“Não tem bacanal na quarentena”

Ariane Carvalho Santana

Ariane Carvalho
Araetá
3 min readJun 20, 2020

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Baco Exu do Blues é um rapper baiano que ganhou notoriedade no cenário musical há alguns anos e no dia 30 de março de 2020 — em meio a pandemia do Coronavírus e decreto de isolamento social no Brasil — ele lançou um EP artesanal gravado em apenas três dias no estúdio da sua casa. “Não tem bacanal na quarentena” faz alusão ao seu álbum “Bacanal” que teve seu lançamento adiado por conta dos efeitos da quarentena e à vontade do músico de produzir som em um momento de caos social, sanitário, e, sobretudo, político.

Figura 1: Capa do EP Baco Exu do Blues.  O urso estiloso se protege com máscara e álcool em gel é uma alusão a ele durante
Figura 1: Capa do EP Baco Exu do Blues. O urso estilizado se protege com máscara e álcool em gel é uma alusão a ele durante uma pandemia de coronavírus.

O EP com nove faixas traz o melhor do rapper que é a sua capacidade de misturar referências musicais, vozes, efeitos sonoros e atualidade a fim de criar uma poesia de denúncia. Na busca dessa diversidade, as músicas têm participações de referências do cenário do rap brasileiro como 1LUM3, Aisha, Lellezinha, Maya, Dactes, Vírus, Celo Dut, Young Piva e beats de DKVPZ, JLZ, Nansy Silvyz. Além disso, o uso de memes da internet e da televisão brincam com o ouvinte que inevitavelmente acaba se questionando sobre que é essa cultura emergida no caos do isolamento do social. Para mim, a que faz isso com maestria e usando depoimentos verídicos de pessoas comuns é a “Amo Cardi B e Odeio Bozo”; esta é, sem sombra de dúvidas, a grande música dessa produção musical. Baco reuniu anseios e preocupações de gente que está passando pelo pior da pandemia para dar luz às adversidades que a falta de proteção do Estado pode gerar em um momento de quarentena.

Outro destaque é a faixa “Sol Mais Quente” que com uma batida envolvente, mostra que a pandemia vai muito além do problema sanitário, Baco traz a faceta social e racial desse caos. “Coronavírus me lembram escravidão/ Brancos de fora vindo e fudendo com tudo” é um trecho muito singular e mostra que no Brasil a disseminação da doença não veio do povo, e sim, da classe média que não entendeu os efeitos devastadores de desrespeitar o isolamento.

Mas o EP também tem faixas que retomam seu álbum célebre, “Bluesman”, com uma identidade musical mais envolvente e tons mais baixos, remetendo à um ritmo sensual. Um exemplo disso é “Ela É Gostosa Pra Caralho”, uma música cuja temática é relacionamentos afetivos e o envolvimento sexual do casal. Por isso, acredito que ela seja o momento de distensão sonora escolhido por Baco, pois em meio à tantas denúncias e reflexões, essa se destaca por ser contemplativa e ativar a sensorialidade do ouvinte.

Dessa forma, Não Tem Bacanal na Quarentena é uma produção com efeitos muito singulares: ela incomoda, é estranha e precisa da atenção do ouvinte; todavia, caso ele compre a viagem que Baco propõe, muitas camadas de significados eclodem para serem entendidas e dialogadas nesse período tão turbulento da humanidade, sobretudo, para o povo brasileiro.

Creio que a experiência desse EP seja algo necessário nessa quarentena, e se a curiosidade tiver sido aguçada, ele está disponível indefinidamente para ser ouvido nas plataformas de streaming musical Spotify, Deezer, Youtube, Itunes, Amazon Music e Google Play Music; os valores são de acordo com a política de cada empresa.

Ademais, o trabalho do rapper precisa ser reconhecido no cenário nacional, ainda mais que no ano de 2019 ele ganhou no Festival de Cannes o Grand Prix — maior premiação da categoria — de “Entertainment for Music” pelo clipe “Bluesman”; um prêmio merecidíssimo pelo trabalho sensível e suprassensível realizado por ele e também está disponível no Youtube.

Figura 2: Esta é uma foto minha, a autora dessa crítica.

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