Lembro todo dia de você

por Francesco Bizzocchi Barcelos Felix

Francesco Felix
Araetá
3 min readMar 26, 2019

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Fotografia oficial da apresentação de ‘Lembro todo dia de você’, na temporada original em 2017. Todos membros do elenco estão em cena, Davi Tápias na frente.

O musical ‘Lembro todo dia de você’ é um espetáculo brasileiro, escrito por Fernanda Maia e dirigido por Zé Henrique de Paula, que conta a história de Thiago (Davi Tápias), um jovem de 20 anos que se descobre soropositivo e precisa descobrir como conviver com o HIV e com as inevitáveis consequências em seus relacionamentos, desde com seus pais até com seu ex-namorado, Julio. A produção é pequena, apresentada com apenas um cenário que se adapta às cenas e com sete atores, que às vezes mudam de personagem sem nunca sair de cena. Com dois atos de uma hora cada, a peça também conta com uma banda que providencia a trilha sonora ao vivo, por trás do palco. As músicas, cantadas por toda a apresentação, foram escritas por Rafa Miranda.

A história é muito inovadora em seu retratar do psicológico de Thiago, as maneiras com as quais ele mente para si mesmo e para os que ele mais ama enquanto em negação sobre sua doença. Como a história é explorada não-linearmente, a audiência do pequeno teatro se junta ao protagonista em uma experiência fragmentada e intuitiva por suas memórias e suas interações com os personagens de sua vida.

Uma das coisas que mais me agradou da produção foi a questão dos personagens coadjuvantes. No início da apresentação, eu imaginei que a mudança de papeis entre atores fosse por uma questão de logística, para reaproveitar os talentosos profissionais e evitar que fosse necessária a saída destes do palco a cada nova cena. No entanto, a última meia hora da peça explica que nada foi por acaso; a personagem da médica, por exemplo, que era interpretada pela mesma atriz que fazia a mãe de Thiago, era justamente alguém em quem Thiago projetava suas emoções relativas à mãe. Todas as repetições de papel (o padrasto / o primeiro namorado, o pai / o último relacionamento), portanto, tinham um propósito artístico na obra.

Esse momento de revelações metalinguísticas na peça é, para mim, seu ponto alto. A apresentação se transforma, de uma apresentação de pedaços da história de Thiago, em um verdadeiro ‘tribunal’, onde o jovem é confrontado por todas pessoas que foram importantes até ali, e os atores interpretam seus dois personagens, às vezes até conscientes disso e quebrando a quarta parede. O momento também é de clímax emocional, pois o protagonista conversa com todos personagens de maneira franca e se abrindo de maneira muito bonita e profunda.

Davi Tápias (na esquerda), no papel de Thiago, contracenando com Pier Marchi, no papel de Julio.

Por fim, a experiência de assistir a esse musical foi muito realizadora para mim. A maneira sensível e real na qual a história é contada, adicionada às músicas e performances intensas, fez com que o baque emocional fosse grande. O assunto do musical também, justamente por sua relevância, também ajudou nessa sensação. Meu conhecimento de musicais, principalmente produções originais brasileiras, é bem pequeno, mas esse espetáculo me mostrou novas vozes que eu não sabia que estavam produzindo conteúdo atualmente.

SERVIÇO

Teatro João Caetano~ Rua Borges Lagoa, 650; São Paulo

Inteira R$30,00 e Meia R$15,00

Sábados às 21h / Domingo às 19h

Em cartaz até 21 de Abril de 2019

Detalhes no site oficial

Francesco Felix, o ilustríssimo autor dessa crítica, com uma cópia em dvd de Les parapluies de Cherbourg (1964)

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