NADA A PERDER — CONTRA TUDO. POR TODOS, uma experiência “interessante”

Caio Rodrigues Pires
Araetá
Published in
4 min readApr 4, 2018

Por Caio Rodrigues Pires

Primeiramente, gostaria que colocassem um copo d’água sobre seus monitores televisivos. Não sei outro jeito de começar essa análise que não seja com uma piada, fazendo jus àquilo que foi-me apresentado no telão de uma sala de cinema vazia. Antes mesmo do filme começar, fui abordado na porta da sala por um jovem de terno que me entregou um lenço com uma passagem bíblica (com erros ortográficos, aliás) me convocando para visitar uma igreja Universal, dizendo “essa é para a parte interativa do filme”. Sinto muito em lhes dizer que não houve essa parte interativa, o que me deixou muito decepcionado pois por um momento me senti em um daqueles cinemas “4D” de parque de diversões. Esta foi a primeira de muitas perguntas que me vieram durante a sessão: Por que esse jovem me falou aquilo e me entregou um lenço na porta da sala? Por que o título é tão comprido e com tanta pontuação? Por que não há mais ninguém na sala comigo? Por que eu escolhi passar minha tarde de terça-feira assim?

Imagem do filme Nada a Perder — Contra Tudo. Por todos

Enfim, o filme biográfico de Edir Macedo, estrelado pelo ator mineiro Petrônio Gontijo como o bispo, e Day Mesquita como Ester, sua esposa, tenta revelar o lado humano do bispo, mostrando desde a sua criação humilde e sofrida por uma deficiência física nas mãos, até seus dias de luta contra ataques da Igreja Católica e do governo, que o levaram até a cadeia nos anos 1990. Porém, nessa tentativa de apresentar o bispo como um humano “gente como a gente”, o filme apenas consegue colocá-lo como uma figura messiânica que sabe tudo, não sofre de verdade por nada, sabe tudo que deve fazer para ter sucesso (“salvar almas” como é colocado no filme) e sem defeitos. Todos aqueles que o apoiaram na vida real são colocados quase como seus apóstolos, que apenas erram para poderem ser corrigidos pelas palavras de Edir Macedo. E, como é de se esperar, aqueles que não o apoiaram são representados como fúteis, malvados e no geral vilões de filmes antigos de Disney, sem nuances.

A qualidade técnica é boa na maioria das cenas, dado o enorme valor de 20 milhões de reais e ser uma produção patrocinada pelo Netflix e pela Paris Filmes. Não posso deixar de elogiar principalmente a Direção de Arte, que fez um papel fenomenal no filme.

Porém, sobre outros aspectos como o roteiro, não me surpreendeu que o roteiro e grande parte da produção foi encomendada pela própria Igreja Universal, revelando claramente pro meu ponto de vista que essa obra pertence mais ao campo publicitário do que artístico, além do que nada que podemos apontar como característica de um bom filme esteja ali: personagens sem motivo, não há conflito, diálogos ruins, atuações cômicas e um roteiro que aparenta ter sido escrito nos dias de gravação. Dizendo tudo isso, deve aparentar que eu odiei o filme. Mas muito pelo contrário, fazia tempo que eu não me divertia tanto em uma sala de cinema. O moço que me entregou o lenço continuou na sala enquanto o filme era projetado e estava mais me vendo ver o filme do que vendo-o de fato, o que já me deixou em um clima de absurdismo com uma cena tão inóspita. Ao decorrer da trama, esse clima me envolveu e eu não conseguia acreditar no que estava vendo: havia tanta falta de consciência básica em cada minuto que eu não pude me conter para não chorar de rir em algumas cenas. Até relembrando-as agora eu não creio que tudo realmente aconteceu: exorcismo, mendigos usando loló, pessoas o caçoando por não “querer ir no baile, bixo” (frase do filme, eu não estou brincando), cenas desfocadas… Recomendo para todos aqueles que gostam de rir ironicamente de coisas ruins, principalmente após o filme ser lançado em mídia digital para ver em casa com amigos. Eu sei que é isso que eu farei.

Tudo isso formou um filme que não vejo a hora de ver de novo, apesar de estar dando dinheiro para algo que não concordo ideologicamente e sei que é ruim. Se tornou, para mim, aquilo que chamamos de “guilty pleasure”, famoso prazer com culpa. Agora beba do copo d’água e sinta-se purificado, meus irmãos!

PS: Essa ainda é somente a primeira parte, haverá uma segunda, e eu. não. posso. esperar.

Poster do filme

Nada a Perder — Contra Tudo. Por Todos, de Alexandre Avancini

ONDE: Rede Cinemark, Rede Cinépolis, Rede Kinoplex, Espaço Itaú de Cinema

QUANDO: Múltiplos horários

ATÉ QUANDO: 23/04

QUANTO: Preços variados

LINKS RELACIONADOS:

www.facebook.com/bispomacedo

http://lmgtfy.com/q=horarios+nada+a+perder

Selfie com o lencinho da Universal, “Deus é Top” — Júnior, Neymar

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