Ozymandias

João Pedro Maio

João Pedro Maio
Araetá
5 min readJun 20, 2020

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Breaking Bad foi um sucesso mundial, e provavelmente você já ouviu falar. Mas não vim falar sobre a série como um todo, mas especificamente do 14º episódio da 5ª temporada, intitulado como Ozymandias. Portanto recomendo fortemente que tenha assistido a série ou ao menos saiba do que se trata antes de seguir com a leitura; spoilers por sua conta e risco daqui em diante.

Walter White chocado em Breaking Bad (T5 EP14). Reprodução: Netflix

O episódio inicia com um flashback em seus primeiros cinco minutos, relembrando o início da série, quando Walter White (Bryan Cranston) começa a fabricar metanfetamina junto de seu antigo aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul). Após a abertura, retornamos ao cenário final do episódio anterior, com Hank Schrader (Dean Norris) baleado e seu parceiro morto por Jack (Michael Bowen) e sua quadrilha. Walter tenta negociar com o a vida de seu cunhado com o líder do grupo, que acaba por matar Hank, sequestrar Jesse e levar quase todo o dinheiro do protagonista, que tem que rolar seu último barril de dinheiro pelo deserto. Enquanto isso sua cunhada, Marie Schrader (Betsy Brandt) Conta para sua esposa Skyler (Anna Gunn) sobre a suposta prisão de Walter por seu marido Hank, e a obriga a contar sobre os crimes de WW para seu filho Flynn (RJ Mitte), que fica incrédulo. Ao chegar vem casa, WW tem que enfrentar o medo e rejeição de sua família, após saberem que Hank está morto. Ele foge com a filha recém nascida Holly após seu filho chamar a polícia. A partir de então, começa a perceber como sua vida desmoronou e acaba fugindo com documentos falsos.

Ozymandias é o nome do episódio, mas também é o nome grego de Ramsés II e de um poema de Percy Bysshe Shelley, publicado em 1818. Confira a seguir:

Estátua de Ozymandias/Ramsés II em ruínas. Imagem meramente ilustrativa retirada da internet.

I met a traveller from an antique land

Who said: — Two vast and trunkless legs of stone

Stand in the desert. Near them on the sand,

Half sunk, a shatter’d visage lies, whose frown

And wrinkled lip and sneer of cold command

Tell that its sculptor well those passions read

Which yet survive, stamp’d on these lifeless things,

The hand that mock’d them and the heart that fed.

And on the pedestal these words appear:

“My name is Ozymandias, king of kings:

Look on my works, ye mighty, and despair!”

Nothing beside remains: round the decay

Of that colossal wreck, boundless and bare,

The lone and level sands stretch far away.

Em uma tradução livre:

Eu encontrei um viajante de uma terra antiga

Que disse: — Duas gigantescas pernas de pedra sem torso

Erguem-se no deserto. Perto delas na areia,

Meio afundada, jaz um rosto partido, cuja expressão

E lábios franzidos e escárnio de frieza no comando

Dizem que seu escultor bem aquelas paixões leu

Que ainda sobrevivem, estampadas nessas partes sem vida,

A mão que os zombava e o coração que os alimentava.

E no pedestal estas palavras aparecem:

“Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:

Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!”

Nada resta: junto à decadência

Das ruínas colossais, ilimitadas e nuas

As areias solitárias e inacabáveis estendem-se à distância.

Shelley associa a imagem do antigo imperador egípcio à arrogância e transitoriedade do poder. Essa arrogância é aquela que surge quando o poderoso chega no auge, mas que perdura até depois de sua queda, quando ele é o ultimo a percebe-la, e tem um último suspiro no processo de luto que segue a percepção da morte dos próprios poderes. O poema carrega uma ironia que considero particularmente interessante.

Estátua de Ozymandias e Walter White, ambos caídos na areia. Retirado da Internet

Ozymandias talvez seja sobre luto. Mas um luto egoísta, luto com a própria imagem. Hank Schrader, cunhado de Walter e agente do DEA (Drug Enforcement Administration, orgão federal de repressão e controle de narcóticos dos EUA) é o último pilar que sustenta a narrativa que o protagonista insiste em reforçar para todos (incluindo ele próprio) de que todos os crimes e atrocidades que cometeu foram sempre com o objetivo de um bem maior para sua família, um sacrifício altruísta. Afinal Hank, um homem justo que serve a lei e luta contra o narcotráfico, não poderia ter o maior e mais brutal traficante do país como um membro tão próximo da família, certo? Logo Walter não só poderia ser alguém injustiçado pela vida, que buscava fazer o melhor para todos. Talvez fosse o que ele pensava (ou queria pensar a todo custo).

Walter implorando a Jack pela vida de seu cunhado, Hank. Reprodução: Netflix

Assim como o ancestral egípcio, ou pelo menos na imagem mitológica que permaneceu dele, o professor pareceu sempre ser extremamente seguro quanto a seu controle sobre todas as situações adversar que teve que enfrentar. A segurança deu espaço à arrogância que limitou sua visão quanto ao próprio declínio que seguiu seu império. Ele só pode perceber que estava no fim, quando viu a vida de seu cunhado ser friamente tirada, de certa forma, em decorrência de suas ações.

Nesse momento, Heisenberg (Como gostava de ser chamado) se choca, pois diferente dos problemas anteriores que teve ao longo da série, esse não teria solução. Assim ele começa a chorar, seja pela perda de um ente próximo ou então da própria capacidade de moldar as situações a seu favor. O desespero se torna cólera surda (como diria Didi-Huberman) que, mais tarde ao retornar para sua casa e enfrentar a esposa agoniada e o filho perplexo, se torna raiva e brutalidade, até mais evidentes na cena seguinte quando conversa com Skyler pelo telefone. Nesse ponto, ele não se preocupa mais em deixar escapar sua ira, seu desabafo e talvez um ultimo esforço de manipular o cenário em que se encontra.

Walter White ao telefone com Skyler. Reprodução: Netflix

A partir desse ponto até o último episódio, o personagem entra num processo de aceitação, culminando na confissão de que suas ações jamais tiveram qualquer caráter altruísta.

Disponível no Netflix (R$21,90 a R$45,90/mês)

Temporada 5, Ep.14

Saiba mais:

João Pedro Maio (eu)

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