Nós | Jordan Peele
Lucas Neves Kumagai
Uma família de 4 pessoas está curtindo as suas férias em uma casa de praia quando começa a ser aterrorizada por versões malignas de seus integrantes. Essa sinopse dá impressão de que o filme dirigido por Jordan Peele é totalmente despretensioso. Porém ao assistir o longa, somos apresentados a uma obra de absoluta subversão do gênero terror com uma das mensagens finais mais fortes contidas em um filme de 2019.
O filme possui uma fotografia excelente e planos que brincam com enraizamentos do gênero do terror. Um exemplo é a câmera girando em torno do protagonista, que devido aos vários antecessores do gênero, cria-se a possibilidade no público que ao terminar a rotação da câmera, um jumpscare ou algo fora do normal irá acontecer, porém no momento ápice não acontece nada, subvertendo as expectativas do espectador. A música também algo bastante presente, tendo o destaque a “i got 5 on it” do rapper Luniz, que na cena final do filme é tocada novamente só que por um quarteto de cordas.
Dando mais detalhes da história, há uma multidão de clones que vivem nos túneis subterrâneos dos Estados Unidos que são condenados a imitar o que seus pares fazem na superfície, porém de um jeito bizarro e atormentador. Sendo a grande reviravolta da história a troca das duas versões da protagonistas quando criança fazendo com que seu clone viva sua vida na superfície, enquanto que ela fique presa no subterrâneo. Essa reviravolta no roteiro foi um dos fatores que deu grande visibilidade ao filme. Porém na minha visão, é a mensagem que o filme passa em segundo plano que faz dele uma obra de extrema importância.
O filme ao longo da história vai mostrando ao espectador sempre de forma sutil que os clones não possuem capacidade para arte, sempre tentando imitar as melodias e poesias do povo da superfície mas sempre reproduzindo de forma distorcida, dando a impressão de que o diretor quer passar a mensagem de que a arte é o que marca a diferença entre o humano e uma cópia, sendo a arte a marca da humanidade. Porém, a cópia que toma o lugar da humana protagonista na superfície é mostrada como uma bailarina super talentosa, logo a mensagem que Peele quer passar não é a de que a arte é marca de humanidade. Na verdade, o que torna a pessoa menos humana nessa história é o lugar. Não é uma diferença de espécie mas sim de circunstância. O clone mesmo tendo passado seus primeiros anos no subterrâneo, um lugar horrível e hostil, quando levada para a superfície e devidamente cuidada e amada, ela cresce e desabrocha.
Na batalha final entre as duas versões da protagonista, imagens das suas performances de balé são intercaladas com a briga em si como se estivessem disputando quem é a melhor artista, logo, quem é mais humana e digna do lugar na superfície. Enquanto que o clone se movimenta de forma graciosa e precisamente, já a outra versão que viveu nos túneis, cria algo totalmente diferente, com movimentos mais orgânicos e pós modernos. Acontece então uma colisão entre a cultura erudita e a cultura popular. Essa então é o grande trunfo do filme, a arte é sim algo natural humano que acontece em qualquer tipo de comunidade, mas o papel dela é totalmente diferente dependendo do local que você está. Enquanto que para superfície a arte é algo como uma vaidade ou privilégio, para o mundo de baixo, a arte é quase que um grito de desespero, o único caminho para sair de lá.
O longa é filmado e o roteiro é feito para que o conflito inteiro o público tenha a impressão de que as personagens são equivalentes, que elas têm motivações opostas mas igualmente válidas, e isso é uma falsa simetria. Isso pois a versão da superfície está tentando manter seus privilégios enquanto que a versão de baixo está lutando para sair de uma vida de dor e sofrimento.
O filme Nós no final de tudo fala literalmente sobre nós. Como nós sendo de uma classe mais rica e privilegiada, igualmente à protagonista do filme, esquecemos de todos os problemas que as classes de menor poder aquisitivo possuem mesmo sabendo que eles existem.
Título original: Us
Direção: Jordan Peele
Lançamento: 21 de março de 2019
Disponibilidade: Net Now por R$ 14,90
