Little Fires Everywhere (2020)
Ana Carolina Marques Loredo de Paula
Shaker Heights, Ohio é a cidade onde se passa a mais nova série da Hulu. Uma cidade perfeita onde tudo é planejado: as ruas, as cores das casas e até mesmo a altura da grama. E é nela que Elena Richardson (Resee Witherspoon) vive com seu marido e seus quatro filhos, tendo a vida que ela sempre planejou. Porém, tentando também lidar com a caçula, que é a rebelde da família. Até que um dia Mia Warren (Kerry Washington), artista e mãe solteira de uma filha adolescente, chega à cidade e aluga uma casa que pertence à Elena. As vidas rapidamente se entrelaçam quando os filhos se tornam amigos, e Elena contrata Mia para ser sua empregada. Mas, as diferentes opiniões e estilos de vida deixam Elena cada vez mais perturbada e obcecada pela misteriosa nova moradora. E a situação apenas piora quando a pequena cidade se vê no meio de uma briga pela a guarda de uma criança sino-americana, entre a mãe biológica imigrante e solteira, e um casal branco e rico de Shaker Heights que já estava no processo de adoção do bebê.
A série é baseada em um livro do mesmo nome escrito pela autora sino-americana que viveu em Shaker Heights, Celeste Ng. No Brasil, ele foi publicado pela editora Intrínseca com o nome "Pequenos incêndios por toda parte", em 2018.
O livro de Celeste Ng é um dos meus favoritos, então é impossível não comparar a adaptação com a obra original. E a série se tornou uma das melhores adaptações que já vi, ela não só conseguiu manter toda a essência do livro, mas também acrescentou muito mais a história. No livro, a aparência de Mia não é muito bem descrita, o que cria uma liberdade para o leitor imaginá-la como quiser. Ao escolherem Kerry Washington para o papel, a série conseguiu não só criar um cenário perfeito para discutir racismo nas pequenas comunidades americanas, mas, também, criar mais um conflito entre Mia e Elena. A personagem de Resee é uma representação de brancos que não são racistas, e no final suas falas e ações estão repletas de racismo.
Mia: Você não fez más escolhas. Você teve boas escolhas. Opções que teve por ser branca e com títulos.
Elena: E de novo, essa é a diferença entre você e eu. Eu nunca faria disso uma questão racial.
Mia: Elena, você fez isso quando ficou lá fora na rua e me implorou para ser sua empregada.
[…]
Elena: Achei que éramos amigas.
Mia: As mulheres brancas sempre querem ser amigas de suas empregadas.
Outra mudança que deixou a série ainda melhor foi a filha mais nova dos Richardson, Izzy (Megan Stott) ser lésbica. No livro, Isabelle é uma adolescente revoltada que não aguenta a mãe controladora, que não aceita que ela não seja como os irmãos mais velhos. O fato dela ser lésbica na série conturbou ainda mais a relação das duas, e tornou Izzy uma personagem ainda mais interessante, fazendo com que quem está assistindo se apegue e se identifique rapidamente com ela.
E com todos esses conflitos, o principal do livro acabou ficando em segundo plano na série. Isso me decepcionou um pouco, mas é fácil entender que não era possível focar tanto nele com tantos outros conflitos acontecendo. A adoção da criança sino-americana que traz à tona uma questão tão pouco discutida: adoção inter-racial. Até que ponto os pais desejam as crianças não brancas, e até que ponto eles se veem como os salvadores brancos delas?
Uma mãe chinesa solteira e um casal branco americano brigam no tribunal pela guarda de um bebê. Com isso dividem a cidade inteira, e principalmente as personagens principais. Quando li o livro, pensei sobre questões que nunca havia pensado antes e pesquisei muito sobre crianças que foram adotadas por famílias brancas. Encontrei histórias tristes de pessoas que sofriam racismo na própria casa e se tentassem falar algo eram vistas como ingratas, porque "os pais adotivos a salvaram de um destino cruel, e ela não poderia viver sem eles". Mas também encontrei histórias lindas de famílias que se amam muito e filhos muito contentes com a criação que tiveram. E no caso de Little Fires Everywhere — tanto livro e série— cabe ao telespectador tirar suas próprias conclusões sobre o assunto.
A série é perfeita para aqueles que morrem de saudade de uma trama como Big Little Lies. Resee Witherspoon e sua empresa, Hello Sunshine, mais uma vez acertaram na escolha do livro. Ela e Kerry Washington contracenam muito bem juntas, e a série te deixa querendo mais até o último segundo. Os filhos das famílias foram retratados perfeitamente, tanto suas qualidades e defeitos. Uma série emocionante que consegue ensinar muito ao telespectador, e tratar de diversos assuntos importante na nossa sociedade: maternidade, racismo, divisão de classes, homofobia e muito mais. Não vejo a hora de conhecer o próximo livro escolhido por Resee que irá virar série.
E novamente, vou ficar com muita saudades desse universo e todas essas personagens que odiei, amei e no fim me apeguei.
Às vezes você precisa queimar tudo até o chão e começar de novo. Após a queima, o solo fica mais rico e novas coisas podem crescer. As pessoas também são assim. Elas começam de novo. Elas encontram um caminho. — Celeste Ng
Todos os 8 episódios de Little Fires Everywhere estão disponíveis na plataforma de streaming Hulu.
No Brasil, todos os episódios estarão disponíveis no Prime Video (R$ 9,90 por mês) no dia 22 de maio.
Saiba mais sobre a série e o livro:
Por Ana Carolina Marques
TURMA 3CTM20201