outros fantasiam com projetos como a colonização espacial, tão incentivada por figuras públicas como o bilionário Elon Musk. O álbum nos convida a refletir sobre esse avanço: Ele é sustentável? Ele é de fato um avanço? Ou somente o novo ciclo desse aparentemente infinito “surgimento e soterramento de cidades”, cada uma mais brilhante e promissora que a anterior?

Foto de um dos membros anônimos da banda, que são conhecidos simplesmente como “Ghouls”. Ele veste o uniforme padronizado para todos do grupo, completo com a máscara que oculta suas identidades.

Similar à escolha temática para o álbum, a produção das 12 faixas presentes em IMPERA frequentemente reflete o caos do avanço proposto pela temática lírica. Essa tática, entretanto, às vezes desfavorece o álbum em relação aos lançamentos anteriores da banda. Apesar da euforia majestosa proporcionada pelas músicas mais “animadas” do conjunto, como no caso de Twenties, elas falham em incorporar o estilo musical tão característico da banda. Quando comparado com Prequelle (2018), Meliora (2015), Infestissumam (2013) e Opus Eponymous (2010), os álbuns anteriores de Ghost, IMPERA deixa a desejar para os reais fanáticos da banda. Um dos aspectos mais fascinantes do som de Ghost é a forma que a banda encontra a grandiosidade no diminuto, característica deixada de lado para muitas das músicas do álbum em detrimento de incorporar o tema lírico também no instrumental.

Decepciono-me em não encontrar nenhuma faixa que possa ser uma espécie de “sucessor espiritual” para lançamentos anteriores como Ritual (2010), Cirice (2015), ou até mesmo Miasma (2018) em IMPERA. Entretanto, é impossível negar o puro potencial desse álbum e o que ele implica para o futuro da banda. Essa mudança temática-argumentativa anuncia um futuro promissor para Ghost, e o uso de referências musicais dos anos 80 abre um animador leque de possibilidades para os futuros lançamentos da banda. Espero, contudo, que em suas subsequentes experimentações a banda concilie melhor a inovação e expansão de sua paleta de estilos com sua tão icônica marca sonora. Apesar de menos excitante que os demais álbuns de Ghost, IMPERA é uma adição feliz para o repertório da banda, e definitivamente merece ser escutado pelo menos uma vez.

Capa oficial do álbum IMPERA, que mostra a figura de Papa Emeritus IV de maneira arquitetônica e ornamentada, construída com ouro em meio a um cenário igualmente elaborado.
Selfie da autora

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