O retorno de Twin Peaks
Série: Twin Peaks: The Return (David Lynch e Mark Frost)
A série “Twin Peaks: The Return” de Mark Frost e David Lynch é uma continuação direta da série “Twin Peaks”, dos mesmos criadores. Lançada em 2017, o programa acompanha as consequências que os eventos da obra original acarretam à cidade de Twin Peaks e seus personagens principais. Assim como havia sido prometido por Laura Palmer (“Eu te vejo de novo em 25 anos”), os inúmeros fãs podem se reencontrar com a série clássica que mudou a história da TV.
Antes de tudo é importante deixar claro que, embora The Return seja uma continuação direta de sua antecessora, as duas séries são muito diferentes. Há uma visível mudança de tom que deixou muitos fãs do clássico insatisfeitos e foi um dos fatores que, na minha opinião, foi responsável pelo menor sucesso de público da nova temporada comparada às primeiras. De certa forma, The Return é a sua própria experiência única. Digo isso não como algo negativo, mas na verdade é um dos pontos mais positivos da série. Lynch e Frost tiveram a coragem de inovar ainda mais do que haviam feito em seu primeiro trabalho juntos, criando uma obra de arte difícil de ser descrita e analisada em uma crítica de arte e, por mais que ela possua inúmeras outras qualidades, este aspecto em si já faz com que seja uma série que vale a pena ser vista.
O seu distanciamento do original ocorre, pois, todas as inovações que foram implementadas pela dupla na década de 90 já se tornaram comuns na indústria e podem ser observadas em obras que foram marcadas por sua influência como LOST, X-Files, True Detective entre outras. Portanto, para inovar novamente os criadores tiveram que criar algo completamente diferente, fato que desapontou fãs que queriam mais do Twin Peaks a que estavam acostumados.
O que me traz ao primeiro dos grandes pontos da série, a relação de The Return com a nostalgia. Em um período em que Hollywood e os grandes estúdios de televisão em geral parecem estar receosos em apostar em ideias novas, preferindo constantemente se refugiar constantemente na segurança de franquias de sucesso, Twin Peaks The Return possuía todos os elementos para ser apenas mais uma obra que se aproveita da nostalgia de forma barata e apelativa, utilizando-se da reputação conceituada da série original, que foi um dos maiores marcos do entretenimento nos anos 90. No entanto, esse é um programa que tem como roteirista e diretor de todos os seus episódios: David Lynch.
Não era de se esperar que o diretor visionário responsável por clássicos como “Veludo Azul”, “Império dos Sonhos”, “Eraserhead” (filme favorito de Stanley Kubrick) e “Cidade dos Sonhos” (considerado por muitos críticos como o melhor filme do século), entre outros, que voltou de um hiato de 11 anos para produzir a série, fizesse apenas mais do mesmo e se apoiasse nas boas memórias do público para obter sucesso.
Lynch faz justamente o contrário, trabalhando com a expectativa que a audiência tinha em relação à obra original e subvertendo-a a todo o momento. Ele adia ao máximo a aparição de personagens icônicos e dá muito mais tempo de tela para os personagens novos se desenvolverem. Até a própria cidade de Twin Peaks possui pouco tempo de tela comparada à série original, onde gozava de exclusividade. A nova trama agora acontece em diversos locais que servem como contraste para a familiaridade e pessoalidade de Twin Peaks.
Além disso, o seriado retoma a discussão sobre a violência na TV que havia sido abordada na original. Lynch tenta fugir da comercialização da violência que é tão comum nas obras audiovisuais desde os anos 90, o que torna The Return uma experiência ainda mais agradável. A interpretação mais aceita acerca do significado por trás da série é que ela seria justamente uma reflexão sobre esse consumo da violência presente na TV e que segundo a visão do diretor estaria obscurecendo o coração dos telespectadores. Twin Peaks serviria como um veículo de Lynch para combater este mal e a luta estaria representada dentro do programa pelo embate entre Laura Palmer e Bob.
Por último, tanto as temporadas dos anos 90 quanto a mais nova de 2017 são muito interessantes, pois ofuscam a divisão entre série e filme. Ambas se assemlham à longa-metragens, apesar de serem seriados segundo a visão tradicional. Muitos dos membros da equipe de ambas as produções relataram sentir como se Frost e Lynch estivessem fazendo um filme e inclusive o próprio David Lynch admitiu isso em relação a The Return. O que faz muito sentido já que os capítulos são nomeados como partes, como se fossem um todo que havia sido dividido. Tudo isso fez com que muitos críticos incluíssem Twin Peaks: The Return nas listas dos melhores filmes da década passada.
Em resumo, apesar de ser aquém de sua antecessora, Twin Peaks: The Return é uma experiência diferente de qualquer outra que possa ser encontrada na televisão atualmente e portanto vale cada minuto.
Onde: a série está disponível no streaming na Netflix.
Quanto: O plano mais simples da Netflix está R$ 19,90 por mês.
Quando: A série foi lançada em 2017 e até a data da publicação desta crítica não tem data para sair do serviço de streaming.
Saiba Mais: Por ser uma continuação da história do universo de Twin Peaks é extremamente recomendado que você assista as duas primeiras temporadas de Twin Peaks e o filme Twin Peaks: Fire Walk With Me. O filme Twin Peaks: Missing Pieces por mais que seja interessante para fãs do seriado, não contribui para o entendimento de The Return.