‘O som do silêncio’ representa a cultura surda
O filme de Darius Marder indicado ao Oscar é uma obra prima de som, atuação e montagem
por Igor Blundi Corona
* Aviso de spoilers*
“O som do silêncio” (título original: “Sound of metal”) é um filme muito sensível. Tem duas horas de duração; gênero: drama. Conta a história de Ruben, um baterista de uma banda de rock metal que é surpreendido pela repentina e rápida perda de sua audição. Ele se vê sem o seu principal ganha-pão, mas encontra abrigo e acolhimento em uma comunidade de surdos. Ruben aprende o básico da linguagem de sinais e convive nesse meio por um tempo, até que decide vender seus antigos instrumentos musicais e seu trailer para fazer uma cirurgia que o faria voltar a escutar. No entanto, sua audição não volta como esperava; como era antes. Os sons são estridentes, irritantes. Ele é rejeitado da comunidade em que vivia e tenta retornar para a sua namorada, Lou, o que também não acaba como planejado. Então, ele percebe que não quer — e não precisa mais (de) — sua audição.
“O som do silêncio” (título original: “Sound of metal”) é um filme muito sensível. Tem duas horas de duração; gênero: drama. Conta a história de Ruben, um baterista de uma banda de rock metal que é surpreendido pela repentina e rápida perda de sua audição. Ele se vê sem o seu principal ganha-pão, mas encontra abrigo e acolhimento em uma comunidade de surdos. Ruben aprende o básico da linguagem de sinais e convive nesse meio por um tempo, até que decide vender seus antigos instrumentos musicais e seu trailer para fazer uma cirurgia que o faria voltar a escutar. No entanto, sua audição não volta como esperava; como era antes. Os sons são estridentes, irritantes. Ele é rejeitado da comunidade em que vivia e tenta retornar para a sua namorada, Lou, o que também não acaba como planejado. Então, ele percebe que não quer — e não precisa mais (de) — sua audição.
O filme é primoroso em diversos aspectos técnicos: a montagem nos traz todos os sentimentos que o personagem parece sentir, o som nos faz perceber a agonia de quem está realmente perdendo a audição… e a atuação fecha com chave de ouro. Riz Ahmed tem um olhar e gestos muito expressivos. Tanto que o filme levou dois Oscar: melhor som e melhor montagem, além de outras 4 indicações: melhor filme, melhor ator, melhor ator coadjuvante e melhor roteiro original. Dividindo o filme em seus pontos principais, podemos analisar alguns detalhes, como atuação, construção de personagem, roteiro, direção, montagem e som.
O filme começa com Ruben e sua namorada, Lou, em um show de rock metal muito barulhento, com uma plateia escassa. Lou grita a música ao microfone, enquanto Ruben bate as baquetas com toda a força contra a bateria. Logo em seguida, há um corte para o dia seguinte. Um dia calmo, silencioso, em que Ruben acorda no trailer com a namorada, bate uma vitamina, faz seus exercícios e dança com Lou. Os dois parecem fazer bem um para o outro. Ruben cuida dela, levando-a a vitamina na cama. Ruben parece em paz. Vemos que Lou tem cicatrizes de cortes em seu pulso esquerdo, o que já nos indica que ela tem seus demônios internos, mas que provavelmente estão em paz ao lado de Ruben.
No entanto, logo Ruben perde a audição. Vemos ele perdido com os sons. Ele tenta continuar tocando na sua banda, mas o som fica cada vez mais abafado. Nesse ponto, o ator passa a sensação de confusão do personagem pelo olhar, que fica muito fixo em um ponto por alguns instantes, como se ele tentasse escutar melhor a música.
No entanto, Ruben continua tocando, o que mostra sua perseverança e sua confiança em sua habilidade na bateria. No dia seguinte, quando acorda e percebe de novo a surdez, o filme coloca — novamente — os sons abafados e um zunido para passar a sensação do personagem. Ruben tenta colocar o dedo no ouvido, tirar aquilo, tenta abrir a boca, como se aquilo fosse fazer a sensação de pressão nos ouvidos passar. Todos esses gestos são demorados, com closes no rosto do ator, mostrando ainda mais essa estranheza do momento. Ele até emite algum som com a boca para buscar se ouvir. E, por fim, faz outro gesto significativo: tosse. Obviamente, ele tosse, produzindo um som mais alto, para procurar ouvir a si mesmo. Mas com isso, percebemos que ele também se preocupa com Lou. Ele não quer que ela acorde e perceba sua situação, então disfarça sua tentativa de se ouvir com a tosse.
Ruben, então, sai para uma farmácia, sem contar a Lou, à procura de tratamento médico, e descobre que perdeu cerca de 80% da audição. De novo, a atuação de Riz é impecável. É visível a frustração do personagem, sua falta de direção, agora que não tem mais seu ganha-pão. O médico diz que existe uma cirurgia, mas é muito cara. A partir daí, Ruben tentará conseguir o dinheiro para essa cirurgia. Quando Lou liga para saber onde ele está, diz que apenas saiu para resolver umas coisas, o que, de novo, mostra sua preocupação com a namorada.
Então, Ruben tenta, novamente, tocar na banda, mas sai repentinamente no meio do show, irritado. Lou vai atrás dele, preocupada, e descobre sobre sua audição. Então, eles vão a uma lanchonete, onde Lou faz algumas ligações para buscar ajuda, enquanto Ruben nega a sua condição constantemente, dizendo que vai resolver o “problema”. Lou o leva a uma comunidade, onde ele fica por certo tempo. Ela volta para a casa do pai.
Quando Ruben conversa com o chefe da comunidade, ele diz que o intuito da comunidade não é curar a audição, mas sim a cabeça. Ele pergunta se Ruben é viciado em drogas. Ele diz que era viciado em heroína, mas parou há 4 anos, mesmo período de tempo em que está com Lou. Aqui, entendemos que Ruben, assim como Lou, também tem seus demônios. Voltando à cena do começo do filme e analisando a música deles e a forma como eles a apresentam, podemos traçar um paralelo entre a música e as personalidades dos personagens. Ambos têm sua escuridão interior, e aquela música é uma forma de externalizar suas emoções.
Ruben aprende linguagem de sinais e aprende a se acalmar mais, aceitar mais a sua condição e conviver naquela comunidade. No entanto, percebemos sempre um olhar quase de luto em Ruben. Mesmo em momentos felizes naquela comunidade, ele parece distante — talvez, pensando em Lou e em como recuperar sua audição.
Passado algum tempo, Ruben decide vender seu trailer e todos os equipamentos musicais dentro dele. Com o dinheiro, faz a cirurgia. No entanto, percebe que sua audição não é como se lembrava. Os sons são estridentes, barulhentos, não são precisos. Ele pede abrigo para o chefe da tribo novamente, para se recuperar da cirurgia. Mas o chefe, obviamente, recusa. Ele ressalta que aquela comunidade acredita que a audição não é uma deficiência; não é algo a ser consertado. E Ruben traiu esses fundamentos, portanto, não pode ser mais aceito lá.
Então, ele vai aonde Lou estava morando para reencontrá-la e mostrar que sua audição está recuperada — já que Ruben não consegue aceitar a sua condição de surdo, nem aceitar que a cirurgia não o ajudou em nada (outra vez, podemos ver a perseverança do personagem, que se torna teimosia). Lou parece bem, mais bem vestida, com a pele mais corada, e sem as marcas de arranhões que costumava fazer. Eles não parecem ter mais a mesma sintonia que antes. Lou parece melhor sem ele e ambos aceitam que precisam se separar de vez.
Na última cena do filme, vemos Ruben sentado num banco, tentando ouvir os barulhos da cidade, mas se sentindo irritado com cada um deles. O ator olha de um lado para o outro com uma certa ansiedade, uma irritação, como se aqueles sons não fossem mais sons distintos, mas sim barulhos. Sons incompreensíveis e irritantes. Até que Ruben tem a ideia de tirar os aparelhos que o fazem escutar.
Os sons pararam e só ouvimos o silêncio. No rosto do ator, podemos ver aquela raiva se transformando em paz. As cenas que ele via antes com irritação se tornam mais bonitas. Duas crianças que pareciam estar brigando antes, agora estão brincando. Ele percebe o sol entre as árvores, uma cena que não teria percebido antes, porque estava se atentando apenas aos sons que não importavam.
O último close do filme dura 33 segundos. É uma cena muito longa, em que podemos respirar melhor e aproveitar aquele silêncio junto do personagem. O rosto de Riz Ahmed se transforma de uma ansiedade intensa para uma paz interior — traçando um paralelo com a meditação; os sons só passam e ele não precisa processar tudo aquilo, apenas aproveitar o som do silêncio.
Assim, o filme fecha com sua mensagem final: aceitação. O filme faz um ótimo trabalho em retratar a surdez como uma cultura, não como uma deficiência. E, como o diretor e roteirista Darius Marder disse em entrevista, “uma cultura para a qual não costumamos olhar com freqeuência”. Ele conta também que houve muita pesquisa e consultoria com membros dessa cultura. Riz conta das suas aulas de linguagem de sinais americana, de como se conectou com a professora. Ele conta também das aulas intensivas de bateria que fez por 6 meses. Ele convence muito nas telas como um real baterista. E Darius Marder diz que não é todo ator que se dispõe a esse trabalho, e mais: que não é todo ator que faz essa preparação com tanta dedicação e tão bem quanto Riz Ahmed. O ator conta, também, que a maioria das cenas foram feitas com apenas um ou dois cortes, o que é impressionante, pela qualidade da atuação.
Durante todo o tempo do filme, ouvimos tudo o que está acontecendo com Ruben enquanto perde a audição. Ouvimos os sons abafados, os sons estridentes do seu aparelho, e até ouvimos precisamente os sons do ambiente quando o filme mostra a visão de outra pessoa ou antes de Ruben perder a audição. A equipe de som do filme se atentou para cada detalhe da trilha sonora — não a música, mas a trilha sonora, ou seja, toda a faixa de áudio do filme dedicada ao som. Riz Ahmed conta em entrevista que em alguns momentos, os técnicos de som pediam para ele parar de respirar, parar de se mexer, e… enfim… parar tudo o que estava fazendo apenas para que eles pudessem gravá-lo salivando. Em todo o filme, é perceptível essa sensibilidade aos sons. Tudo é muito detalhado.
Além do som, a montagem e a edição do filme ganham destaque. Os montadores e editores fizeram muito bom uso do corte motivado. Mas o que é isso? É o princípio básico da edição. Todo corte em um filme precisa de uma motivação. Por exemplo, no final do filme, quando Ruben tenta ouvir os sons ao redor, os cortes são mais rápidos. Nesse caso, são motivados pela desorientação do personagem e mostram isso muito bem. Mas quando ele tira o aparelho e fica no silêncio, os cortes são mais lentos, principalmente quando ele observa o sol entre as árvores e quando ele aproveita o silêncio. Em todo o filme, vemos isso. Ele mostra sempre as cenas que o espectador quer ver. Na cena em que Ruben se separa de Lou e vemos sua angústia, não há um corte, enquanto vemos Ruben se apoiar nos seus joelhos, gritar, murmurar, e sentimos a sua angústia pela forma como o corte demora para vir, pois embarcamos naquela angústia junto com o personagem. Em outros casos, quando o filme quer mostrar a audição de Ruben e, depois, contrastar com a audição de alguém que não é surdo, o filme mostra, primeiro, um close no personagem, para mostrar essa intimidade e essa angústia, para nos fazer sentir o que ele sente. Logo depois, quando o som muda, mostra-se um plano aberto, como se fôssemos realmente alguém olhando aquela situação de fora. Isso acontece na cena da farmácia.
Inclusive, não só a atuação de Riz Ahmed se destaca no filme, mas também a de Paul Raci, que também foi indicado ao Oscar de ator coadjuvante, como o chefe da comunidade surda, Joe. Assim, é possível imaginar que houve um ótimo trabalho de preparação para os atores. Para fechar, é interessante ressaltar como os dois títulos do filme: tanto em português, como em inglês, se complementam. O título em inglês, “Sound of metal”, ou “som do metal”, em tradução livre, retrata bem a desordem e o caos que Ruben vive, além de explicar o começo ligado ao metal, em que os personagens extravasam suas emoções. Já o título em português do Brasil, “O som do silêncio”, retrata bem o final do filme, em que Ruben finalmente desfruta da paz, quando decide ouvir ao som do silêncio.
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