O essencial sem palavras por Bixiga 70

Por Carolina Menezes

Carolina Menezes
Araetá
4 min readApr 16, 2019

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Os nove integrantes da banda Bixiga 70 (2018) — foto: José de Holanda

“Bixiga 70 é uma banda brasileira que mistura elementos da música africana, afrobeat, brasileira, latina e do jazz.” Essa é a primeira linha da página da Wikipedia da banda Bixiga 70. Só depois de ter ido à um show deles foi que eu notei que talvez os esforços de definição exata para o que é o estilo e a essência da banda são todos em vão, e não arrisco tentar encontrar as palavras ideais depois do que vivenciei.

Nascida em 2010 e batizada em homenagem ao endereço do estúdio em que a banda nasceu (rua Treze de Maio, número 70, no bairro paulistano Bixiga), a mescla de sons produzidos pelos nove integrantes através de trompetes, saxofones, teclado, baixo, guitarra e percussão realmente dispensam palavras. Apenas um ano após sua formação já veio o primeiro álbum, “I”. Depois vieram “II” (2013), “III” (2015) e recentemente foi lançado o quarto álbum, “Quebra-cabeça”. Desde seu terceiro álbum, a banda já fez mais de cem apresentações ao redor do mundo e recebe constante prestígio da imprensa internacional. O contato com diferentes públicos, culturas e as trocas advindas desses encontros gerou um amadurecimento criativo considerável no último álbum, que conta com composições mais complexas sem perder a identidade única do Bixiga 70 — que valoriza e se alimenta dos sons cosmopolitas de países como Gana e Nigéria, dos tambores dos terreiros, da música malinké, da psicodelia, do dub e de uma atitude sempre presente para o improviso e a dança.

Pôster divulgado online para anunciar o show, por Alexandre Matias.

A ideia de assistir a um show instrumental nos traz à mente algo culto, orquestral e cheio de elegâncias. Contudo, o show do Bixiga 70 na sala Adoniran Barbosa, uma cúpula de vidro do Centro Cultural de São Paulo onde o palco é no meio da plateia, provou com excelência que esse pensamento é equivocado. O show ocorreu em 28 de março (quinta-feira) e teve duas sessões: às 19h e às 21h.

Mais do que música, o Bixiga 70 parece fazer mágica. O fluxo da energia ali gerada é capaz de unir banda e público de forma complementar e natural, fazendo dali um espaço livre, diverso e impossível de ficar imóvel. A participação do dançarino, artista e figura conhecida da noite paulistana e dos shows da banda, Jimmy the Dancer (nome artístico de Fábio da Silva Francisco, 41) faz a apresentação parecer algo de outra dimensão. De tão energicamente dançar com um gingado natural que irradia de sua figura esguia, o dançarino foi alçado ao palco nos primeiros shows, em 2010. Hoje acompanha a banda como um quase-Bixiga, a peça que faltava para completar o conjunto.

À esquerda, o sorriso cativante de Jimmy the Dancer (foto de Dubversão (flickr) e à direita, o registro de seu estilo colorido, de influência jamaicana e seu cajado que leva sempre consigo (foto de Anna Mascarenhas).

Sua trajetória nem sempre foi regada por música e bons momentos. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Jimmy contou que já morou na rua, apanhou de policiais, passou um tempo fora do país e, de volta, teve que pedir abrigo a imigrantes africanos, que fornecem os tecidos de suas roupas. Há dois anos, contudo, as coisas começaram a melhorar pra ele, que hoje mora em um bairro tranquilo da zona oeste e vive espalhando sua alegria e dança pela onda do reggae e dub jamaicano.

Com suas vestes sempre coloridas, sorriso aberto e o inseparável cajado, seus passos harmonizam perfeitamente com as músicas do Bixiga 70 e não deixam os olhos desviarem para qualquer outra coisa que seja. O que se presencia é o pacote completo do que é a cena atual da MPB brasileira: diversidade, releitura cultural e, no caso do Bixiga 70, paixão e energia sem a necessidade de palavras.

Pequeno trecho do show de 28/03, sessão das 21h. Vídeo: Carolina Menezes
eu em 2003, me expressando também sem palavras

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